Eu quero-a... e temo-a...

4 1 0
                                    


Angela a narrar

Já passaram mais três dias, dois dos quais passados sem o Justin. Acho que houve um problema qualquer com os irmãos dele, então ele não pôde vir, o que quer dizer que tenho que ver os dias a passar até ao meu último nascer do sol completamente sozinha até que ele regresse. Sabem, agora que, finalmente, tenho o meu sonho prestes a realizar-se... tenho medo... Acho que já nem sei bem se é isto que quero... não sei sequer se esta é a melhor decisão a tomar...

Justin a narrar

- Querido, tens mesmo a certeza disto? – Perguntou ela, pela milésima vez, desde que eu lhe disse que ia voltar para o hospital, para perto da Angie. – Podias ter ficado mais uns dias na casa dos teus avós, os teus irmãos precisam de ti.

Suspirei enquanto preparava uma pequena mochila com o que precisava para compensar o tempo perdido com a Angie.

- Não, mãe, não precisam... - Olhei-a. – Aliás, eles próprios insistiram para que eu voltasse quando lhes falei da Angie. – Ela atirou-me com aquele olhar de cachorrinho abandonado, o que me fez revirar os olhos. Num ato de desespero, sentei-me na cama e pedi-lhe, com um gesto calmo e subtil, para se sentar comigo. Quando ela o fez, agarrei-lhe nas mãos e olhei-a nos olhos, certificando-me que ela entendia bem o que eu lhe dizia. – Mãe... - sussurrei, sendo logo interrompido por ela.

- Justin, pensa bem...

- Eu já pensei tudo o que tinha a pensar, mãe... - murmurei, calmamente. – Eu já tomei a minha decisão... é com ela que quero estar. – Ouvi-a suspirar enquanto os seus grandes olhos azulados me lançavam o maior olhar de reprovação que já vira vindo dela. – Ouve, eu sei que não se pode considerar um namoro normal; não lhe posso dar a mão, não a posso beijar nem posso abraçá-la nem senti-la ou tocar-lhe, e sei que vou sofrer quando a perder...

- É exatamente aí que quero chegar! – Exclamou ela, levantando-se de repente e erguendo as mãos acima da cabeça.

- Mas... - Continuei, calmamente, ignorando o seu comentário. – Eu amo-a, e se sofrer é a única maneira de a manter perto de mim, então eu aceito...

A nossa conversa durou, pelo menos, duas horas e, quando finalmente consegui persuadi-la, acabei de fazer a mala e saí o mais depressa possível de casa. Estou ansioso por vê-la...

Angela a narrar

Dei por mim ajoelhada no chão, a olhar fixamente para o calendário que tinha pendurado na parede; várias cruzes vermelhas preenchiam os quadrados que representavam os dias que já haviam passado e apenas um era significativo: dia 16 de Julho – Dia de mudança de mundo.

Sorri ao ver a descrição que tinha dado àquele dia; acho que parece menos assustador dito desta maneira.

- Angie... - Uma voz melodiosa e confortavelmente familiar entrou pelo quarto, silenciando a minha tagarelice mental e fazendo-me, involuntariamente, abrir ainda mais o meu sorriso e suspirar em alívio.

- Pensei que nunca mais ias aparecer... - Murmurei, mantendo-me na mesma posição: ajoelhada no chão e virada para a parede, de olhos fixos no calendário.

O som abafado e reconfortante de passos mudos aproximou-se dos meus ouvidos, o que me fez virar ligeiramente a cabeça.

- Eu peço tanta desculpa, os meus irmãos precisavam de mim, e quando eu lhes contei sobre ti eles insistiram para que eu voltasse mas quando eu disse à minha mãe que vinha para aqui...

- Justin! – Gritei, silenciando toda aquela tentativa escusada, mas querida, de pedir desculpas. Desta vez olhava-o fixamente, esperando que ele se acalmasse antes de eu falar. – Não tens de pedir desculpa... Tu explicaste-me isso tudo quando foste embora, não tens que explicar outra vez. Por favor... - Juntei as mãos à frente do peito, como que para lhe implorar para que ele não voltasse a explicar tudo, o que o fez rir baixinho e relaxar os ombros, que até agora tinham permanecido em constante e permanente tensão.

- Ok... mensagem recebida... - Ele pousou a mochila, que trazia aos ombros, no chão e aproximou-se de mim, olhando-me e pousando as mãos na parede da incubadora. Imitei o seu gesto e esperei que ele dissesse alguma coisa. – E tu... estás bem?

Olhei-o, espantada com as suas palavras.

- Porque é que não havia de estar? – Sorri, tentando tranquilizá-lo, mas já reparei que ele é teimoso demais para ser demovido assim tão facilmente.

Ele suspirou, mantendo o seu habitual sorriso nos lábios, e negou com a cabeça.

- Não te faças de desentendida, Angie. Algo te preocupa... O que é que se passa?

Agora foi a minha vez de suspirar. Baixei a cabeça e deixei o meu corpo cair até ao chão, sentando-me no chão e encostando-me à parede do meu cubículo, voltando a fixar os olhos nas grandes cruzes vermelhas que preenchiam os inúmeros quadrados desenhados no papel azul do meu calendário.

- Olha... - Sussurrei, apontando para lá. – Está cada vez mais próximo.

Ouvi-o suspirar em compreensão enquanto se ajoelhava atrás de mim.

- Já não queres fazer isto... é isso? – Murmurou.

Olhei-o de relance. Não havia qualquer vestígio de escárnio ou desprezo, apenas amizade e compreensão.

- Não... ou melhor, sim, eu quero. Eu quero a morte, eu desejo-a mais do que tudo, eu só... - Interrompi-me, apercebendo-me, se calhar tarde de mais, que não sabia ao certo o que sentia quanto a isto.

- Tens medo. – Completou. Mantive os meus olhos presos nos dele; por um momento, eu pude sentir o corpo dele contra o meu e os seus braços em redor da minha cintura num abraço apertado e tranquilizador. – Tens medo, só isso... - Repetiu, sorrindo amigavelmente. – Ouve, se quiseres adiar...

- Não! – Gritei, assustando-o com a minha reação repentina.

Depois de alguns segundos a fitar-me, ele – graças a deus – mudou de assunto. Falámos de imensas coisas, inclusive dos irmãos dele, e fiquei a saber que, felizmente, não se passava nada com eles, tinham só saudades do irmão mais velho, o que é compreensível, visto que têm estado na casa de férias da família, no Canadá, e ele aqui, em Miami.

Ficámos a conversar durante horas e acho que acabei por adormecer, porque só me lembro de estar a falar com ele, depois os meus olhos começaram a pesar mais do que um bloco de chumbo e a seguir... nada, não há mais nada, só a imagem dele.

Enfim... há melhor maneira de se adormecer do que ao som da voz da pessoa que se ama?


ParaísoWhere stories live. Discover now