Uma viagem triste mas feliz

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Justin a narrar

O horror tomou conta da expressão da minha mãe, enquanto o meu pai permaneceu em silêncio, encarando a estrada deserta à sua frente. Mais uma vez, um silêncio incómodo e ensurdecedor inundou o carro por completo, o que me deu a deixa para me perder, mais uma vez, em pensamentos, e voltar a minha atenção para o que quer que fosse que estivesse do lado de fora da janela do carro. Pouco tempo depois, a minha mãe compôs o banco, colocou o cinto de segurança, ligou o carro e arrancou. Depressa chegámos a casa, mas ninguém se atreveu a mexer um músculo. Em breve, chegámos à garagem da nossa casa.

- É mesmo isso que ela quer? - Perguntou monotonamente, captando a minha atenção.

Ri baixo pelo nariz.

- É a única coisa que ela quer. - Corrigi.

Sobressaltei-me quando, do nada, ele tirou o cinto e se virou para trás, ajoelhando-se no banco e agarrando-me os ombros.

- Então não a desiludas. Volta lá amanhã, planeia o que tiveres que planear e dá-lhe o melhor dia da vida dela.

Forcei um sorriso e assenti-lhe, sabendo que ele tinha razão. Sem dizer uma palavra, tirei o cinto e saí do carro, entrando em casa e subindo as escadas. Caminhei pelo enorme corredor, cujas paredes brancas estavam decoradas com várias fotografias de família, e dirigi-me à última porta do corredor, de madeira escura e maciça e com uma maçaneta de ferro, onde costumava ser o meu quarto, antes de, com 17 anos, sair de casa. Tudo se mantinha igual: a cama ainda ocupava o seu lugar ao pé da janela, com o mesmo lençol vermelho e o cobertor branco com a bandeira do Canadá, as paredes pintadas, por mim, de um tom roxo claro ainda estavam cobertas por inúmeros pósteres de vários jogadores de hockey e basquete que eu admirava e de todos os cantores que eu passava a vida a ouvir, o móvel, extremamente bem envernizado e com os puxadores das gavetas dourados polidos, mantinha-se encostado à parede do fundo, perfeitamente centrado entre a porta e a cama. Suspirei e atirei-me para cima da cama, enterrando a cabeça na almofada. Devo ter adormecido por momentos, porque, quando dei por mim, a minha mãe estava lá, a agarrar-me a mão e sempre com aquele sorriso infantil nos lábios.

- O almoço está na mesa. - Abanei a cabeça, indicando que não queria comer, apenas queria ficar sozinho. - Querido, vá lá, faz um esforço. Se quiseres, depois do almoço podes voltar ao hospital e falar com a tal rapariga.

Suspirei e levantei-me, sem dizer uma palavra. A verdade, é que queria falar com ela, mas não sabia o que havia de lhe dizer. A única coisa em que conseguia pensar, é que não fazia a mínima ideia de como é que havia de a ajudar, nem sequer sabia se iria conseguir fazê-lo.

~1 hora depois~

Quando acabámos de almoçar, tal como a minha mãe sugeriu, o meu pai levou-me de volta para o hospital.

- Queres que espere aqui? - Perguntou, quando estacionou o carro em frente ao grande portão branco que dava para o parque de estacionamento do hospital.

Sorri levemente e abanei a cabeça, enquanto levava a mão direita até ao puxador da porta, com intenção de a abrir.

- Deixa estar, tenho o meu carro ali. - Disse, apontando para o meu Lamborghini branco que jazia, agora, ao lado de uma ambulância.

Abri a porta e saí do carro, vendo-o acelerar pela estrada fora até desaparecer no horizonte. Virei-me para o grande edifício branco e vermelho à minha frente e respirei fundo, antes de avançar, com alguma hesitação, até à porta. Empurrando-a para entrar, dirigi-me decidido até um quarto em particular, parando à porta do mesmo, que estava entreaberta, permitindo-me ver que tudo estava escuro lá dentro. Abrindo-a um pouco, espreitei lá para dentro; os meus olhos viajaram automaticamente para todos os lados, repousando num vulto que se encontrava na zona onde estaria a cama. Imediatamente, um sentimento de culpa atingiu-me por estar ali a olhar para ela enquanto ela dormia, mas mesmo assim, algo me obrigou a entrar e eu obedeci de boa vontade. Abrindo a porta apenas o suficiente para que o meu corpo passasse e fechando-a imediatamente atrás de mim, entrei silenciosamente enquanto despia o casaco. Ela dormia tranquila, a sua respiração era lenta e regular, os seus cabelos despenteados, ainda apanhados na mesma trança, caíam sobre a almofada e o seu corpo esbelto estava coberto apenas por um lençol, uma vez que a temperatura ambiente do quarto era de uns agradáveis 23ºC. Mantendo os olhos nela, agarrei na cadeira e encostei-a cuidadosamente à parede, dando o meu melhor para não a acordar, e sentei-me, vendo-a dormir. Gostava de perceber como é que ela, depois de me pedir ajudar para cometer o suicídio, literalmente, pode estar tão calma? Eu tenho os nervos todos à flor da pele e não sou eu que vou morrer daqui a 4 meses e meio. Fui resgatado dos meus desvaneios quando a luz fraca do pequeno candeeiro azul, que se encontrava ligeiramente acima da cama, se acendeu e um par de olhos sonolentos me encarou.

- Justin?


ParaísoWhere stories live. Discover now