Capítulo 2

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— Você! Limpe essa bagunça! — ordenou a bruxa para Zariah algumas horas mais tarde, enquanto ela puxava a menina para fora do quartinho antes que Rowan sequer pudesse se levantar.

Eles não sabiam quanto tempo havia se passado, a luz que entrava pelas janelas indicava que já estava amanhecendo. Depois que Michail estava há muito morto e a bruxa começou a comê-lo, as crianças se meteram bem no fundo do quartinho e taparam os ouvidos com toda a força que possuíam para não ouvirem o melhor amigo ser mastigado e engolido pela bruxa; sua carne sendo dilacerada pelos poucos dentes dela.

Aquilo era demais para aguentar.

— Pegue a vassoura e o rodo — ordenou, forçando os braços da menina para frente e prendendo-os a correntes soldadas em um gancho no chão para impedir a menina de fugir. — e nem pense em escapar ou não me obedecer. Se você fizer tudo certo, não comerei seu irmão tão cedo.

Tremendo, Zariah obedeceu. Ela começou a varrer as cinzas no chão e usou o rodo para tirar um líquido amarelo e gosmento que tinha um cheiro azedo de urina.

A urina de Michail.

Por favor... por favor, alguém me acorde desse pesadelo, implorou ela, enquanto afastava a sujeira para o mais longe que as correntes permitiam. Qualquer um...

— Está bom — disse a bruxa, por fim. Ela lhe estendeu um punhado de doces. — Entregue para seu irmão.

Ela obedeceu, trêmula. O leve roçar de dedos foi o máximo de conforto que ela conseguiu.

Procure brechas — sussurrou Rowan antes que ela se afastasse novamente.

— É bom comer tudo de boa vontade, menino — disse a bruxa. — Ou eu mesma enfio goela abaixo.

Zariah ouviu os doces sendo mastigados conforme ela completava as tarefas domésticas que a bruxa lhe passava. Pareciam não ter fim e, quando o sol já estava começando a baixar, a garota estava tão exausta que seus braços estavam se mexendo praticamente sozinhos.

— Pegue um puxa-puxa e se enfie em algum canto em que eu não possa vê-la — disse a velha quando percebeu que não havia mais nenhuma tarefa para dar para a menina.

Apesar de ter trabalhado a manhã inteira, Zariah não sentia fome alguma, mas esticou o braço para pegar um doce mesmo assim. Afinal, ela poderia não ter outra oportunidade tão cedo, ao contrário de Rowan, que recebia um punhado de doces a cada hora.

Ela deve estar tentando engordá-lo para comê-lo! Pensou Zariah, o estômago revirado de repulsa. O que posso fazer para impedir?

A resposta não surgiu em sua mente de imediato. Então, arrastando as correntes, ela se encolheu em um cantinho perto da pia e se deitou no chão duro. Alguma coisa pontuda cutucou suas costas e, com horror, percebeu que era um osso. Ela não sabia dizer se era humano ou de algum rato, mas decidiu não investigar demais, com medo da resposta.

Guardou o osso no bolso do vestido, uma ideia começando a se formar em sua mente.

— Garoto — chamou. — Mostre seu dedo.

Zariah ouviu Rowan obedecê-la sem questionar, com medo de que a bruxa pudesse fazer algo à irmã caso fosse teimoso.

— Magro... magro demais — murmurou a bruxa, soltando o dedo.

Ela se virou para Zariah.

— Dê-lhe mais doces.

A garota se levantou com um gemido de cansaço, mas foi colher alguns puxa-puxas enquanto que, discretamente, os unia com o ossinho.

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