Capítulo 50

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É loucura odiar todas as rosas porque uma te espetou. Entregar todos os teus sonhos porque um deles não se realizou..."

—   O Pequeno Príncipe 

Sempre que eu tenho muita coisa pra fazer eu acabo dormindo, acabo fugindo das minhas obrigações e na maioria das vezes esses compromissos vêm me visitar até nos meus sonhos. Eu tinha consciência de estar acordada, mas tinha algumas coisas para pensar, desfrutei no escuro sob minhas pálpebras e da sensação de vários fogos de artifícios explodindo na minha visão. Primeira coisa, eu precisava saber se aquelas coisas eram reais, e se meus pesadelos também tinham se concretizado, com essa coragem resolvi abrir meus olhos para mais um dia de vida. O teto continuava da mesma cor branca tingida pela luz amarela do abajur,  todo o quarto tinha a atmosfera tão acolhedora quanto a de um hotel, sem contar da televisão tela plana na minha frente, do meu Playstation arrumado junto a um aparelho dvd. Ao lado da cama tinha um porta retrato da minha família, mostrava minha mãe, meus tios, meus primos e minha cachorra, também tinha uma rosa azul que tinham deixado em um copo de porcelana. Não sei por que mas a coleção de post it aumentava cada dia mais, assim como as canetas Estabilo e os lápis de cor Faber Castel, além de giz pastel, e esferográficas, por que deixaram lá? Eu não posso desenhar! Porém de algum modo aqueles materiais me chamavam e eu esqueci completamente de analisar o quarto, esqueci até do que eu estava preocupada e levantei com cuidado meu corpo da cama, me apoiei com as mãos nos lençóis e me icei para cima, consegui me sentar -vitória- dei uma rápida olhada nos lápis mais uma vez e tomei impulso para colocar minhas pernas para fora da cama e encostar meus pés no chão lustrado do hospital, consegui fazer com que minhas pernas sustentassem meu peso. Havia uma cadeira de rodinhas ali perto e eu me segurei na borda da escrivaninha improvisada e com a outra mão puxei a cadeira para perto, andei um passo e me sentei.

Descobri que em baixo das canetas e da maleta de lápis tinha algumas folhas de sulfite imaculadas e eu as queria, mas para isso teria que levantar aquela maleta e tirar caneta por caneta de cima das folhas. Comecei meu trabalho levantando uma mão do meu colo e pousei-a levemente em cima de uma caneta hidrocor, lembrei-me de alguém dizendo - suas mãos devem querer juntar os dedos, elas devem querer fazer um movimento parecido com uma pinça, pense que esta pegando uma flor bem longe- então eu estiquei os dedos e peguei minha flor longe, doeu o esforço mas valeu a pena, peguei a ponta da caneta com o dedão e o indicador e apoiei a caneta no dedo anelar, segurando firme, com uma satisfação enorme por ter mais uma vez uma caneta entre meus dedos, repeti esse processo ate tirar todas de lá e depois foi a vez da maleta com lápis. Parecia difícil, mesmo porque eu teria que usar as duas mãos -você consegue- alguém parecia me dizer isso como se estivesse ali, -claro-  respondi para ele, eu iria tirar aquela linda maleta de lá, mesmo porque com as folhas eu poderia até escrever e isso me deixava mais feliz do que eu imaginava. Peguei minhas forças e usei-as para levantar o próprio peso delas, usei toda a minha coordenação para fazer minhas mãos se fechar em volta do couro e todo o meu pensamento para levanta-la que parecia ter sue peso real multiplicado por dez. A levantei e coloquei ao lado das folhas brancas, peguei uma sulfite e a pousei a minha frente.

Fiquei um tempo fitando o branco, deixando meus olhos desfocarem e focarem outra vez por conta minha, pisquei e vi outras cores refletidas e nessa hora tive ideias para meu desenho. De uma maneira ate inquietante aparecia apenas uma imagem na minha cabeça e essa imagem me deixava nervosa; se tratava de um garoto que parecia ter vinte e alguns anos, mas dependendo de como eu me lembrasse dele ele parecia ter bem menos, seus olhos eram de um estranho tom de castanho meio avermelhado que me deu uma vontade enorme de tomar café, um cabelo preto e liso com algumas ondas que se arrumavam sozinhas e embaralhadas em sua cabeça, com algumas mechas perto dos olhos emoldurando a face, seus traços eram detalhados e ao mesmo tempo simples de uma maneira estranhamente reconfortante, um de seus olhos era um pouco mais fechado que o outro e isso parecia acrescentar um charme àquela figura tão perfeita. Quando dei por mim mãos estavam em cima do papel e pareciam querer desenhar o que viram, mas tudo o que consegui foi borrões de grafite e meus dedos manchados de cinza. Claro, fui tonta, como me esqueci de que não teria como desenhar algo tão delicado com essas mãos tão brutas e imprecisas, me frustrei e me deprimi, mas tinha aquela tal vozinha dentro de mim -tenta de novo, não desiste agora- então eu respondi que não iria desistir mesmo e iria começar do zero. Peguei uma caneta de ponta grossa cor de rosa e subitamente me lembrei da minha mãe desenhando uma flor em uma agenda minha quando eu era criança, e eu desenhava rabiscos ao lado da flor, sem problemas invoquei sua imagem e me vi fazendo traços com a caneta cor de rosa, depois optei pela azul claro-mar e fiz algo que se assemelhava a círculos, quando dei por mim a folha tinha se transformado em uma confusão de cores de canetinha que tornaram a folha pesada e molhada. Isso tudo me deixou nervosa, porque eu tinha alguma coisa para fazer, tinha alguém para ver, mas não consegui me lembrar quem, o que eu faria? Bom, qualquer coisa que fosse poderia ser deixada para depois, me levantei com dificuldade até a minha cama e me aconcheguei em baixo das cobertas, me deitei e me enrolei como uma bola com joelho perto do peito e tentei esquecer de tudo, assim dormi.

Meu Presente é a LuaWhere stories live. Discover now