8 - Sob o céu escuro

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"Mas acredito veementemente que as feridas são inerentes às relações, e que todo o tempo que passamos juntas, compartilhando nossas dores, nossas concepções, nossos corpos, momentos de carinho, alegria, respeito e prazer, não podem ser anulados por um breve momento de palavras vazias e ações impensadas."

𝕆 silêncio de Miranda era angustiante. Andrea dirigia preocupada, olhando ocasionalmente para ela, enquanto Miranda falava apenas quando precisava indicar o caminho. Seus olhos estavam inertes e sua expressão indecifrável, Andrea não sabia que aquele era apenas um modo de defesa que Miranda usava quando precisava esconder como se sentia.

"Está tudo bem?" A jovem perguntou, ao parar o carro no estacionamento do cine drive-in. Vários carros chegando e estacionando ao redor delas, um telão logo à frente, no alto, onde seria projetado o filme.

"Por que não estaria?" Respondeu, secamente, sem sequer olhar para o lado. Andrea teve vontade de chorar com a indiferença dela, mesmo ela não sabendo o porquê de se importar tanto com isso.

"Sua feição está diferente, está fria."

"É como eu sou a maior parte do tempo."

"Não comigo." Miranda finalmente a olhou, e Andrea se sentiu golpeada pelos olhos azuis. Ela sempre se sentia assim quando recebia um olhar de Miranda, principalmente um como aquele, com tanta intensidade, como se a outra quisesse dizer alguma coisa que ela não sabia decifrar, apenas sentir.

O olhar de Miranda correu para as mãos de Andrea, apertando o volante de forma tensa. Ela alcançou a mão mais próxima dela e segurou, trazendo para seu colo, Andrea girou a palma, entrelaçando seus dedos nos dedos quentes de Miranda. Então elas se olharam mais uma vez.

"Não estou assim por você." Suspirou, percebendo a outra soltar o ar. "É muito difícil para mim relembrar o que passei com aquele homem. Estou tentando apenas… não desmoronar." Explicou lentamente, com a voz baixa e comedida.

"Você pode colocar para fora se quiser, está segura comigo." Miranda fechou os olhos e deixou a cabeça descansar no banco. A curva cremosa de seu pescoço parecia um convite para os lábios de Andrea, ela queria poder beijar, morder e cheirar aquela pela lisa e radiante. Mas se concentrou em ajudar a mulher ao seu lado, enviando seus desejos para um segundo plano. "Você quer parecer sempre forte, hum? Digo isso com sinceridade, você não precisa ser assim comigo. Sabe, sufocar angústias, traumas, raiva… vai acabar acumulando tudo em seu peito até arrebentar."

"Está no passado, não importa mais."

"Você se sente confortável para contar?" Ela pressionou a mão de Miranda em apoio. "Talvez te faça sentir melhor."

"É uma história tão longa e complexa… Quando eu fui promovida a editora-sênior, eu me lembro de me sentir tão feliz, tão capaz… sabe, ver meus esforços sendo reconhecidos. Eu não imaginei o que passaria com isso, tendo que trabalhar diretamente com o chefe. Cheguei até mesmo a pensar que ele havia me promovido apenas por isso, para me manter perto."

"Aquele homem? O Louis?" Miranda assentiu. O filme começou mas elas sequer olharam para a tela, apenas continuaram a conversa.

"Mas eu trabalhei tanto, dei tanto sangue e suor, não seria justo comigo mesma reduzir um cargo merecido a uma perseguição." Soltou um suspiro trêmulo antes de continuar. "Começou com comentários aparentemente inofensivos, mas eu sou uma mulher experiente, trabalhei com homens desde sempre, então sabia bem que de inocente não tinha nada. Apenas ignorei e continuei a fazer meu trabalho. Ele dizia coisas como "queria dizer o que penso quando olho para você, mas acredito não ser adequado", então eu respondi que nesse caso era melhor ele realmente calar a boca. Um outro dia ele pediu desculpas "caso algum comentário dele fosse incômodo". Eu falei com meu namorado na época, Jean Paul era amigo dele, e ele apenas disse que eu estava imaginando coisas, que estava exagerando."

Stay With Me - Cartas Esquecidas (Mirandy - Intersexual)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora