Capítulo 32

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De tudo, ao meu amor serei atento

 Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto

 Que mesmo em face do maior encanto

 Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento

 E em louvor hei de espalhar meu canto

 E rir meu riso e derramar meu pranto

 Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure

 Quem sabe a morte, angústia de quem vive

 Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):

 Que não seja imortal, posto que é chama

 Mas que seja infinito enquanto dure.

-Vinicius de Moraes

Mal sai do quarto do hospital empurrada pelo Du já passou duas enfermeiras que me cumprimentaram com um sorriso alegre. Eu virei minha cabeça um pouco para trás para perguntar:

-Como essas pessoas me conhecem?

-Bem, ser namorada do medico chefe é uma regalia para poucas, madame. Além de que inclui a fama, claro.

-Como é? Chefe? Você é medico chefe?

-Bem, da ala de neurologia sou.

-E porque raios, nunca me contou isso antes?

-Bem... Porque achei que não importaria.

-Nossa me poupe. Claro que importa! Tudo sobre você me importa.

E acho que gritei um pouco alto, pois nesse momento um velhinho deitado em uma cama com a porta aberta me olhou desconfiado, não sei ao certo, mas ele parecia usar um aparelho para surdez. Só tive tempo de o ver perguntar para enfermeira ao seu lado: O que??? O que você disse?

-O que mais eu não sei sobre você Eduardo?

-Bom, deixe-me ver... Você sabe que eu não respiro por uma das narinas?

-Como é que é?

-Assim, não que eu não respire completamente, mas bem pouco. E também às vezes eu consigo respirar pelas duas.

-Poxa, e você também achou que nunca teve necessidade de me contar isso?

-Acho que sim.- ele pareceu encabulado por um momento mas logo voltou ao nomal- Mas e você? O que esconde de mim? Quais são seus segredos.

Fiz uma pausa dramática em que eu observava os quartos pelos quais nós íamos passando.

-Então Du... Acho que isso será um choque para você, mas você precisa saber- Minha voz era tão seria que até eu estava acreditando.

-O que é?

-Eu matei um homem quando tinha treze anos.

Ele parou a cadeira de rodas no meio do corredor e me olhou serio:

-Verdade isso Sas?

-Sim- abaixei levemente a cabeça e esperei em silêncio pela gritaria. Mas tudo o que tive foi:

-Tá bom

-Hãn?

- Você acha que me engana né?

-Ah- fiz um beicinho de tristeza

-Sei bem quando você esta mentindo. Nunca caio nessas brincadeirinhas.

Depois dessa, ele pareceu não querer brincar e nem conversar, então apenas andamos pelo hospital.

Por que será que ele estava assim comigo? Por que ficou tão serio depois da brincadeira?

Quando a revelação me atingiu foi como se um carro tivesse me atingido. Ai sua estupida insensível! Ele perdeu uma paciente, ele te contou sua retardada! Isso bastou para eu me sentir mal.

Mas agora nada que eu falasse valeria a pena, então tratei de quebrar o gelo, e rápido.

-Mas então. Hoje eu só tomei três remédios até agora, vou ter que tomar mais?

-Ahan

Ele tirou um frasquinho do bolso e paramos ao lado de um bebedouro, ao lado vários copinhos descartáveis. Ele pegou um, encheu com agua e me deu para beber com o remédio.

-Argh, odeio isso Du.

- Eu sei, mas alguns males são necessários.

Vou contar uma coisa, o hospital não é tão ruim quanto parece, bom, pelo menos não a ala neonatal onde a alegria dos bebes recém-nascidos e a emoção de seus pais enchem o local, o fato das paredes terem uma coloração azul e rosa pastel também ajudam a manter a fé. Quanto ao resto, inteiramente branco,  antissepticamente limpo e extremamente ao estilo clean me enoja mesmo eu tendo vontade de seguir a carreira de medicina. Acho que teria um hospital colorido, na verdade acho que isso animaria os pacientes porque em minha opinião essa tristeza toda é, em parte, causada por esse falta de cor e vontade de viver que as paredes opressoras transmitem.


Meu Presente é a LuaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora