Capítulo 10

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Mas todas suas iras são de amor;

 todos estes seus males são um bem,

que eu por todo outro bem não trocaria.

-Luís de Camões

Hoje eu acordei, não é uma novidade já que eu acordo todos os dias, mas hoje pela primeira vez resolvi pensar sobre o que o Eduardo disse naquela primeira vez que nos beijamos, o que ele disse sobre a fé e sobre Deus. Por um momento fugaz passou pela minha cabeça que eu deveria agradecer por esse dia, afinal eu poderia não ter acordado... É, até eu me preocupava e me surpreendia com a minha súbita tentativa de retomada da fé. Outro caso é que hoje eu não posso mais usar a desculpa que minha mão direita está toda queimada, ou seja, eu terei que ir pra escola. Na verdade gosto bastante de lá, estudo lá desde que me entendo por gente, ou melhor, desde que comecei a escrever algo diferente de caderno de caligrafia e palavras novas, gosto dos professores de lá, do pessoal da limpeza e do resto dos funcionários assim como, por estudar a séculos no mesmo lugar, acabo por ter vários colegas e gente conhecida, mas amigos? Ah, amigos a gente só tem alguns e por mais que tentemos enganar a nós mesmos, amigos ainda se conta nos dedos.

Não incluem em amizade aqueles que te traíram e que te julgaram porque amigo de verdade fica do seu lado mesmo que algo um pouco grave tenha sido feito porque sabe que o erro não foi premeditado. Não trai porque a amizade de cada pessoa é uma coisa única, é como fazer um desenho e depois descobrir que conseguiu combinar cores diferentes de lápis de cor e percebeu que uma cor nova se formou, uma cor que não tem na palheta. Porém eu continuo me sentindo deslocada em alguns lugares que vou, seja por não aceitar minha juventude do jeito que as outras pessoas aceitam, seja porque não penso como elas ou faço o que querem ou talvez a culpa seja da minha grosseria que tantos falam que eu tenho. A verdade é que me sinto sozinha no meio de tanta gente e mesmo com meus amigos me amando eu sei que há feridas no passado que o futuro não pode consertar e em varias amizades essas feridas surgiram e hoje eu já não posso cura-las.

Quando finalmente cheguei à escola, subi as escadas ao meu melhor estilo pessoa-zumbi-dormindo do modo como sempre subo começando de uma extremidade da escada e subindo até a outra extremidade formando um caminho diagonal. Cheguei à sala e a aula era uma das minhas preferidas: história. Como ele já tinha iniciado sua fala sobre a revolução francesa eu apenas bati na porta e esperei seu consentimento, me sentei, tirei minhas folhas de fichário e as coloquei na parte de historia. Com tudo arrumado me coloquei a copiar a meia lousa que já tinha sido escrita. Após alguns minutos de intensa atenção e de duas ideias complementadas por mim, senti meu celular vibrar: uma mensagem. Talvez fosse o Eduardo me convidando pra sair ou me lembrando mais uma vez como de manhã a tomar o analgésico certo, então  esperei ter contato visual com o professor e falei apenas mexendo os lábios que precisava ir no banheiro, o que me foi concedido sem demora já que eu era uma ótima aluna de historia.

O banheiro tinha espelhos grandes e era de azulejos brancos com a pia de granito cinza. Abri o celular:

O que aconteceu com a sua mão? Está resolvido de que você vai cozinhar pra tanta gente assim?

-Ai que inferno- assim que percebi ter falado alto tampei minha boca, vai que tivesse alguém nas outras portas? Então apenas empurrei uma a uma com os pés e xinguei mentalmente a pessoa daquela mensagem. Se tratava obviamente da nossa viajem independente, quem estava planejando isso era a pessoa daquela mensagem e todos nós estávamos muito feliz com os preparativos dela e a expectativa de ficarmos todos juntos na praia. Tinha sete pessoas confirmadas até agora mesmo porque só os mais próximos do meu circulo de amigos foram convidados, mas poderia muito bem aumentar. Pensei bem, era uma grande responsabilidade, mas também, se não desse certo a gente comia pizza e tudo bem, ou mais ou menos bem, talvez até nada bem. Lembrei-me de minha mãe me dizendo: Olha só o tamanho da responsabilidade ein? Toma cuidado.

Meu Presente é a LuaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora