Último pôr do sol

4 1 0
                                    


Justin a narrar

Esta deve ter sido a noite mais longa e mais atribulada da minha vida.

Não dormi nada, fiquei sempre em estado de alerta, sempre a ver se ela ainda estava a respirar, sempre a ver o nível de oxigénio que havia nas botijas; a minha mão direita permanecia entrelaçada com a dela enquanto a minha mão esquerda continuava nas suas costas, fazendo caricias permanentes, tentando dar-lhe algum alívio quando a via mais agitada. A sua cabeça permanecia pousada no meu braço e as minhas lágrimas ainda caíam, uma vez por outra, no meio da noite.

Acho que ainda não me mentalizei que a vou perder, inevitavelmente. Sinto-me horrível por ter mesmo considerado, várias vezes durante essa noite, se seria melhor levá-la de volta para o hospital.

Respirei fundo e olhei o horizonte, escondendo-me na curva do seu pescoço, ainda a chorar a sua morte, quando vi o sol nascer, gesto meu que ela notou de imediato.

Senti-a mexer-se enquanto virava o corpo, já débil e fraco, para me olhar, passando depois os dedos finos pelas minhas bochechas e pelos meus olhos, sorrindo gentilmente.

- Não faças isso... - Balbuciei, com a voz trémula, a tentar engolir o choro à força. – Não sorrias como se estivesse tudo bem...

Ela continuava a olhar-me, com aquele sorriso nos lábios, revelando-o ainda mais quando tirou a máscara, mesmo depois dos meus protestos para não o fazer.

- Mas está tudo bem... - Murmurou, fazendo desenhos na minha mão com a ponta dos dedos.

Suspirei pesadamente, sabendo que não valia a pena ter esta discussão, muito menos com ela no estado em que estava.

Beijei-lhe a mão repetidamente, aproveitando o momento, antes de virar o corpo e começar a vestir-me, apanhando e sacudindo depois as roupas dela.

- Toca a vestir. – Dei por mim a sentir-me mais descontraído quanto a tudo isto quando a expressão confusa estampada no rosto dela me fez rir. – Os meus pais insistiram em conhecer-te e vão trazer os meus irmãos. – Fiz uma careta e mordisquei o lábio. – Eu espero que não te importes...

Vi-a sorrir e abanar a cabeça, agarrando a minha mão estendida da sua direção e sentando-se na nossa cama improvisada.

- Eu não, mas tens que ser o meu "vestideiro" e meio de transporte.

Rebentei em gargalhadas enquanto a puxava para mim com cuidado e a vestia devagar, dando-lhe depois o meu casaco e deitando-me ao pé dela, aconchegando-a nos meus braços.

Não falámos, não nos mexemos, apenas ficámos ali, abraçados, a admirar o nascer do sol que se erguia do horizonte e nos saudava com o seu calor.

Uma vez por outra, enquanto esperávamos pela minha família, que queria estar comigo quando... bem, vocês sabem... acontecesse, ela apertava-me a mão, quando tinha falta de ar, ou quando tinha alguma coisa para dizer e não o queria fazer.

- Angie...? – Chamei quando me pareceu que ela começava a ficar demasiado mole. – Estás bem? – Ela assentiu, respirando com algum esforço, mesmo com a ajuda da máscara.

Fiquei com ela, assim nos meus braços, sempre a certificar-me que ela se aguentava, vigiando-a enquanto ela dormia, derrotada pelo cansaço; até que ouvi quatro vozes familiares, a aproximarem-se do sitio onde nos encontrávamos, a discutirem sobre alguma coisa que não cheguei a perceber.

Ri baixo e aconcheguei-a contra o meu corpo, não fosse ela acordar com aquele barulho todo.

- Justin! – Baixou o tom de voz gradualmente quando, com um gesto, lhe pedi silêncio. Ela olhou-nos aos dois, curiosa, e aproximou-se como se eu tivesse um bebé no colo que não podia ser acordado de maneira alguma, ajoelhando-se na beira do colchão. – É esta a menina?

ParaísoWhere stories live. Discover now