Capítulo XVIII

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Tomei um banho prolongado. Quando saí do banheiro, percebi que estava chovendo novamente e coloquei uma roupa das que Ashley havia trago para mim; um vestido cinza, um palmo a cima do joelho, de tecido cashmere. Lembro-me que foi um presente da minha mãe, mas ela comprou um tamanho a mais do que eu tinha naquela época porque achava que não me veria mais crescida e, bem, ela tinha razão. Desci as escadas e quando cheguei à sala, me deparei com Dener entrando na casa e passando a mão em seus cabelos levemente molhados pela chuva torrencial, mas não tanto quanto a da noite passada.

-A terceira aula já começou há uns vinte minutos, o que faz aqui professor? - perguntei me aproximando e mostrando-me curiosa.

Ele se dirigiu a cozinha e colocou uma sacola em cima da mesa. Eu o segui e ele tirou o sobretudo, colocando-o sobre os ombros da cadeira. Virou-se para mim e pigarreou como se a resposta a minha pergunta fosse difícil de sair.

-Eu quis sair mais cedo... - ele franziu o cenho e a boca ao me encarar.

-Por quê? - perguntei ainda sem entender.

-Estava preocupado. - admitiu a final.

-Mas o Senhor sabia que Ashley viria aqui, por que a preocupação?

-Eu também sabia que ela não ficaria por muito tempo. - ele tirou alguns remédios da sacola e os colocou na mesa. - comprei pra você. Não sabia qual costuma tomar, então trouxe vários, praticamente, todos que haviam para enxaqueca.

-Mas e as outras aulas? - perguntei ignorando os remédios de que tanto precisava.

-Falei com o diretor.

-E o que você falou para Sr. Morris te deixar ir? Você mentiu!? - espero que não.

-Não. - ele saiu andando em direção a sala, mas apenas para fugir da resposta.

Eu o segui novamente e ele parou.

-Então, o que disse? - perguntei mais uma vez. Ele virou-se para mim, contraiu os lábios e colocou as mãos na cintura.

-Eu disse que minha namorada estava doente e eu precisava cuidar dela... ele ficou impressionado por eu ter uma namorada já que bem, eu sou eu. - ele afirmou balançando a cabeça.

Bem, não é tão impressionante assim, justamente porque o professor é o professor, pensei. Talvez o diretor tenha ficado impressionado por ele pedir uma folga por esse motivo, mas Dener às vezes era um tanto modesto, só às vezes.

Vendo o Sr. McWillians dessa maneira, sinto como se ele não fosse mais o adulto da situação e sim, só mais um adolescente apaixonado. Isso aquecia meu coração de certa forma, essa era sua versão mais fofa, apesar de não ser a mais graciosa. Ainda assim, eu estava apavorada com sua leve inclinação para me encantar e surpreender. Talvez, não tão leve assim.

-Namorada? - repeti baixinho, com uma pontada de vergonha se proliferando pelo meu rosto.

Ele me encarou e suspirou se aproximando de mim. Meu coração acelerou com seu corpo mais próximo. Dener segurou em meus ombros suavemente com as duas mãos, depois afagou meu cabelo com a mão direita e soltou um pequeno riso seguido de um sorriso.

-Como está a enxaqueca? - ele perguntou com a voz mais mansa.

-Ah... mais suave, eu acho. - falei. Completamente suave agora. Incrível.

-Viu? - ele abaixou a cabeça na minha direção e aproximou seu rosto do meu ainda me fitando. - cuidando da minha namorada... - ele repetiu e beijou a ponta do meu nariz me deixando com um rubor inimaginável, depois beijou minha testa com brandura, passando a mão pelo meu pescoço. - eu não sabia disso antes - ele me apertou contra seu corpo em um abraço, colocando o queixo sobre minha cabeça com carinho - agora que sei, quero ajudar, quero cuidar de você. Eu sei que você é o tipo de pessoa que pode se virar sozinha, mas por favor, me deixe ajudar.

-Não, eu... - minha voz saiu meio abafada e duvidosa.

Eu estava confusa. Não esperava essa reação dele, eu realmente não esperava um: "namorada". Eu não esperava nada, na verdade.

-O quê? - ele perguntou percebendo minha dúvida e afastou meus ombros delicadamente a fim de me encarar. - você achou que ontem foi algo de momento para mim? - ele estreitou os olhos para mim.

-Não, só achei que você não ia querer ir tão longe por minha causa... - sim, eu estava me contradizendo.

-Nós já cruzamos essa linha. - repetiu. - não é algo de momento. Eu sei que sou um professor de literatura e tenho alguns livros bobos escritos sobre isso, mas nunca fui bom em dizer certas coisas porque nunca senti, mas vou me esforçar agora. - Dener colocou uma mão em minha bochecha e sorriu timidamente. Pela primeira vez, tímido. - você não é uma garota comum, desde cedo teve que aprender o que é viver sozinha mesmo rodeada de pessoas, apesar de ter o corpo jovem, sua mente é de um idoso. - ele riu e eu também. - eu confio nos seus sentimentos, sei que não é uma aventura de adolescente pra você e quero que confie nos meus também. - ele suspirou e me deu outro abraço demorado. - dentro do colégio sou seu professor de literatura, mas fora dele vou ser o que você quiser

Fiquei em silêncio por alguns minutos dentro de seus braços, sentindo aquele calor que tanto amo. Depois o chamei:

-Professor?

-Sim, Emilly?

-Eu confio nos seus sentimentos também. - o apertei ainda mais. Eu estava segura. Segura em todos os sentidos.

Ele demorou mais alguns segundos depois me soltou acariciando minha bochecha e encarando meus lábios. No primeiro momento, tinha certeza de que ele me beijaria, mas franziu o cenho, mordeu o lábio e não o fez, eu estranhei aquela atitude, mas não a questionei naquela hora.

-Vamos almoçar? - ele perguntou se afastando em direção a cozinha.

-Sim. - respondi confusa.

Achei que estávamos indo bem. Pelo menos agora eu sei o que ele sente, mas o que foi essa atitude final? Ele não queria mais me beijar? Será que foi tão ruim assim? Não posso ficar imaginando coisas, preciso perguntar.

Me aproximei do balcão, tomei um dos remédios que ele havia comprado. Dener lavou as mãos e começou a cortar alguns legumes.

-Precisa de ajuda? - perguntei me aproximando da pia e lavando as mãos também.

-Você já está melhor? - ele perguntou.

-Sim, o que é estranho, talvez seja o ambiente e a companhia que me deixam mais aliviada. - respondi. - em casa, apesar de passar a maio parte do tempo sozinha, eu não me sentia protegida ou querida, talvez isso não ajudasse com a dor. - pigarreei e encarei o seu corpo de lado para mim. - você me quer, professor?

Ele cortou com brutalidade uma batata e engoliu em seco, batendo no seu peito com a mão e pigarreando ao mesmo tempo. Ele parou de cortar, molhou os lábios com a língua e me encarou com a testa franzida.

-O quê? - quase não conseguiu pronunciar essa indagação.

Andei até ele e por um momento vi nervosismo em seus olhos. Apenas me desviei de seu corpo pegando a faca e continuando a cortar de onde ele havia parado.

-É uma sopa? - perguntei ignorando o acontecido. Fiquei constrangida com a pergunta idiota que acabei fazendo e um pouco arrependida.

Não sei exatamente o motivo ter feito essa pergunta, é só que ele meio que evitou me beijar naquele momento, isso pode ter mil motivos, mas...

-Ah sim, é. - ele disse.

-Sabe que não estou gripada, não é? - perguntei com um tom divertido.

-Sei, mas achei que isso poderia ajudar. - ele pigarreou novamente e ajeitou os óculos. - eu vou pôr a mesa - Dener disse se retirando.

Isso foi muito estranho, alguma coisa estava errada mesmo. Depois de almoçarmos, pedi que ele lesse um pouco para mim alguns poemas. Dener lia muito bem, principalmente poemas, me senti mais apaixonada ainda a cada verso que seus lábios deferiam com calma e graciosidade. Mas me incomodava o fato dele não ter tocado mais em mim desde o nosso abraço e me incomodava a forma na qual me tratara depois. O que será que se passa na cabeça dele nesse momento? Não saber o que ele pensava me deixava inquieta e com extrema vontade de descobrir.

O Que Há Nas Entrelinhas?Where stories live. Discover now