alice e o coelho branco

capítulo 2

Duas semanas para formatura

           A formatura. Todo jovem ao completar 17 anos e terminar todos os níveis escolares passa por ela. Uma decisão que pode fazer com que a sua vida continue como antes, ou mude completamente. Uma escolha.

           Cinco facções, cada uma dedicada à cultivação de uma determinada virtude. Abnegação, Franqueza, Erudição, Audácia e Amizade. São cinco opções da qual uma delas você deve escolher para se dedicar o resto da vida.

           Eu e minha família somos da Abnegação. A facção que acredita que com ações altruístas pode-se alcançar a paz através da eliminação do egoísmo. Mas que, ao servir apenas os outros, acabam também se esquecendo totalmente de si. Acho que foi exatamente em razão desse detalhe que minha irmã, Alice, na sua formatura um ano atrás, resolveu ir embora.

          Ela se transferiu para Franqueza, a facção que valoriza a honestidade. E falando francamente, eu acho que meio que já esperava isso. Nenhuma de nós éramos conhecidas como um exemplo de seguidores das virtudes da Abnegação. Mas mesmo assim não foi nada fácil ver ela subindo naquele palco em sua formatura sabendo que não a veria mais, e pior ainda foi ter que ver meus pais sofrendo por sua perda semanas e semanas.

            Transferidos não podem visitar sua antiga facção ou família durante sua iniciação, que durava um ano. Facção antes do sangue.

            E de novo, francamente, acho isso a maior bobagem de todas. Qual seria o problema de visitar a família? Nem é como se todo o sistema fosse perfeito. Na verdade, está longe disso...

             Meu pai, mesmo sendo um dos líderes de nossa facção, não pode fazer nada em relação a isso. Ele foi muito criticado após a transferência dela, e burlar as regras não melhoraria sua imagem. Como se a culpa da minha irmã não ter ficado fosse dele.

                Deito na cama com o livro no peito. Meu lindo e perfeito livro de contos de fadas. Pessoas da Abnegação não tem permissão para ter livros desse tipo, nada que não seja extremamente altruísta.

                Mas quando estava no sétimo nível escolar, Alice ganhou um de presente de um menino da Erudição, e desde então passamos todas as noites lendo sobre príncipes e princesas, bruxas e monstros, sobre mundos estranhos e ao mesmo tempo maravilhosos. Até ela, bem, não estar mais aqui para fazer isso.

                 O meu conto favorito sempre foi Alice no País das Maravilhas, e não só em razão do nome que sempre me fazia imaginar minha irmã como uma personagem de um conto de fadas. E sim pelo modo que ela parecia não se encaixar em seu mundo. Bem, isso é algo qual sempre pude me relacionar.

                Desde pequena, nunca consegui ser altruísta o suficiente para a Abnegação ou inteligente o suficiente para Erudição. Nunca fui muito amigável ou corajosa também. Talvez deva ir para Franqueza igual Alice... mas acho que ouvir a verdade o tempo todo não deve ser tão agradável como fazem parecer, e também, como poderia abandonar minha família que havia acabado de superar a perda de minha irmã?

                 Mas novamente, nunca fui muito do tipo altruísta. Não conseguiria passar a vida fingindo algo que não sou apenas para agradar alguém.

                 Guardei meu livro escondido em um pedaço solto de madeira no chão abaixo de minha cama e então deitei novamente com a luz do quarto apagada. Comecei a me lembrar de quando eu e Alice éramos menores e brincávamos que éramos personagens do livro. Ela era a Alice, claro. E eu o coelho branco, mesmo que não gostasse. Ela sempre dizia que era porque ela sempre tinha de correr atrás de mim para evitar que eu arrumasse confusão. O que eu claramente não podia discordar. Fiquei triste ao me lembrar de como estávamos sempre juntas. Alice e seu coelho branco.

               Quando estava quase pegando no sono, jurei que ouvi o tic tac do que parecia um relógio, mesmo que o único que tínhamos em casa ficasse na cozinha, longe demais para ser ouvido. Mesmo assim... comecei a pensar se aquilo não era um sinal dos deuses, algo indicando que meu tempo estava prestes a se acabar. Como se eu já não soubesse disso.