A procissão

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O dia amanhece...

O sol vem rompendo as nuvens em um jogo de luzes e sombras, o clima está agradabilíssimo um frescor e um vento suave vindo do sul torna tudo ameno e aprazível.
Lorena levanta-se e desce as escadas com um semblante inquieto.
O seu pensamento trás lhe a tona os rostos cheios de tormento dos escravos do Barão.

Ela anseia ardentemente que a presença de Sebastião, Ana e Rosauro possam abrir os olhos dos escravos e eles vislumbrem o futuro de paz e segurança que ela planejou para eles.

- Seu café, nega!
- Você é branquinho né, seu muleque!
- Num sô branco, sô preto! E sei disso.
Ocê é preta na cor e na alma!
- Sai daqui sua peste, sai! Vai lá neguinho lambe botas, maldito, infeliz sem cultura, nem lê sabe, ignorante!
- O que é isso Tereza?! Já está com maledissências?!
A bondade de uma pessoa não está em saber a leitura, ou não. Essa bondade está no coração e nos atos, porém não adianta falar para você,
É o mesmo que malharmos pedras!
Não existe forma de quebrar um coração duro feito o seu.
Pode sair do quartinho!
Pode andar por aí, não saia das redondezas da casa grande, pois sempre terá alguém a vigiá-la.
Vamos, saia!

- Sinhá, posso ter um dedo de prosa com a Sinhá?
Não foi nada do que a Sinhá tá pensando. O Pitu...
- Cale-se Tereza!
Tudo já foi dito, falado, explicado e perdoado.
Não adiantou nada!
Seu tempo de falar acabou, o que resta para ti é tão somente meditar sobre o passado.
O futuro não pertence a mim, tão pouco a você.
- Sinhá, eu!
- Saia logo, e vai tomar um bom banho, você estás Deveras fedendo!

Lorena vira-se e a deixa com suas inquietações.

Tereza segura sua bola de ferro e ruma para porta da cozinha para pedir a Ana que arrume um lugar para que ela possa banhar-se.
Todas as mulheres que ali estão fazem de conta que Tereza é invisível, nem uma sequer olham-na e continuam seus afazeres.

- Maria, por favor, ali no quartinho meu tem alguns vestidos, posso pega-los?
- Seus trapos tão lá, podi pega. Ah,  o quarto agora é da Anastácia pede pra ela.
- Podi sim, eu dexo.
Ela entra carregando sua amiga bola, pega sua troxa de roupas e olha para Maria e pede para que possa banhar-se no banheiro dos fundos da casa.
Ana olha com uma cara carrancuda e diz
- Não! Se quiser banhá vai no rio, o banheiro é pra nós iscravas de dentro
E vance não é mais nada aqui.
Tereza sai com sua bola de ferro, sua arrogância e sua trouxa rumo ao rio.

-Pitu você está inticando a Tereza?
- Não Sinhá, eu só trusse o café dela i a janta de onti. Ah, fui eu tumem qui coloquei o coxão cas purga e us percebejos pra ela se coçá
a noite interinha.
Ela mereci sofrê Sinhá!
Diz o muleque com um sorriso de orelha a orelha.
- Pitu! Seu pestinha, troque o colchão e não a amofine mais, Tereza vai ter tempo para meditar em suas errôneas escolhas.
Deixe que o tempo traga lhe a cobrança por suas maldades.
Agora vai!
Seu traquina.
Lorena não se contém e sorri das brincadeiras maldosas de Pitu.

Fazenda Santa Lucia

Lorena chega de manhã trazendo consigo Sebastião, Ana e Rosauro.
Augusto os recebe e os leva a senzala.
As portas se abrem...
A maioria dos escravos homens estão acorrentados a um ferro que passava de um lado para o outro da senzala.
Quando entram, os olhares daqueles homens, mulheres e crianças voltam-se para eles.
Três negros bem vestidos, bem nutridos e sorridentes. Um total contraste com a realidade vivida naquela masmorra chamada senzala...
... Jordão juntamente com Sebastião descarregam cestos repletos de pães e caldeirões cheios de leite com café. Ana e Lorena ajuntam todas as crianças e as colocam na frente, Augusto abre os ferros de vários negros e o alimento e distribuído a todos.
Eles estão esfomeados, nunca haviam recebido tantos alimentos de uma só vez.
Eles se fartam, quando terminam de comer Sebastião toma a palavra e diz:
- Meus irmãos...

Com seu jeito de líder explica tudo o que ocorreu com eles em Ouro Negro, tudo que ela falava era confirmado por Ana e Rosauro.
Dois pretos velhos que com sua simplicidade faz com que, os escravos entendam sua nova realidade, de escravos do cruel Barão Inácio Munhoz a trabalhadores da pacata dama de ferro.
Os ferros e grilhões são deixados ao chão, e acende-se o brilho nós olhos opacos daqueles seres humanos segregados e menosprezados pela sociedade racista.

Levamtam-se e seguem rumo a fazenda Ouro Negro...

Uma procissão liderada por Lorena e seus amigos, um atrás do outro, sem vigias ou carrascos, somente almas seguindo rumo a liberdade.
Na carroça as crianças, Lorena de mãos dadas com Augusto caminha na frente, como um bom pastor liderando suas ovelhas, suas lágrimas descem sem se conter de alegria.

Do alpendre , o Barão e a Baronesa e seus dois filhos observam a saída da procissão na porteira.
Três escravas de dentro da casa saem correndo e gritando:
- Pelo amor de Deus, leva a gente Sinhá!

Com um aceno Lorena as chama a seguirem, e todos vão sumindo na estrada de terra batida, em meio ao silêncio e as lágrimas uns aos outros se ajudam a prosseguir.
- Não faltava mais nada! Agora nem cozinheira nós temos!
- E agora, mamãe?!
- Não se preocupem, a senhorita Lorena irá providenciar duas mulheres para nós servir.

Encostado em um canto do alpendre Onofre faz um sinal para o Barão, eles saem para os arredores da casa, onde conversam sobre seus planos para o futuro próximo.

Em meio as palmeiras, bem distante já dá para ver a procissão que vagarosamente vem se aproximando.
- Eles vêm chegano, vamo apressa esse armoço. É genti dimais, meu Deus!
... Passam-se três dias, Ouro Negro está alvoroçada.
Foram muitas pessoas para acomodar, as mulheres e crianças foram acomodadas na antiga senzala, os homens foram para o barracão do moinho.
Os novos moradores terão alguns dias para descansar e refazerem suas forças.
Sebastião e alguns ajudantes construíram um grande barracão cheio de mesas e bancos, também um imenso fogão para que as refeições fossem feitas.
Várias mulheres se dispuseram a cozinharem para todos.

Tereza está quase sempre em seu quartinho, ela não se mistura com os novos moradores.
No seu íntimo ela se sente boa demais para fazer amizade com uns reles escravos fracos e doentes, além de tudo, ela é a única negra que ali está presa em uma bola de ferro. Todos livres e a culta mulata professora Tereza presa.

Lorena pede a Sara e Rita que vão para a casa de sua futura sogra baronesa, cuidem de tudo por lá, ela espera que em breve tudo se resolva e elas voltem para casa.
O Barão também comprou uma negrinha para lavar e ajudar as duas.

O dia amanhece e ao longe vem um cavaleiro a galope, Lorena olha com estranheza,
Lá vem montada como se fosse a própria dama de ferro uma linda jovem.

- Iara, o que fazes aqui? Seu pai está a saber de sua desventura?
- Bons dias Senhorita! Deveras não o sabe.
Estou aqui, pois quero notícias de minha irmã Sandra.
Papai é culpado dessa minha fuga, ele não diz nada a mim.
- Entre comigo e vamos conversar.

Lorena recebe a menina Iara com todo carinho e lhe conta tudo que sabe sobre Sandra e seu primo Hugo.
- Parece- me que a senhorita terá mais visitas!
- Deveras...

Um coche de aluguel chega, quando Lorena vê quem é a tal visita, desce as escadas correndo e abraça seu tão querido amigo Dionísio.

Maria Boaventura
12/4/21

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