O Começo de Uma Amizade

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Angela a Narrar


E amanheceu... Mais um dia miserável nesta maldita incubadora gigante. A minha história? Bem, nasci com uma doença rara, cujo nome já me esqueci ou nem sequer me esforço para me lembrar, que consiste basicamente no seguinte: não tenho sistema imunitário, o que significa que o mais simples e banal gesto de abrir uma janela, para mim, pode ser mortal... Resultado: vivo neste inferno de hospital, a que chamo "casa" há 17, quase 18, anos, nunca vi o mundo lá fora; não sei qual o cheiro do mar ou como é sentir o vento na cara. Sabem aquele abraço caloroso que uma mãe nos dá quando estamos em baixo e só precisamos de um ombro para chorar? Pois, eu nunca o senti... Todas as sensações que alguma vez senti, senti-as apenas através dos livros que li durante a minha vida. Se me pedirem, consigo recitar um poema ou fazer uma conta que parece complicada só de cabeça, mas não sei dizer como é sentir algo tão natural como um beijo ou um abraço de alguém. Só tenho um sonho, e um apenas: quando completar 18 anos, sair daqui, ver o mundo lá fora, só por um dia, mesmo que isso implique acabar com a minha vida... Se é que isto se pode chamar viver...

Justin a Narrar

- Adeus, Susana, vemo-nos amanhã. - Disse à menina que estava deitada numa cama de hospital, mesmo à minha frente, e que me olhava com os seus lindos olhos verdes.

Ela sorriu-me e abraçou-me gentilmente.

- Obrigada por brincar comigo, senhor Bieber!

Sorri-lhe e beijei-lhe a testa, antes de sair daquele enorme quarto branco e ser acompanhado pelo Dr. Watson ao próximo quarto. A Susana é uma menina de 5 anos com cancro no pâncreas. Visito-a quase todos os dias há mais de dois meses; segundo os médicos, ela não tem muito mais tempo de vida. Vai ser difícil despedir-me dela... Para sempre.

- E cá estamos! - disse, com pouco ânimo, mas, ainda assim, com um sorriso. Li a ficha de quem quer que fosse que estivesse lá dentro e assustei-me quando li o parâmetro das doenças crónicas: ausência de sistema imunitário. - Sr. Bieber, quero pedir-lhe que tenha calma com ela. A pobre miúda vive neste hospital desde que nasceu e de vez em quando pode ficar um pouco... Sensível a certas escolhas de palavras.

Assenti e devolvi-lhe a ficha, suspirando.

- Entendo. Farei o que diz, doutor.

Entrámos e vi uma rapariga sentada numa cama, fechada numa espécie de caixa de plástico rígido, a ler um livro que apresentava o seguinte título: coletânea: os melhores poemas do século XVIII em letras douradas numa capa de couro castanho. Ela era linda, uma das raparigas mais bonitas que já vi, para uma miúda doente mas aparentemente saudável. A sua pele era branca como a neve e o seu corpo era esbelto, o que combinava com os seus lábios finos e pálidos que delineavam um perfeito e pequeno sorriso de plena satisfação. O seu cabelo cor de caramelo estava apanhado numa trança mal-arranjada que ela tinha pendido sobre o seu ombro direito e cujas pontas repousavam na sua barriga, movendo-se ligeiramente quando ela respirava. Vestia um top branco, uma camisa preta por cima, desabotoada, e uns calções de fato de treino brancos. Quando me aproximei para dizer olá e apresentar-me, ela olhou, para mim e para o médico que me acompanhava, com desprezo, enquanto virava a página, revelando os seus olhos cor de âmbar.

- Não se preocupe, Dr. Watson, este livro foi devidamente desinfetado, esterilizado e aprovado no teste da luz negra antes de chegar às minhas mãos. - Disse, voltando a sua atenção para o livro.

O Dr. Watson riu-se baixinho e assentiu antes de me afagar o ombro e sair, fechando a porta silenciosamente atrás de si. Respirei fundo.

- Olá, eu sou...

- Justin Bieber, o milionário que ajuda crianças com doenças crónicas. - Completou, monotonamente, a minha frase, antes de fechar o livro, colocando-o no colo e olhando-me.

Sorri e sentei-me numa cadeira de frente para ela, observando a enorme pilha de livros que jazia ao lado da sua cama, maior parte deles de poesia.

- Vejo que gostas de poesia...

- Deixa-me provar-to... - Olhei-a, confuso, fazendo-a rir-se de maneira angelical. - Diz-me o título de um poema que conheças e eu recito-o.

Sorri e pensei um pouco antes de responder, vasculhando em todos os cantos da minha memória.

- Balada da Neve.

Ela sorriu e, endireitando-se, começou.

- Batem leve, levemente, como quem chama por mim. Será chuva? Será gente? Gente não é, certamente e a chuva não bate assim. é talvez a ventania: mas há pouco, há poucochinho, nem uma agulha bulia na quieta melancolia dos pinheiros do caminho... Quem bate, assim, levemente, que mal se ouve, mal se sente? Não é chuva, nem é gente, nem é vento com certeza. Fui ver. A neve caía do azul cinzento do céu, branca e leve, branca e fria... Há quanto tempo a não via! E que saudades, Deus meu! Olho-a através da vidraça. Pôs tudo da cor do linho. Passa gente e, quando passa, os passos imprime e traça na brancura do caminho... Fico olhando esses sinais da pobre gente que avança, e noto, por entre os mais, os traços miniaturiais duns pezitos de criança... E descalcinhos, doridos... A neve deixa inda vê-los, primeiro, bem definidos, depois, em sulcos compridos, porque não podia erguê-los!... Que quem é pecador sofra tormentos, enfim! Mas as crianças, senhor, porque lhes dais tanta dor?!... Porque padecem assim?! E uma infinita tristeza, uma funda turbação entra em mim, fica em mim presa. Cai neve na natureza e cai no meu coração.


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