Capítulo IX

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-Preciso que feche os olhos - pedi.

-O quê? Por quê? - ele perguntou, confuso.

-Porque é constrangedor. - falei.

-É só um poema. - ele riu, um riso frouxo que me dizia que ele entendia o porquê que eu estava pedindo aquilo.

Contraí os lábios irrevogavelmente.

-Tudo bem. - ele disse.

O Professor fechou os olhos e encostou a cabeça na estante atrás de nós e eu fiz o mesmo. Uns segundos depois, comecei a recitar:

-Eu não tinha esse rosto de hoje... assim calmo, assim triste, assim magro... - logo fiz uma pausa, não conseguia me concentrar, meu coração estava acelerado em uma magnitude incrível. Molhei os lábios e abri a boca para tentar, mas fui interrompida.

-Nem estes olhos tão vazios... - o Professor completou de repente, me assustando. Sua voz poderosa fez com que meu coração encolhesse euforicamente e voltasse a bater com uma rapidez que me aquecia.

Abri os olhos e o encarei, ele me encarava de volta com uma emoção nunca antes vista em seus olhos e continuou:

-Nem o lábio amargo...

Ele voltou a fechar os olhos e eu também.

-Eu não tinha estas mãos sem força, tão paradas e frias e mortas... - continuei.

-Eu não tinha esse coração que nem se mostra... - o professor completou novamente. Parecia que estávamos conversando, uma conversa triste, mas profunda.

-Eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa, tão fácil. - citei abrindo os olhos e dirigindo meu olhar para ele.

O professor mantinha o rosto sereno e tranquilo. Seus traços eram ainda mais bonitos quando ele ficava relaxado daquela forma. Eram os traços de um rosto chamativo e contornado, traços encorpados e ao mesmo tempo, delicados e precisos.

-Em que espelho ficou perdida a minha face? - ele completou terminando o poema. Abriu os olhos devagar, encarando o teto por alguns segundos depois a mim. - é uma das minhas preferidas. - ele sorriu desconcertado.

-Dener... - chamei.

-Sim? - ele perguntou.

Abri a boca para pedir algo, que esqueci no mesmo momento que me perdi mais uma vez em seus olhos aveludados e notei que ele não me repreendeu por usar seu nome, então perguntei:

-Por que não me repreendeu por falar informalmente?

-Hoje não... - ele disse e contraiu os lábios me olhando. - o que você ia pedir?

-Recite seu poema favorito de Cecilia Meireles. - pedi lembrando-me de supetão.

-Tudo bem, mas terá que fechar os olhos novamente. - ele disse sorrindo, confirmei com a cabeça e fechei meus olhos como antes.

Esperei alguns segundos, mas nada veio. Então, de repente senti sua mão tocar a minha e a segurar firmemente, meu coração acelerou e o rubor tomou minha face. Eu podia sentir sua mão grande e quente envolver a minha com delicadeza como daquela vez no carro. Eu quis abrir os olhos, mas ele me impediu antes que eu o fizesse, dizendo:

-Não abra os olhos! Só, vamos ficar assim por um momento... - ele disse com a voz firme. - vou recitar o poema para você... - murmurou.

Não consegui dizer nada, apenas fazer como ele pediu. Continuei imóvel com meu coração acelerado. Sua mão tocava a minha, firmemente contra o chão e eu senti que ele se aproximava mais, mas não tinha certeza do quão perto ele estava.

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