Primeira noite ao teu lado

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Angela a narrar

Amanheceu, mais uma vez. A luz fraca e esbatida do sol que nascia a Oriente entrou pelo quarto, iluminando este lentamente e fazendo com que os meus olhos abrissem. A escuridão abandonava o quarto gentilmente, todas as formas e contornos do lugar em que eu me encontrava tornavam-se cada vez mais nítidos e claros.

Levantei-me lentamente e olhei em redor; um sorriso encontrou o seu caminho até aos meus lábios quando eu olhei para o chão e o vi ali. Ele ainda estava ali, deitado no chão, ainda protegido pelos inúmeros cobertores de pêlo e lã, descansando pacificamente ao meu lado, como se me guardasse de algum perigo. Nunca me hei-de cansar da sensação de o ter perto de mim, nem da linda canção que o som tranquilo da sua respiração lenta e regular me canta quando ambos estamos em absoluto silêncio.

Sem fazer qualquer som, saí da cama e fui até ele, sentando-me no chão e vendo-o dormir. Parecia um autêntico anjo... Olhei para cima.

- Não te preocupes, Susana. Eu cuido dele... - Voltei a olhá-lo e sorri, suspirando profundamente. – Será a minha razão de viver...

Quem entrasse aqui e me ouvisse a falar, diria que eu estava maluca e enviariam imediatamente um psicólogo, mas, na verdade, eu consigo senti-la. Não sei como, o que é que eu sinto e muito menos porque é que o sinto, mas, desde que ela morreu, eu sinto que ela ainda cá está, a cuidar dele e a certificar-se que eu o farei quando ela partir de vez.

Quase imediatamente, como por magia, assim que eu disse a última palavra, o quarto ficou mais iluminado e o ar mais leve. Acho que afinal não estou assim tão maluca...

- Justin... - Sussurrei, quando o ouvi murmurar não sei o quê. Ele acordou e olhou-me, fazendo-me sorrir largamente. – Bom dia, dorminhoco.

Ele suspirou profundamente e olhou em redor, esfregando os olhos e alongando os braços, prendendo o olhar nos meus olhos novamente e sorrindo logo depois.

- Bom dia... - Ele olhou para baixo e viu os cobertores que ainda lhe cobriam as pernas e grande parte da barriga. – Eu dormi aqui a noite toda?

Sorri e assenti rapidamente, esticando as costas e os braços, preparando-me assim para um novo dia de verdadeiro tédio.

- Sim... - O meu sorriso desvaneceu, ao lembrar-me que ele ainda podia estar abalado com o que aconteceu ontem. – Como é que te sentes?

Ele deu de ombros e suspirou, levantando-se e dando uns passos ao redor do quarto, para alongar as pernas. Levantei-me e segui-o com o olhar.

- Estou melhor... Acho que ainda custa um bocado habituar-me à ideia que ela já não está cá... - Ele olhou novamente para o monte de cobertores e sorriu, olhando-me depois. – Foi... foi a nossa primeira noite juntos...

Não sei bem porquê, mas o comentário dele fez-me rir descaradamente. Olhem só para onde é que ele está a levar isto.

- Calma aí, garanhão... Tu adormeceste aqui, porque eu cantei para ti e porque estavas mal, lembras-te? – Vi-o sorrir timidamente e olhar para o chão, como se tentasse esconder-se do meu olhar, e levou a mão à nuca, acariciando-a e aliviando alguma da pressão que se formava em nós dois e no ambiente em nosso redor.

Nesse momento, algo me disse que isto que nós tínhamos, esta afeição, este carinho, já não era mais uma amizade comum, e diria até que nunca mais o voltaria a ser, pois a confiança e o... chamemos-lhe "amor", que eu e o Justin sentíamos um pelo outro não se constrói da noite para o dia e, igualmente, não pode ser destruído facilmente, como se de nada se tratasse. É um laço forte, e resistente, que aguenta tudo, desde os dias mais solarengos, até às piores intempéries da natureza.

O que eu não estava à espera, é que ele me fizesse perceber isso tão cedo.

- Sim, eu lembro-me disso... - Respondeu-me finalmente, depois do que me pareceram horas de silêncio, e olhou-me, mordendo o lábio timidamente. – Desculpa, eu só... eu não queria falar disto tão cedo, queria deixar avançar até ao teu grande dia, mas não consigo mais...

- Justin, espera! – Interrompi-o, antes que ele dissesse mais uma palavra que fosse. – Ouve, isso é o luto e a tristeza a falarem, sim? Estás enganado... nós não podemos, nunca, nem neste mundo nem no outro, ficar juntos... e além disso, mal nos conhecemos... Conhecemo-nos há pouco mais de um mês, lembras-te?

Ele bufou em frustração, passando as mãos pelo cabelo e puxando-o, acalmando-se.

- Porque é que não admites de uma vez? Hum?! Eu consigo ver nos teus olhos, eles brilham quando olhas para mim, está estampado na tua cara... - Neguei com a cabeça e respirei fundo; só não sabia quem é que tentava convencer, se era a mim ou a ele. – Tu gostas de mim, eu consigo ver isso, por isso não negues, porque eu sei que estás a mentir.

Suspirei e sentei-me na cama, olhando para as minhas mãos que estavam pousadas no meu colo.

- Não posso... se eu admitir o que quer que seja, já sei onde é que isto vai dar e eu não aguento ver-te sofrer dessa maneira. – Olhei-o. Conseguia sentir as lágrimas a acumularem-se nos olhos, mas desse por onde desse, elas não podiam cair. – Eu vou morrer daqui a menos de 4 meses, acabaste de perder a Susana, porque é que queres submeter-te a esse sofrimento outra vez? – Dei por mim a tentar acompanhá-lo com o olhar enquanto ele andava rapidamente, de um lado para o outro, pelo quarto. – Porquê? Responde-me! Porque é que insistes em sofrer dessa maneira?

Ele veio até à parede da minha incubadora rapidamente e, por pouco, achei que a ia furar ao murro.

- Porque eu amo-te, porra! – Gritou, fazendo-me petrificar.


ParaísoWhere stories live. Discover now