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       A pista de dança cheia de corpos suados ainda tinha a presença dos agentes que só queriam se divertir. Os sorrisos largos em seus rostos mostravam que eles precisavam daquilo mais do que qualquer coisa, uma noite de uma vida normal.

      A chave da Van agora estava na mão de Kaiser que era o único que não havia tomado nada que fosse alcoólico. Todos os seguiam sóbrios e em conjunto entraram na Van. Arthur estava no banco do passageiro com o amigo e um silêncio estranho pairava sobre eles. Kaiser observou a boca de Arthur reprimindo um sorriso de se abrir, notou as marquinhas suaves no pescoço e a blusa toda bagunçada.

— E então, Dante beija bem?

— Por que acha que eu sei? — Arthur deu uma de João sem braço.

— Vai mesmo tentar mentir pro seu melhor amigo? Te conheço melhor que você mesmo, Arthur. Aliás, vi quando sumiram juntinhos...Mas tudo bem senão quiser falar sobre, não quero ser evasivo.

— Você não é, gracinha. O problema é que até agora eu tô em um looping infinito pra saber se Dante não estava brincando com a minha cara, ele quis me beijar, Kaiser.

— Fala sério, Arthur. Se eu provavelmente não tivesse alguém em meu coração também já teria sentido vontade de te beijar.

— Você acabou de admitir que está apaixonado por alguém?

— Somos amigos e estamos admitindo coisas, não estamos? — Kaiser o encarou. — E não finja que não sabe quem é a pessoa que tem meu coração.

— Sei e sabe o que acho sobre isso também.

— Não tenho coragem suficiente pra isso, Arthur.

— A gente sobreviveu ao Deus da Morte, imagino que você saiba que nossa vida está por um fio em cada missão que nós vamos. Se eu fosse você não arriscaria morrer sem dizer ao Joui como se sente.

— Ok, quando você diz isso em voz alta é vergonhoso...

— Vergonhoso é um homem de 30 anos nas costas com medo do amor!

— Vai tomar no teu cú, se não fosse o Dante você também estaria fugindo dele até agora!

— E daí? Uma hora a gente tem que cansar de correr, né?

— Eu ainda não me cansei e vou continuar correndo até o Joui começar a namorar a Erin e eu conseguir esquecer.

— Isso não vai acontecer porque ele também te ama! — A Van brecou em frente ao QG e Kaiser o encarou com os olhos arregalados. — Isso é dedução minha, mas na minha opinião vocês estão perdendo tempo com esse cú doce.

— Você bebeu, Arthur...

— Não coloque a culpa do peso das minhas palavras na bebida, eu sei o que estou dizendo, César.

— Não, você não sabe. Porque isso é uma loucura sem tamanho, Joui não seria capaz de se apaixonar por mim...Ele diz que eu sou o melhor amigo dele...

— Você pediu ele em namoro por acaso? Acho que não, então quer que ele diga que vocês são o que, César-Kun?

— Vaza da minha frente antes que eu te dê um tiro....

— Tô vazando, Anjinho. Só espero que consiga dormir com essa consciência pesada aí, cuidado pra não quebrar a cama.

— Arthur, alguém já te disse que você é um porre quando bebe?

— Você não é a primeira e nem vai ser a última pessoa a me dizer isso. Mas eu gosto de falar a verdade e eu não me importo se isso vai fazer você ficar bravo comigo porque minha única intenção agora é te ver feliz como eu estou. Com alguém que gosta, Kaiser.

— Eu já disse que não sirvo pra essa coisa de amor, tá bem? Agora vamos, Liz deve estar esperando a gente.

— Fico impressionado com a sua capacidade de fugir de tudo....

— Arthur, cala a boca!

— Não calo, Kaiser! Eu não suporto ver você definhar nesse mundo de solidão que você escolheu se prender, não suporto te ver se menosprezar como eu faço porque eu sei o quanto isso dói, eu não suporto te ver se afogar nessa mágoa, nessa culpa, Kaiser. Você é como um irmão pra mim, eu quero te ver bem, quero te proteger de todo o mal e agora o maior dos males que você já enfrentou está sendo você mesmo. Ninguém mais pode te impedir de ser feliz, de seguir em frente....Só você, irmão.

— Boa noite, Arthur.

       O Cohen desceu da Van e observou os olhares curiosos de todos sobre ele. Claro que eles haviam escutado os gritos de Arthur, isso era óbvio, mas Kaiser não conseguiu ficar ali por mais tempo quando viu o olhar preocupado de Joui. Isso era demais pra ele suportar nessa noite. As palavras de Arthur pesavam em seus ombros e ele se sentia mal. Kaiser sabia que o amigo não havia feito aquilo pra magoa-lo e sim pra dar a ele um choque de realidade mas essa constatação não fazia doer menos, pelo contrário, fazia doer ainda mais. Era Arthur, seu melhor amigo, era óbvio que ele só queria seu bem. Mas o que César podia fazer se não era corajoso o suficiente pra correr atrás de sua própria felicidade? O menino correu pro seu quarto e lá se trancou soltando todo o ar dos pulmões. Ele não conseguiria dormir naquela noite, isso era fato.

        Kaiser jogou algumas partidas do seu jogo favorito e quando se cansou resolveu sair de seu casulo. Sua cabeça estava funcionando a mil por hora, seu coração estava apertado e ele não conseguia se impedir de sentir aquele turbilhão de emoções. O garoto colocou as mãos no bolso do Sobretudo e saiu caminhando pelo QG escuro. Ele sabia de um lugar pra organizar seus pensamentos.

     Andou calmamente pelos corredores e saiu pelos fundos. Havia uma espécie de guarita do lado de fora onde as estrelas brilhavam com todo o seu esplendor e ao subir as escadas da guarita Kaiser quase caiu pra trás. Tinha mais alguém ali e ele era o dono de sua insônia. Joui dormia encolhido com alguns travesseiros a sua volta. Joui estava bem ali, a sua frente.

O espelhoWhere stories live. Discover now