XIV. Histórias sobre passado

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Naquele momento parecia que todas as mágoas e tristezas da minha vida tinham se apossado dos meus pensamentos de uma única vez. Não existiam palavras para descrever o quanto eu estava péssima. Tinha pesadelos toda vez que tentava dormir. Eram horríveis de um jeito que eu não poderia descrever nem se quisesse.

Tudo parecia uma tempestade para mim. Em um dos sonhos que preferia esquecer pude ver a imagem das pessoas mais importantes em minha vida se desintegrarem aos poucos enquanto eu tentava desesperadamente os abraçar. E depois que todos sumiram eu fiquei no escuro sozinha, eu estava completamente sozinha.

O ocorrido de alguma forma desencadeou os mais ruins sentimentos que já senti. Tudo parecia sem sentido. Estava perdendo minhas esperanças de fugir do julgamento. Pensava em desistir de tentar fugir dos erros que não eram meus. Eu só queria que tudo voltasse a ser como antes, mas sabia que isso era impossível. Não fazia ideia do que fazer.

Eu mantinha meus olhos no ponto da cabine que deixava possível ver o mundo exterior. Acompanhava cada onda que quebrada com os olhos, e o som do mar que invadia o cômodo por aquele ponto me dizia para deixar tudo para depois. O azul me puxava cada vez mais para fora daquele navio. Eu só conseguia o escutar repetindo para deixar tudo para depois.

Aquela sensação era nostálgica, ela me lembrava das vezes em que eu roubava as cestas de morangos e me escondia na copa das árvores para comer. A brisa da copa me trazia aromas incrivelmente calmantes. Eu me sentia no topo do mundo lá em cima. A melhor parte era escutar Carmen rindo em dúvida se brigava comigo ou se juntava a mim.

Tinha vezes que eu ficava com medo das trovoadas a noite e corria para o quarto de papai para me esconder embaixo dos lençóis vazios dele. Me lembro perfeitamente de como o intenso perfume dele me acalmava. Para mim aquele lugar era o mais seguro do universo, onde nada nem ninguém poderia me machucar. Eu desejava mais que tudo voltar para lá, para aquele tempo onde minha única preocupação era qual a brincadeira que iria inventar, para aquele lugar que me protegeria de qualquer coisa. Eu sentia falta de tudo aquilo.

Minha mente querendo me pregar peças trouxe de volta as lembranças ruins repentinamente. Eu via os momentos que mais me machuram como um filme. Senti meus olhos ardendo e logo gotículas de água caindo sob minha mão. Primeiro eu revivi a morte de meu pai, posso dizer com certeza que nada nunca vai doer como aquela cena me doeu. Não importa quanto tempo passe, rever aquilo sempre dói como se fosse a primeira vez.

Minha vida virou de cabeça para baixo tão rápido que mal tive tempo de assimilar tudo. Em um dia eu era uma simples garota que tinha como a maior preocupação escolher vestidos para um baile qualquer. E no outro eu não tinha mais nada. Me espanta a velocidade em que tudo pode mudar de uma hora para outra.

- Carlos. - Chamei devagar, o vendo vir em minha direção. - Lhe disseram alguma coisa sobre o que meu pai fez?

Ele franze a testa pensativo.

- Não me disseram nada sobre isso. - Endireitou a coluna e então continuou. - Eu só sei que seu pai fazia coisas ilegais, mas não sei dizer o que era. Ele tinha traição a coroa como acusação, acredito que era algo sério.

- Por que estão me levando? São os erros dele, não os meus.

- As ordens eram para prender seu pai e qualquer descendente dele, se não me engano é para evitar possíveis vinganças ou algo como 'o sangue do traídor continuar sendo passado para as próximas gerações.' - O loiro termina, forçando a voz .

- Isso é bem injusto.

- Não posso dizer que esta errada.

Fico boquiaberta por um instante fazendo uma expressão de surpresa que tirou uma feição preocupada de meu companheiro.

- Sir Carlos Henrique está concordando comigo? Mas o que é isso, onde está meu amigo? O que você fez com ele?

Ele ri brincalhão.
- Bobona, não estou concordando, estou apenas dizendo que não posso dizer que está errada. - O homem junta as sobrancelhas. - E desde quando somos amigos?

A pergunta me faz pensar por um tempo, mas logo eu tinha uma reposta pronta.

- É simples, amigos dos meus amigos são meus amigos.

- Ah entendi. - Ele balança a cabeça concordando desconfiado.

- Carlinhos do meu coração. - Digo forçando para parecer mais simpática. - Já que você está de tão bom humor hoje, poderi-

- Não vou te soltar, não adianta tentar.

- Mas eu não vou fazer nada, eu juro.

- Depois do que te vi fazer não posso mais confiar que você é só uma donzela indefesa.

- Mas eu sou indefesa. - Disse sorrindo como se fosse óbvio. - Eu só não preciso que alguém me defenda.

- Você até que não é fraca.

- Isso foi um elogio? - Perguntei não acreditando no que acabara de ouvir. - Não é possível, Carlos me elogiou... Minha nossa.

- Como você é irritante.

Apenas ri baixo da mudança repentina de humor. Em geral nossas conversas são sempre assim, provocações, xingamentos e implicâncias, mas no fundo temos o mesmo carinho mútuo. Nossa relação é quase de irmãos, por fora nos xingamos mas sabemos que não nos sentimos verdadeiramente assim. Discutir com ele era uma das coisas que descobri amar fazer.

Depois do que aconteceu ele está mais aberto comigo, talvez porque estivesse tentando me fazer sentir bem. Isso não era como se eu esquecesse tudo que aconteceu e o quanto me senti mal, mas me fazia sentir melhor. Conversavamos sobre inúmeros assuntos quando não estávamos discutindo, e isso era bom. Conhecia melhor Carlos por conta disso.

Escutar sobre ele me fez pensar o quanto somos precionados a tomar alguma decisão sobre nosso futuro. Leo e Carlos foram obrigados a entrar na guarda real apenas para manter o nome de suas família perfeitas, mesmo sem nenhum deles querer. Se nada disso tivesse acontecido em minha vida tenho certeza que estaria frequentando reuniões onde se escolhem noivos como se fossem bonecas. Talvez tudo isso fosse uma tentativa da geração passada de tentar nos ajudar a 'ser alguém na vida', mas era extremamente injusto. Deveriamos ser livres para fazer o que bem entendessemos de nossas vidas.
Tudo é sempre tão pesado em nossos ombros que acabamos tomando decisões que não queremos para agradar pessoas que em sua maioria se importam apenas com si próprios.

Outra coisa que me fez pensar foi o fato das famílias mais 'perfeitas' serem as mais tristes. O pai do Leonard por exemplo foi na maioria das vezes um péssimo pai. Por mais que ele fosse um homem generoso, os rumores sobre seus traços raivosos de personalidade eram confirmados pelas marcas em que ele deixava no corpo de Leo. Já as pessoas da família de Carlos mal se falavam ou se viam dentro de casa, mas eram as primeiras a esbanjar como eram uma familia feliz nos bailes.

Minhas opiniões diziam que as pessoas deveriam parar de se importar tanto com o que outras pessoas vão pensar ou falar e apenas viver. Viver momentos em família de verdade ao invés de criar uma imagem de família feliz falsa. Fazer as próprias escolhas, sem serem baseadas em opiniões alheias ou jornais sobre perfeição. Agradeço por ter conseguido tudo isso por meu pai e Carmen, mas lamento muito pelo que meus amigos passaram.

Por fim aprendi com as pessoas a minha volta que a única coisa confiável em uma pessoa é o brilho nos olhos, ele nunca mente. O olhar de uma pessoa pode contar histórias sobre seu passado melhor que qualquer livro. Cada pessoa tem seu próprio universo paralelo dentro da imensidão de suas íris. Cada pessoa tem seu próprio ângulo de ver o mundo. E isso faz todos os seres humanos serem únicos de seu próprio jeito.

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Em um mar de estrelasWhere stories live. Discover now