2. Save Me

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Eu não estava atrasada. Na verdade, algo em meu subconsciente despertou meus músculos e me fez levantar da cama antes mesmo do grunhido robótico do alarme. Minhas pernas me guiaram para o banheiro como uma dança preguiçosa, e ao olhar a mim mesma no espelho, notei os cabelos desgrenhados e as bolsas espessas que se formaram abaixo dos meus olhos. Ainda assim, sorri. Feliz com a constante mudança da minha aparência.

Iniciei minha higiene bucal cantarolando canções armazenadas no meu cérebro, talvez misturando as letras e a musicalidade. E ao terminar, decidi me banhar na banheira e aproveitar o tempo que tinha antes que todo o peso da rotina recaísse sobre meu ombros.

Observei a água preencher a superfície de porcelana, e meus pensamentos voaram para um destino incógnito: o garoto que vi no dia anterior. Sua imagem não tão clara me fez questionar se alguém fizera companhia para ele logo após nos conhecermos; os dedinhos gordinhos oscilavam no ar solitário quando o vi acenar para mim pela última vez.

Minha visão recaiu sobre a água que agora quase transbordava pelas bordas, e a ¹efígie da criança se desfaz. Então me inclino para desligar a torneira com um som de engrenagem ecoando. Ergui-me e deixei que as poucas vestes caíssem aos meus pés, então permiti que apenas a ponta de meu polegar inferior encostasse no líquido; a temperatura era morna e agradável. Adentrei-a, e encostei a cabeça na extremidade, relaxando o corpo submerso.

Os olhos fechados aproveitavam a sensação de calmaria ²exorbitante; a coluna relaxou cada osso. Permito que as ilustrações de memórias bombardeassem minha mente: momentos de minha infância e adolescência passando rapidamente.

Mas algo me fez unir as sobrancelhas na testa; uma sensação agonizante de uma presença. Ou outras presenças. O coração palpitou em resposta, observei a água, o teto; a procura de algo que justificasse minha pele aquecendo a medida que olhos invisíveis e ilusórios me observavam.

Minha visão se concentrou na água parada ao redor de mim, esperava ver; ouvir e compreender. E na terceira piscada de pálpebras, elevei minhas mãos a superfície, e não acreditei. O peito ofegou e tudo pareceu parar quando revelei os dedos repletos de sangue.

Tudo era gosmento e líquido simultaneamente, e eu tentei me erguer e fugir, acordar a mim mesma de um sonho tão verídico. Mas algo me segurava ali, me paralisando. Os ossos não conseguiam se mover diante das mãos submersas que os seguravam firme. Gritar não era uma opção, aquilo me calava e me mantia na banheira sangrenta. Apenas minhas esferas oculares iam de um canto a outro, envoltos em um terror ³diáfano.

Barulhos internos eram emitidos por mim, minha cavidade bucal se enchia de sons vindos de minha garganta, mas nada era pronunciado. Todo aquele sangue... Era tão irreal quanto verdadeiro. Nem mesmo meus dedos dobravam sob o líquido ⁴purpúreo, que de repente se agitou. Bolhas se formavam e estouravam na superfície, minha pupila oscilou na ⁵córnea. A temperatura aumentando... Lágrimas se misturaram ao suor do desespero eminente.

Desespero. Era isso o que sentia. Apesar de todos os sinônimos e significados desta palavra, para mim significava uma única coisa. Um único momento.

No centro de todo aquele sangue, vi algo surgir. Meus olhos arregalaram diante da figura: um rosto. Metade deste estava ⁶lívido, enquanto a outra era a própria deformação, como uma superfície vulcânica com a pele queimada e coágulos sanguíneos secos. Tentei me mover e chutar o rosto, gritar por socorro, mas meu corpo não obedeceu aos meus comandos. Não é real. Não é real. Não...

Aquilo estava mais perto, e pude ver com clareza a suavidade da pele no lado direito contradizer toda brutalidade do lado oposto. Não é real. Não é real. Fechei minhas pálpebras e permaneci a repetir mentalmente; uma respiração quente deu leve tapas em meu rosto. Acorde, Hailey...

Save MeWhere stories live. Discover now