Memórias

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Justin a Narrar

Neste momento, a minha vida resume-se a isto: perdi a miúda que amava e estou a falar disso com a miúda que quero amar. Irónico, não é?

Logo agora que eu precisava de paz de espirito, de ter as ideias em ordem, isto tinha que acontecer...

- Justin? – A sua voz doce despertou-me dos meus pensamentos, porém, eu não estava com cabeça para falar com ninguém. Nem sequer sei porque é que vim falar com ela, se nem sequer isso me vai ajudar.

- Angie, desculpa, mas eu não quero falar com ninguém...

Vi-a abrir a boca e um suspiro baixo escapou dos seus lábios, o que me fez sentir ainda pior. Eu sabia que devia ter ido para casa, organizado a cabeça e só aí voltava, mas, não sei porquê, algo dentro de mim me disse que me iria sentir melhor se viesse falar com ela, no entanto, só de pensar que a vou perder em breve, faz-me querer trocar de lugar com ela, ser eu a morrer, a estar doente, a sentir-me aprisionado... Se isso lhe desse uma hipótese de viver, eu fá-lo-ia sem pensar duas vezes.

- Bem, sabes que tu é que vieste ter comigo... - Disse amigavelmente, mesmo que eu pudesse perceber que ela tinha ficado magoada com o que eu tinha dito.

- Sim, eu sei, e não o devia ter feito... só vim fazer-te perder o teu tempo... pensei que ao falar contigo, a dor ir-se-ia embora... mas acho que me enganei... desculpa por isto, eu só... - Engoli em seco quando senti que as lágrimas iriam voltar a cair, levantei-me e fui até à porta. – Eu só preciso de estar sozinho... - E saí porta fora, sem sequer olhar para trás...

Assim que saí daquele quarto, onde se encontrava a rapariga que estava a contar comigo para a ajudar e que eu só soube desiludir, caí para o chão de joelhos e as lágrimas irromperam dos meus olhos e rolaram pelas minhas bochechas como duas cascatas abundantes que caem incessantemente das rochas. Eu sentia-me um completo inútil, um cobarde, um impotente que não é capaz de fazer nada como deve ser.

Angela a narrar

Sentei-me na cama quando ele saiu... ok, sim, estou um bocado magoada que ele tenha simplesmente entrado aqui e quando tentei ajudá-lo ele foi-se embora... mas ele está mal, por isso, acho que posso ser um pouco compreensiva com esta situação toda. Afinal, ninguém gosta de perder uma pessoa querida. E eu não consigo parar de pensar na miúda... nem imagino como é ser assim tão nova e com uma doença daquelas... bem, pelo menos partiu cedo...

~4 horas depois~

Estive estas últimas 4 horas completamente sozinha, a olhar pela pequena, esterilizada e única janela do meu quarto. O sol está a pôr-se... é o único contacto visual que eu tenho com esta maravilha da natureza.

Ouvi a porta a abrir-se. Sabia quem era, mas nem me dei ao trabalho de olhar para lá, deixei que fosse ele a dizer a primeira palavra.

- Angie...? – Sussurrou. Pude perceber pelo tom de voz dele que ele tinha estado a chorar este tempo todo. Por momentos, senti-me horrível... - Eu... vim pedir-te desculpa... - Olhei-o, confusa, pelo que ele continuou. – Eu fui um parvo... entrei aqui, à espera que me fizesses sentir melhor com as tuas palavras, e quando não resultou eu limitei-me a agir como um cobarde e...

- Justin, pára! – Interrompi-o e virei-me completamente de frente para ele, olhando-o seriamente. – Eu não acho que sejas um cobarde nem nada que se pareça... Cada um lida com a dor da perda como quer, e... - Voltei a olhar pela janela. – Se já não me quiseres ajudar, eu entendo... Nem eu te conseguia pedir tal coisa...

Ouvi-o suspirar e, em menos de nada, ele estava ao pé de mim, do outro lado da minha incubadora, claro.

- Eu também não te conseguia abandonar, não agora que estamos tão perto... - Olhei-o, vendo-o sorrir. – Ouve, claro que o que aconteceu hoje... bem, admito que me passei um bocado, eu adorava a miúda e saber que nunca mais a vou ver... deixa-me muito em baixo... - Baixou a cabeça, e isso deixou-me a sentir ainda pior do que já estava, porém, deixei-o continuar. – Mas isso não significa que desista de ti, e muito menos quer dizer que falte à minha palavra e à promessa que te fiz... nunca te faria isso...

ParaísoWhere stories live. Discover now