capítulo 1

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Um mês para formatura

         30 dias, 12 horas, 8 minutos e 47 segundos. É só isso que separa meu perfeitamente normal e certeiro mundo, de um completamente estranho e misterioso. O qual todos parecem esperar que eu mergulhe de cabeça e emerja com uma medalha de ouro ao redor do pescoço. Mas parece que esqueceram de algo muito importante. Eu nunca fui muito boa em natação ou competições em geral, e mesmo que não estejamos falando de uma piscina e sim do caminho qual minha vida seguiria, por que sinto como se estivesse submergindo cada vez mais e mais?

         Balancei a cabeça afastando o pensamento e voltando a atenção para minha frente, onde duas senhoras esperavam ansiosamente uma resposta para sua pergunta. Meio envergonhada, respondi rapidamente, "Então, eu ainda não sei...".

        " Como assim ainda sabe?! Você já tem 17 anos, e sua formatura será em apenas um mês! O que fará quando chamarem seu nome ao palco?", disse a mais alta e eu fechei minha mão em punho me segurando para não falar para ela parar de cuidar da vida dos outros.

          Sua pele negra brilhava levemente na luz do sol, juntamente com seu longo cabelo. Percebi meio surpresa que ela não deveria ser mais velha do que a minha mãe. Diferentemente da outra mulher ao seu lado, que aparentava mais ter idade para ser minha avó.

       "Bem, minha filha já sabe o que vai escolher há anos! Muito esperta ela, sempre soube o que queria. Mesmo quando criança...", utilizei isso como uma oportunidade de fuga, e dando uma desculpa esfarrapada me afastei rapidamente.

         Andei pelos corredores da casa evitando o máximo possível chamar atenção indesejável de mais senhoras curiosas até achar uma porta que dava para uma pequena sacada. Ao passar por ela respirei fundo o ar gélido, feliz por ter saído daquele inferno de pressão psicológica. Olhei bem ao redor e sorri ao reparar em um pequeno banco no chão ao meu lado, o vento deveria ter o derrubado. Coloquei ele encostado na parede e me sentei com um livro já na mão.

           Dica n°1 do manual de sobrevivência de uma pré-formada: Sempre carregue um livro ou fone de ouvido para onde for, assim vai ser menos provável alguém ir te incomodar para fazer perguntas intrometidas sobre seu futuro. Abri o livro onde havia previamente parado e continuei a ler.

          "Vai ser Erudição então, hein?", ouvi uma voz grave falar logo atrás de mim.

          Bem, eu disse menos provável. Mas sempre vai existir uma enxerida com falta de noção extra. E são exatamente para essas situações que existe a dica n°2: ignore o que falam e finja de surda.

         "Preciso dizer que estou meio surpreso. Sempre achei que fosse considerado crime passar da abnegação para erudição. Sabe, com toda a rixa entre eles e tals...", disse a voz novamente, e dessa vez pude perceber que não se tratava de mais uma velha curiosa e sim um garoto provavelmente da mesma idade que eu.

         "Com licença", respondi sem tirar a atenção do livro, em uma tentativa de lhe mostrar que não queria conversar. "Estou ocupada se não percebeu".

          "Uau, ela ouve! Já estava começando a pensar que você era surda.", falou ele se apoiando na parede contrária a qual eu estava."Principalmente por estar encarando esse livro como se fosse algo de extrema importância..."

          Me virei rapidamente com cuidado para marcar a página que tinha parado. "Primeiramente, mesmo se não fosse de extrema importância. E tenho que mencionar que é. Não passou pela sua cabeça que eu simplesmente eu gostaria de ficar sozinha?", bufei olhando para o garoto,"O que nos leva a segunda coisa, poderia sair por favor? Se ainda não percebeu, não estou afim de conversar".

           Ele usava uma blusa alaranjada com uma jaqueta verde e calça marrom. Amizade. Tinha que ser. Ele não era exatamente um deus grego, que é como minha irmã costumava chamar os garotos bonitos da nossa escola. Seu rosto e olhos de um marrom terroso e pele bronzeada que deve ter adquirido ao trabalhar nos campos de cultivo a qual a Amizade é responsável. Mas quando seu rosto se abriu em sorriso, ao ver que finalmente havia conseguido atrair minha atenção, reparei que ele era sim de fato bonitinho, e que eu reconhecia ele.

           Nate Reyes, 19 anos. Havia se formado há 2 anos, e não foi surpresa pra ninguém quando escolheu ficar na facção de nascença. Afinal, ele é o filho da representante da amizade. Johanna Reyes. Além de ser o menino propaganda da facção.

           "Uau. Para alguém da Abnegação, você não é lá muito altruísta, não é mesmo?" disse Reyes, cruzando os braços e com as pontas da boca levantadas em um fantasma de sorriso. Arg.

          "E para alguém da Amizade você gosta muito de deixar as pessoas em paz, não é mesmo?" repliquei sem conseguir me segurar.

           "Bem, você me pegou" respondeu ele, estalando a língua. Com o sorriso agora cobrindo seu rosto.

            Era de se achar que ele teria um pouco mais bom senso, ou pelo menos solidariedade de sair quando uma pessoa queria ficar só. Mas pelo jeito isso nunca aconteceria. Ele não sairia. Aff. Bem, eu que teria que ir então.

            Dando meu melhor sorriso amarelo, me levantei com o livro já guardado na bolsa, indo em direção a porta de volta a casa. Porém quando ia abri-lá, senti uma mão em meu pulso me impedindo. Me segurei para não virar e dar um soco na cara dele.

            "Me desculpa, sei que deve tá meio estressada. Toda aquela gente curiosa sobre a sua vida tira qualquer um do sério.", ele falou achando graça, "É só que eu tinha te visto aqui sozinha e me lembrei de quando estava na sua situação... achei que poderia gostar de alguém para conversar. Mas vejo que estava errado. Enfim, me desculpe.", e então soltou meu braço me permitindo abrir a porta. E eu não olhei para trás ao passar por ela.

          Trinta minutos depois eu tinha certeza que havia morrido. Era a única explicação. Eu havia morrido e estava no inferno. E estava recebendo minha punição por todas aquelas vezes que desobedeci meus pais ou estraguei as coisas de minha irmã. Não havia outra explicação.

          No momento eu estava ouvindo, pela o que eu achava ser a milésima vez, a história de Eric, um dos líderes da Audácia, sobre como havia ficado em primeiro durante a sua iniciação na facção. Pensei como minha mãe reagiria a uma demonstração tão ampla de ego como aquela.

         A iniciação da Audácia era uma das mais difíceis, juntamente com a da Franqueza. O que era um dos maiores, se não o maior, motivo pelo qual eu nunca a escolheria. Não gostava muito de admitir, mas de verdade, eu sou um tanto quanto medrosa. Porém estava começando a achar que não deveria ser tão difícil assim, se um babaca igual esse ficou em primeiro lugar...

         "Com licença. Eric. Sarah" virei agradecida em direção a voz que havia me salvado de ouvir mais uma das histórias de Eric, outra provavelmente falando de como ele era incrível... e fiquei surpresa ao dar de cara com ninguém menos que Nate Reyes. Será que ele estava me perseguindo? "Seu pai está a procurando" falou para mim, oferecendo o braço. Dei um sorriso amarelo para Eric e me juntei ao meu novo príncipe encantado, andando em direção aos meus pais.

          "Acho que o que você quer dizer agora é obrigada. Obrigada por me salvar da grande sessão de tortura que estava prestes a começar, galante príncipe de contos de fadas" falou Reyes em meu ouvido. Nossa que beleza. Agora ele também lê mentes.

           Me virei rapidamente para onde estava há uns instantes atrás, o ignorando, e fiquei com um pouco menos de raiva ao ver que na cara de Eric agora estampava uma careta de raiva. Murmurei um obrigada vendo meus pais logo a frente. Já estava andando em direção a eles quando um pensamento me veio à cabeça. "Nate Reyes", falei virando a cabeça em sua direção, "Você não é tão ruim assim. Seria bom... alguém para conversar".

          "Sarah Prior, que bom que acha isso", ele respondeu simplesmente enquanto um meio sorriso tomava o seu rosto.

         "E" respondi, com meu rosto agora estampando um sorriso igual ao dele. "Se estivéssemos em um conto de fadas, você não seria o príncipe. E sim, o sapo"

         "Dá o mesmo no final, não é mesmo? Só falta o meu beijo"

alice  e o coelho brancoWhere stories live. Discover now