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A noite de sono de Enok foi turbulenta. Primeiro, o gato Cobalto, que já estava estressado porque Júlia tinha pisado em seu rabo sem querer mais cedo, ficou miando e arranhando a porta do quarto. Depois, a cabeça de Enok começara a doer como nunca e a cicatriz também.

Aos trancos e barrancos Enok conseguiu se agarrar ao sono, mas teve um sonho desagradável. No entanto, no dia seguinte, quando despertou e se recordou, deu-se conta de que não era somente um sonho, não via nada além de uma nevoa azul-esverdeada. Concluiu que era uma lembrança de quando estava em coma porque ouviu a voz da irmã com nitidez. Recordou de tudo que ela lhe disse enquanto dormia, além do "Eu te amo", ela dizia "Não posso te perder também, por favor... não me deixe". Mais tarde, ainda com os olhos vendados pela condição, ele ouviu vozes indistinguíveis, porém uma delas lhe era familiar. E como era familiar.

Outra voz cavernosa praguejou e disse:

— Temos que ficar de olho, de agora em diante, em nossos companheiros... e nesse daí.

Ele tentou realmente distinguir a voz, mas não conseguia. Perguntou-se se a segunda voz estava se referindo a ele, indefeso no leito do hospital.

A sensação que sentiu naquele sonho lúcido foi pavorosa, sentia-se preso dentro do próprio corpo, sem poder se mexer. Tinham que ficar de olho nele?, ponderou, enquanto escovava os dentes. Seriam essas as mesmas pessoas que tinham tentado matar ele e Lucas? Tinham ido ao hospital e estavam de olho nele? Sentiu o coração apertar, pois se recordava do sujeito alto, de chapéu enviesado e todo de preto o vigiando.

Mas por qual motivo estavam o vigiando? Nada fazia sentido. Não queria se basear em um sonho dantesco para tirar conclusão alguma. Mesmo que ele parecesse uma memória real.

Ao menos não tinha acordado a parceira com gritos naquela noite.

No horário do almoço, após Júlia sumir de vista, Enok pegou o celular e ligou primeiramente para Rubens, pois tinha se esquecido de contatá-lo no dia anterior. O atendente disse que o investigador só teria disponibilidade de horário dali a um dia, às três horas da tarde. Enok não se importou muito, contanto que tirasse a limpo aquela história, esperar um pouco não seria problema.

Depois, ligou para a irmã.

— Você tá se cuidando, Enok? As dores de cabeça pararam, e o corte na bochecha, os pontos tão secando? Tá tomando os remédios tudo direitinho?

Enok respondeu às perguntas com calma. A irmã parecia mais preocupada que nunca e ralhou com ele por não ter ligado antes. Enok viu inúmeras oportunidades para fazer das suas brincadeiras, contudo, decidiu não as aproveitar. Focava no que queria perguntar a Beatriz.

— Hã, você se lembra... de quando eu tava em coma, Bia?

— Hmm?

— É que... quando eu acordei pela primeira vez, me lembrei que tinha escutado você falar que me amava.

— Sim, me lembro disso.

— É que... eu acabei lembrando de mais coisas.

— O que foi? — Enok percebeu um pouco de ansiedade na voz dela.

— Quer dizer, eu não me lembrei... quer dizer, acho que me lembrei, mas enquanto dormia... faz algum sentido?

— Não muito. Enok, fale logo o que foi. Do que você se lembrou?

— Me diz uma coisa, você acha que enquanto se está em coma a gente consegue ouvir as coisas ao redor — ele deixou um riso nervoso e meio anasalado escapar — digo, dizem que isso acontece, né?

O Inverno Mais Frio | Livro UMTahanan ng mga kuwento. Tumuklas ngayon