Capítulo 3

3.3K 423 201
                                    

"Tá acordado?"

A notificação apitou às 02h26min. Minha visão aos poucos se adaptando a escuridão do meu quarto. Quase cochilei.

Mais uma notificação chegou, me obrigando a esticar o braço e alcançar o celular. Meus olhos tentaram se ajustar à claridade do aparelho para que eu conseguisse ler as mensagens. Era Hinata.

"Se não estiver tudo bem"

Eu digitei e enviei.

"O que aconteceu?"

"Não consigo dormir"

"É só fechar os olhos."

"Nossa nunca pensei nisso, Kageyama"

"E você por acaso pensa?"

"Para de ser amargurado, me dá arrepios"

Faz pelo menos dois meses desde a minha descoberta sobre a doença de Hinata. Ele já sentia que as forças de seu corpo não estavam mais presentes. Às vezes era difícil até respirar, mas isso não era por culpa da doença em si, era por conta das crises de ansiedade e pânico que ele tinha.

Eu nunca presenciei uma dessas crises e nem ouvi sobre elas vindo da boca de Hinata, mas soube disso por conta da mãe dele. Acabamos ficando próximos depois que eu fiz o favor de perseguir Hinata depois das aulas. Então, em um desses encontros onde Hinata praticamente queria desaparecer no banco do carona, a mãe dele passou seu número para mim. Alegando para o filho que seria bom ter o número de um "amigo" caso algo acontecesse.

Muitas vezes quando Hinata demora um tempo para responder, eu mando mensagem para a mãe dele.

A Senhora Hinata não liga do meu contato frequente, ela disse certa vez que é importantíssimo que ele tenha amigos e que esses amigos se preocupem. Até porque, ele se finge de forte para ela às vezes, e ela já o pegou tendo as crises sozinho.

O ideal por agora é ficar de olho nele e atento a qualquer novo sintoma da doença.

"Eu tô com medo, Kageyama"

Eu mordo o lábio inferior, sentindo meu estômago revirar.

"Não precisa ter medo. Você está sendo bem cuidado aí, é o melhor por agora."

"É tão solitário aqui."

A doença agiu com velocidade, como o esperado. Hinata estava internado no hospital faz um mês e alguns dias. A mãe não tinha como conciliar ficar em casa e cuidar do filho e trabalhar. Precisava do dinheiro para o tratamento, além disso, tinha Natsu.

Se Hinata ficasse em casa e algo acontecesse, a pequena possivelmente se assustaria e entraria em pânico ao invés de ligar para alguém.

"Quero vomitar"

"Chame uma enfermeira."

"Já chamei"

As mensagens pararam de serem visualizadas. Fecho os olhos e respirou fundo. Queria muito poder ficar no hospital junto do ruivo todas as noites, mas é proibido e no máximo só para a mãe. Mesmo que eu tivesse a autorização da senhora Hinata, eu só conseguiria vê-lo nos horários de visita.

Ainda tinha o colégio.

Nos primeiros dias após a descoberta da doença e antes de Hinata ser internado, o ruivo ia à escola todo dia. Ia normalmente como se não estivesse morrendo. Fingindo ser alguém que não é. Vez ou outra ia ao banheiro e demorava minutos fora da sala. Eu sabia o motivo, Hinata estava vomitando.

Ele vivia enjoado e vomitando. Sempre o olhava com preocupação quando retornava à sala de aula, mas Hinata desviava desses olhares. Ele me odiava por ter descoberto e tirado sua máscara de felicidade. Odiava por ter descoberto a verdade por trás daquele sorriso iluminado do dia a dia.

"Estou bem agora"

Meu cochilo durou pouco, acordei com o som da notificação.

"Sente mais alguma coisa?"

"Dor no peito e nas costas"

"Tomou remédio?"

"Sim. A enfermeira me medicou certinho e pediu para que eu tentasse descansar um pouco"

"É o ideal, Hinata."

"Se fosse fácil, pode ter certeza de que eu estaria dormindo agora"

Eu não soube responder àquela mensagem. Minutos se passaram e Hinata não mandou mais nada. Acabei pegando no sono e o celular caiu em meu peito. Não senti a dor, contudo. Estava exausto demais para me importar com uma dor tão fútil como essa.

(...)

No dia seguinte, após mais um dia de aulas entediantes, eu saio da escola decidido a faltar no treino de vôlei. Quando vejo estou na frente do hospital.

Dou meu nome para a recepcionista e disse que era visita. A mulher já me conhecia e não pediu os documentos, apenas alertou que o ruivo havia mudado de quarto na madrugada. Perguntei o motivo sentindo meu coração falhar uma batida e a enfermeira comentou com seriedade que ele tinha tido uma crise complicada na madrugada.

Me apressei pelo corredor, virando em outro e entrando no novo quarto identificado pelo número. Hinata estava deitado, jogando algo no celular. Distraído demais para notar minha presença no batente da porta.

Meus ombros caem, e não me sinto mais tão tenso vendo-o bem.

— Oi — cumprimento, entrando e fechando a porta para termos privacidade. Hinata me dirigiu o olhar.

— Kageyama!

Ele estava animado, sorrindo alegre e começou a mostrar a tela de seu celular. Não entendi absolutamente nada daquele jogo, mas fiquei balançando a cabeça em concordância quando o ruivo explicava a história e objetivos do personagem. Estava muito aliviado dele estar bem.

— Esse jogo é demais! Kenma que me apresentou ele, disse que seria uma ótima distração e está sendo mesmo! É viciante.

— Cuidado para não ficar mais burro do que já é.

— Mais burro? Só jogando um joguinho onde tenho que matar zumbis e sobreviver? — Não ousei concordar, minha opinião já estava formada. Hinata percebeu isso e tentou sair por cima, como sempre. — É um ótimo jogo caso um apocalipse zumbi aconteça, fica a dica, idiota.

— E por que aconteceria um apocalipse zumbi em pleno século vinte e um? — perguntei, curioso para ver o ponto de vista do menor.

Eu sabia que Hinata gostava muito de assistir diversos filmes. E agora que estava acamado, para não morrer de tédio ele começou a assistir tudo que é tipo de filme, até os que já tinha assistido. Ele estava na fase dos zumbis.

Enquanto pensava, a língua saiu minimamente para fora. E eu precisava dizer que amava aquela mania de Hinata. O ruivo estala os dedos e aponta para o meu rosto com um sorriso satisfeito nos lábios por ter pensado em uma resposta digna.

— Não seria igual aqueles apocalipses zumbis tradicionais que vemos nos filmes antigos. Eles querendo comer cérebros e tal! Isso é cientificamente impossível! — revelou, eu estava querendo muito perguntar se Hinata sabia o que significava "cientificamente". — Um fungo pode dominar a cabeça das pessoas!

— Oh, então é melhor eu me afastar de você, porque esse fungo já dominou sua mente oca.

Hinata me encarou incrédulo.

— Você só pode estar tirando uma com a minha cara.

— Jamais faria isso — respondi, me aproximando.

Coloquei a cadeira ao lado da maca e esperei pacientemente Hinata ligar a televisão e achar um filme para assistirmos.

Estar na companhia dele era bom. Pacífico.

Era só uma doença - KageHinaWhere stories live. Discover now