Capítulo 21 - Verônica

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Alguém, por favor, me envie alguém
Senhor, tem alguém?
Eu preciso de alguém, oh
Alguém, por favor, me envie alguém
Senhor, tem alguém?
Eu preciso de alguém

                            — Demi Lovato (Anyone)

                                     —x—

Verônica

   Chego de mais um dia de trabalho cansativo. Porém, não era só do trabalho que eu sentia cansaço. Era algo estranho, parecia que eu vivia entediada, cansada e sem vontade de dar um mínimo sorriso, o que já era difícil quando eu estava feliz. Claro, nenhum trabalho era simples, só que o meu era estressante. Trabalhar de secretária era um porre. Mesmo o salário não sendo um dos piores. Porém nunca iria ser bom, pois eu não queria estar lá.

Me jogo no sofá, meu corpo estava um caco. Ligo a televisão, e tinha um dos programas de fofocas falando pela milésima vez do surto da Natalie, que bateu na Becky e no Luke. Mesmo eu não sendo uma das melhores fãs de Natalie, me dava nojo a Becky se aproveitar disso, se vitimizando nas redes sociais.

— Oi queridaaaaaaa. — Minha mãe diz animada e eu percebo que não vou conseguir ver minha série.

— Oi mamãe. — Eu me levanto e ela se senta do meu lado.

— Como foi o trabalho? — Ela pergunta, enquanto eu desligava a televisão. Ela nunca foi comunicativa comigo e quando queria ser, era numa péssima hora.

— Monótono e cansativo.

— Amo quando você usa essas palavras! — Ela bate no meu braço.

— Pra alguma coisa a faculdade teve que servir. — Eu digo com uma voz cansada. Eu me sentia incompleta e incomodada todo esse tempo. E eu não o motivo disso.

— Acho que você deveria aceitar o convite de Natalie para trabalhar com ela. Ela já te chamou tantas vezes. — Era incrível que até nisso ela conseguia citar a Natalie.

— Eu não preciso aceitar as sobras de ninguém. Alguém tem que me chamar para o ramo que eu me matei de estudar pelo meu esforço e pelas minhas condições!

— CHEGA! — Ela grita, me deixando assustada. — Já estou cansada de você todos esses anos reclamando sobre isso, falando as mesmas coisas! — Era a primeira vez que ela alterava a voz comigo.

— Você nunca gosta de me escutar! Se fosse Natalie seria outro assunto! — Eu digo rebatendo.

— Quantos anos você tem? Eu não te criei assim. Entendo que às vezes eu deixava de conversar com você, porém você sempre foi uma menina fechada, com um gênio forte, sempre mostrando que não precisava da ajuda de ninguém. Só que desde quando a Natalie chegou, você piorou nesse quesito. — Ela diminui um pouco o tom de voz.

— Claro, você ter uma mãe que não te dá atenção direito e chega uma prima distante, e você tratar ela como uma princesa!

— CALA A BOCA! Você realmente não sabe o motivo de eu ter dado atenção para a Natalie não é? Você acha que tudo gira ao seu redor! Primeiramente, foi por ela ter perdido a mãe recentemente, alguém que está em luto não pode ficar sem se comunicar, pois senão, o cérebro leva a fazer coisas que não se devia fazer. — Ela respira e volta a falar. — E segundo, eu e a Mercedes brigamos feio, e não tivemos como nos reconciliar, pois ela morreu. Mais um motivo para eu tratar a filha dela da melhor forma possível. Ela não era minha preferida. Eu apenas me sentia no dever. Você sabe o que é a palavra compaixão? Ou você puxou esse defeito do seu pai?! — Ela diz furiosamente, e o aperto no peito que eu tenho carregado comigo, pareceu aumentar. Cada vez mais eu estava me decepcionando comigo.

— E eu? Mesmo eu sendo uma garota difícil de lidar, eu queria que a minha mãe fosse a minha melhor amiga… — Eu não queria chorar, porém as lágrimas já estavam caindo no meu rosto. Eu podia entender o que era essa dor no peito.

Era solidão.

— Eu sei que errei muito com você, porém faz anos que eu tenho conversado com você, e você foge de mim. Eu tenho ser a sua melhor amiga, porém você não quer mais a minha amizade. Eu não entendo mais você ser tão ranzinza. E pior, principalmente com a Natalie, que nunca te fez nada!

— Nunca fez nada? Quando você conseguiu os contatos dos investidores, eles preferiram ela do que eu! E você não fez nada em relação a isso! Não era pra ter incluído ela! — Eu digo irritada e sua cara era de choque.

— E qual seria o motivo de deixar a Natalie de fora, sendo que as duas tinham o mesmo sonho? Só por você ser a minha filha e ter uma implicância desnecessária com ela? Como eu disse antes, já era pra você ter aceitado muitos anos antes a proposta de Natalie! Ela não está te chamando pra trabalhar pra ela e sim com ela! A luta pelo espaço preto nessa sociedade é importante demais, para você querer fazer isso sozinha. Fica o recado! Esse foi um dos meus motivos para o seu relacionamento decair, ele me contou as coisas horríveis que você falou a Natalie. Mude Verônica, ou eu serei a única que ficarei ao seu lado. — Minha mãe sai da sala irritada.

E eu fico parada igual uma estátua, absorvendo tudo. E vendo como era uma garota solitária, que conseguiu piorar a cabeça de alguém, estragar meu relacionamento, e não ter o meu emprego dos sonhos por conta do meu orgulho. E algo acontece enquanto absorvo tudo. Escorre algo do meu rosto.

Eram lágrimas.

Fazia tanto tempo que eu não chorava. E eu fiquei feliz por isso, significava que ainda havia alguma humanidade em uma parte de mim. Só que em outras, eu percebo como eu atrasei a minha vida, em base de ilusões ou ciúmes bobos. Eu poderia ter uma amiga como a Natalie, um namorado incrível como o Nicholas e estar trabalhando com Natalie há anos.

Porém, eu fiz a escolha errada. Eu consegui afastar tudo de mim. Minha mãe ficou ao meu lado todo esse tempo por conta de ser a minha mãe. Pois se não fosse, já estaria longe. A sensação é péssima quando descobrimos de repente que fazemos mal às pessoas.

Eu caminho em direção ao meu quarto, e me olho no espelho. Era engraçado se ver no espelho e não se reconhecer. Eu sentia saudades dos brilhos dos meus olhos. O que eu sentia quando estava com Nicholas. Eu sou uma pessoa muito complicada. Ao mesmo tempo que eu não gostava da Natalie, eu sempre ficava perto dela. Ela foi a segunda pessoa a saber que eu estava namorando. Eu fiz questão de contar, mentindo que era pra jogar na cara dela. Na verdade, ela era a única amiga que eu tinha.

Eu não sabia o que fazer mais.

Não! Na verdade eu sabia sim.

Vou em direção a minha escrivaninha e pego a minha carteira, e a minhas chaves. Estava na hora de mudar Verônica.

— Aonde você vai? — Minha mãe aparece na porta. Era incrível a forma que mesmo ela com raiva de mim, nunca queria ficar longe.

— Irei mudar. — Eu dou um abraço longo nela. Ela era meu porto seguro. — Quando eu voltar do Harlem, quero que a senhora me dê mais uma chance. Você vai contar tudo sobre moda, vestidos, decorações de móveis, tudo que a senhora ama falar. — Eu digo rindo, a fazendo rir também.

— E de Beyoncé! — Ela acrescenta e eu cruzo os braços.

— Isso eu nem preciso dizer. — Eu a abraço novamente e sigo em frente. Iria de ônibus para o Harlem. Sorte que meu celular que já se encontrava no meu bolso, estava carregado.

— Querida. — Eu me viro em direção a minha mãe. — Boa sorte. Eu te amo. — Eu tenho vontade de chorar novamente ao ouvir aquilo.

— Eu também te amo mãe. — Eu digo um pouco emotiva e sigo em frente.

Harlem, aqui vou eu.

                                      —x—


Raízes (Finalizado) (2020)Where stories live. Discover now