Dia longo

99 8 8
                                    

Aliyah desceu do carro e seguiu para dentro da clínica acompanhada por Valter. Nem bem a porta do carro se fechou e eu quase afundei no banco de trás, soltando a respiração. Me sentia como se houvesse um caminhão de concreto em cima de mim. Aliyah necessitava de socorro e aquela sensação de impotência só piorava as coisas.

_ Deseja aguardar o final da consulta, senhor?

_ Sim. E me chame de Gael, Marcos. Você é mais jovem que meu falecido pai.

_ É um hábito.

_ Aliyah me contou sobre o que aconteceu na universidade.

_ Que bom. Ela nunca conseguiu falar sobre isso antes. Somente com o Dr. Carlos e a terapeuta. Você é um cara de sorte.

_ Mas estou me sentindo impotente agora. Imagino como você se sentiu na época.

Marcos desviou os olhos do espelho retrovisor.

_ Se eu pudesse curar as feridas dela, me sentiria melhor.

_ Mas você fez isso ficando ao lado dela.

_ Não foi o suficiente. Não para mim. Aliyah não quis prestar queixa por causa da notoriedade que o caso teria. Ela temia que o escândalo prejudicasse Ahmad ou que ele agisse contra a equipe de segurança. Aliyah temia mais pelas nossas vidas e nossos empregos que por si própria. Eu nunca pensei que presenciaria uma situação como aquela. Quando a vi  desmaiada no chão daquele banheiro, sangrando... pensei que ela estivesse morta. Demorei alguns segundos para conseguir checar seus sinais, estava apavorado e nunca agradeci tanto ao ver que ela respirava. Eu a levei pro hospital nos braços. Eu segurei a mão dela o tempo todo enquanto ela contava aos médicos o que havia ocorrido e estava lá quando ela decidiu não prestar queixa.
Foi o pior dia da minha vida. Eu tentei convencer ela a denunciar, eu implorei na verdade, embora soubesse o que Ahmad seria capaz de fazer comigo já que a filha dele havia sido estuprada por seis homens, enquanto eu esperava do lado de fora sem ter idéia do que estava acontecendo. Era pra eu seguir ela o tempo todo, mas ela não quis. Ela queria uma vida normal, afinal Aliyah era escoltada por seguranças desde criança e na América isso era constrangedor para ela. Eu concordei e implantei o ponto auricular e os comandos que você conhece, mas não foi o suficiente.
Eu estava devastado e quis contar a Ahmad, pois se ele me matasse, faria uma gentileza. Mas ela implorou pra que não fizesse isso. Eu lembro das palavras dela: "Eu sou capaz de suportar o que aconteceu, mas não se perder você."

Marcos estava chorando e eu engoli o nó que se formou em minha garganta. Ele secou o rosto com as mãos, inspirou e continuou.

_ Eu segurei os cabelos dela enquanto ela vomitava o pouco que comia por causa do coquetel, eu a acordava quando tinha pesadelos e segurava a mão dela pra que pegasse no sono de novo. Cuidei dela como se fosse minha filha e se houvesse uma forma, também a curaria. Mas não havia. Só mesmo tempo pra diminuir o sofrimento dela e, assim, o meu.

_ Mas não diminuiu, estou certo?

_ Não enquanto aqueles filhos de uma puta estiverem vivos. Eu ainda vou acabar com cada um deles, nem que seja a última coisa que eu faça.

_ Conte comigo.

Marcos me olhou curioso.

_ Você mataria por ela?

_ Quantas vezes fosse preciso.

_ Estou começando a gostar de você, garoto.

_ E isso é bom?

_ Quer dizer que eu posso considerar salvar sua vida, caso faça alguma merda.

_ Antes não considerava?

Ao Seu DisporWhere stories live. Discover now