nove

328 36 19
                                    

NOVE

Vai ficar tudo bem.

Se eu disser isso bastante para mim mesma, deve ser verdade.

Sei que preciso ligar para o Daniel. Abri o telefone várias vezes para fazer isso. Mas a cada vez a humilhação me impediu. Mesmo ele sendo meu amigo; mesmo sendo a pessoa mais próxima de mim na companhia. Eu é que fui demitida. Eu é que estou em desgraça. E ele não.

Por fim me empertigo na cadeira e esfrego as bochechas, tentando recuperar o ânimo. Ora. É o Daniel. Ele vai querer notícias minhas. Vai querer ajudar. Abro o telefone e ligo para a sua linha direta. Um instante depois escuto passos no piso de madeira do corredor.

Ingrid.

Fecho o telefone num gesto imperceptível, enfio no bolso e pego um maço de brócolis.

- Como está indo? - pergunta ela. - Fazendo progresso?

Quando entra na cozinha ela parece meio surpresa ao me ver ainda sentada no mesmo local onde me deixou.

- Tudo bem?

- Só estou... avaliando os ingredientes - improviso. - Sentindo-os.

Nesse momento outra loura aparece à porta, perto de Ingrid. Está usando óculos com strass na cabeça e me olha com interesse ávido.

- Sou Petula - anuncia. - Como vai?

- Petula acaba de comer um dos seus sanduíches -Não explica Ingrid. - Achou maravilhoso.

- E ouvi falar do foie gras com cobertura vidrada de abricó! - Petula ergue as sobrancelhas. - Muito impressionante!

- Regina é capaz de cozinhar qualquer coisa! - alardeia Ingrid, rósea de orgulho. - Estudou com Michel de Ia Roux de Ia Blanc! O próprio mestre!

- Então como, exatamente, você vai fazer a cobertura do foie gras, Samantha? - pergunta Petula com interesse.

A cozinha fica silenciosa. As duas estão esperadas, boquiabertas.

- Bem. - Pigarreio várias vezes. - Acho que vou usar o... método usual. A palavra "vidrada" obviamente vem da natureza transparente da... é... do acabamento ... complementa o... gras. Foie - emendo. - Du gras. A ... mistura dos sabores.

Não estou fazendo absolutamente nenhum sentido, mas nem Ingrid nem Petula parecem ter notado. Na verdade ambas parecem totalmente impressionadas.

- Onde, afinal, você a encontrou? - pergunta Petula a Ingrid, com o que ela imagina claramente que seja um tom discreto. - Minha empregada é imprestável. Não sabe cozinhar e não entende uma palavra do que eu digo.

- Ela apareceu vinda do nada! - murmura Ingrid de volta, ainda ruborizada de prazer. - Cordon bleu! Inglesa! Não pudemos acreditar!

As duas me olham como se eu fosse algum animal raro com chifres brotando da cabeça.

Não suporto mais isso.

- Posso fazer um pouco de chá e levar para as senhoras na estufa? -Não pergunto desesperada.

- Não, vamos sair para fazer as unhas - diz Ingrid. - Vejo você mais tarde, Regina.

Há uma pausa cheia de expectativa. De repente percebo que Ingrid está esperando minha reverência.

Começo a pinicar inteira, de embaraço. Por que fiz uma reverência. Por que fiz uma reverência?

- Muito bem, Sra. Mitchell. - Baixo a cabeça e faço uma mesura sem jeito. Quando espio para cima, os olhos de Petula estão arregalados.

Regina Mills, executiva do lar - SwanQuennOnde histórias criam vida. Descubra agora