capítulo 6

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A formatura 

              A Cerimônia era conduzida apenas pelo líder de uma facção, que alternava a cada ano. Nesse ano era vez da Amizade, e Johanna Reyes, mãe do Nate, já falava no palco à minha frente.

            "Sejam todos bem-vindos", começou ela, com um microfone em sua mão. Nem todos os integrantes das facções tinham comparecido à Cerimônia da Escolha, mas mesmo assim o salão estava lotado. "Nossos formando têm dezessete anos e acabaram de completar o seu último nível escolar. Eles se encontram no precipício da maturidade, e agora é responsabilidade deles decidir que tipo de pessoas serão. E quais serão seus papéis em nossa sociedade.

            Sua voz era tranquila e a cada palavra que era dita, parecia que eu me acalmava mais e mais.

           "Há décadas, nossos antepassados perceberam que a culpa por um mundo em guerra não poderia ser atribuída à ideologia política, à crença religiosa, à raça ou ao nacionalismo. Eles concluíram, no entanto, que a culpa estava na personalidade humana, na inclinação humana para o mal, seja qual for a sua forma. Dividiram-se em facções que procuravam erradicar essas qualidades que acreditavam ser responsáveis pela desordem no mundo.", ela falou, começando a contar a história que todos naquela sala já tinham ouvido pelo menos um milhão de vezes.

             Em sua frente estavam cinco grandes recipientes de metal, cada um com uma substância que representa uma das facções: pedras cinzas para a Abnegação, água para a Erudição, terra para a Amizade, brasas acesas para Audácia e vidro para Franqueza. Ao falar, Johanna caminhava com cuidado entre eles.

             Quando chamassem meu nome, eu teria que subir no palco sem falar nada. E com uma pequena faca que seria me dada por Johanna, faria um corte em minha mão. Profundo apenas o suficiente para que um pouco de meu sangue caísse em um dos recipientes. No da facção qual eu escolhesse.

              "Os que culpavam a ignorância se tornaram a Erudição. Os que culpavam a duplicidade fundaram a Franqueza e os que culpavam a covardia se juntaram à Audácia", falou ela rapidamente. Eu já tinha certeza que nenhum desses seria uma opção para mim. "Já os que culpavam a agressividade formaram a Amizade, e por último os que culpavam o egoísmo geraram a Abnegação".

                A Amizade nunca me atraiu muito, mas também não parecia algo tão ruim assim. Eles são os mais livres de todas as facções, vivendo longe da cidade em seus campos floridos e calmos. Onde eu poderia ficar lendo o dia inteiro. E o melhor de tudo: eles também são os mais flexíveis. Talvez poderiam até me deixar visitar minha irmã.

              Me assustei com o plano que se formava em minha mente. Quando tinha a Amizade sequer se tornado uma opção?

              "Trabalhando juntas, as cinco facções têm vivido em paz há anos, cada uma contribuindo com um diferente setor da sociedade. Oferecemos uns aos outros muito mais do que pode ser expressado em palavras. Em nossas facções, encontramos sentido, encontramos propósito, encontramos vida. Portanto, celebramos hoje uma ocasião feliz: o dia em que recebemos novos iniciandos, que trabalharão conosco em prol de uma sociedade e um mundo melhores." ela terminou e então houve uma salva de palmas, e foi isso. A Cerimônia de Escolha havia oficialmente começado. Toda a calma que havia se apossado de mim durante o discurso desapareceu em um piscar de olhos.

              Meu mundo ficou branco de repente e meu corpo começou a tremer. O que eu ia fazer? O que eu ia escolher?

               Ouvi nomes sendo chamados e um por um os formandos se levantando ao meu lado e subindo para o palco. Vi uma menina da Franqueza se transferindo para Erudição e uma da Audácia para Abnegação. Família ou uma chance de me encaixar em um lugar?

              Éramos chamados em ordem alfabética, então eu seria uma das últimas. O que era bom, pois me dava tempo de arrumar alguma maneira pra fazer minhas pernas voltassem a funcionar. No momento, elas não estavam muito diferentes de uma gelatina.

            Então ouço meu nome.

            Demora alguns segundos para eu assimilar meu nome e mais alguns para o mundo ficar em foco novamente, e meu corpo parar de tremer. Minhas pernas oscilam de leve quando me levanto, mas as ignoro e começo a andar firmemente o longo caminho em direção ao local qual decidirá como seria o resto de minha vida. Ao chegar em frente aos recipientes, olhei para trás, onde todos agora me encaravam. Encontrei o olhar dos meus pais e então de Nate, ambos me dando forças. Mas o meu mundo de fato parou quando encontrei também o olhar de Alice. Quase não a reconheci. Ela parecia mais velha, mais sábia, mais... feliz. Com um sorriso em seus lábios ela mexeu a boca levemente. "Vá em frente", disse.

           E foi isso que eu fiz. Me virei, encarando ansiosamente entre as pedras cinzas e a terra. O momento que eu havia esperado por anos. Johanna me entregou a faca com um sorriso tranquilo. E não sei como, mas senti meu corpo acalmar um pouco também.

          Arde um pouco quando passo a lâmina em minha mão, mas nem ligo, ou tiro os olhos dos recipientes. Não havia decisão para fazer, só eu que não havia percebido. Minha irmã já sabia e meus pais também, com certeza.

         Era minha vida, e eu seria a única responsável pela direção qual ela iria seguir, qual eu quero que ela siga. Levanto minha mão e a coloco em cima do recipiente, ouvindo quando a gota de sangue finalmente caiu no metal.

         Sou egoísta. Sou livre.

        "Amizade!", anunciaram pelo salão.    

alice  e o coelho brancoWhere stories live. Discover now