Capítulo XV - Faina e os escravos anônimos

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Capítulo XV – Faina e os escravos anônimos

Ambos os jovens contemplavam atônitos o rosto de Faina:

__Todos nós estamos sacrificando nossas vidas em prol dessa ideia vaga...

__A Sociedade nos alimenta...

__A Sociedade nos explora!

A voz de Liev era trêmula, ele suava frio, não conseguia imaginar que Faina seria capaz de cometer tantas transgressões em uma única frase:

__Você poderia - Liev transpirara - Bem, poderia passar um dia na floresta...

__Sim, Liev, farei questão de ficar um dia, um mês...

O semblante dos rapazes era indescritível, estavam chocados, perplexos. Faina saiu da oficina transtornada, mas ao mesmo tempo leve. Flutuou então pelos campos cobertos de gelo e seguiu até a floresta esbranquiçada. Após adentrar em uma clareira, pensou em retroceder, mas Savinkov, que estava sentado olhando para o nada, a cumprimentava. Faina retribuiu o cumprimento, caminhou sem rumo pela lateral da clareira, segurou algumas folhas de pinheiro, roçou a neve com o sapato. Tão logo desistiu e juntou-se ao estrangeiro, hesitou um tempo, mas tão logo, foi objetiva em sua proposta:

__Casa comigo e me leva para o seu país?

O estrangeiro sorriu diante da adolescente e, segurando um ramo de arbusto, disse sem constrangimento:

__Você é muito nova. – E emendou um tanto constrangido – Bem, eu tenho uma noiva no meu país...

Faina não desanimou e lançou no ar outra proposta tão excêntrica quanto à primeira:

__Sou menor de idade, você poderia me adotar...

Desta vez o estrangeiro gargalhou, mas logo se recompôs e justificou-se:

__Você não vai se sentir mais feliz lá do que aqui...

__Como você sabe que não?

Savinkov conferiu mentalmente as horas, contemplando o Sol deitar-se no horizonte, enchendo o céu de cores vivas. A natureza parecia pulsar em uma explosão de tonalidades diversas que avançavam nas mentes dos dois jovens, como se não houvessem fronteiras entre eles e o entardecer. O estrangeiro respirou fundo, seu olhar era reflexivo e distante, por fim, afirmou:

__Todos estão sós lá...

__Eu já me sinto só aqui...

__É diferente...

__Como assim?

__Cada pessoa quando nasce recebe um nome e uma série de expectativas... – Completou diante do rosto contestador de Faina – Você está sozinho e com um nome para construir, deve ser o melhor no que faz, deve entrar em uma boa universidade, arranjar um bom emprego, comprar uma boa casa e isso não para nunca...

A jovem rebatia de modo sereno:

__Mas também temos expectativas sobre nós desde que nascemos...

__Mas lá vivemos em uma verdadeira guerra entre os indivíduos. – Tentou exemplificar – Ninguém faria uma fábrica como a que estão erguendo aqui se não fosse mediante o interesse individual...

__Não entendi.

__Bem, as pessoas não trabalhariam lá se não fosse para atingir diretamente algum benefício próprio...

__Acho que entendi.

 __Então, você acaba se sentindo só, um guerreiro isolado, em uma guerra individual. – Completou – Não há ninguém para ajudar, apenas podemos tentar conciliar interesses individuais, mas não há cooperação de verdade, não há sinceridade...

Todas aquelas frases não haviam sido suficientes para afastar a vontade da jovem de ir embora daquelas terras, seu desejo próprio de sumir, de acordar em outro lugar, possivelmente em outra vida.

Um barulho se seguiu, um vulto e um nome cortando a atmosfera gelada naquele final de tarde:

__Lila!

Amor maior que 2Onde as histórias ganham vida. Descobre agora