Capítulo XIV - Faina e a Sociedade.

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Capítulo XIV – Faina e a Sociedade.

  Contemplava ao longe o esqueleto do complexo industrial surgindo às margens das aguas escuras do Volga, o melhor investimento de todos. Dois bilhões de dólares ainda estavam quase intactos, alguns milhões investidos na compra de materiais no exterior, alguns técnicos e engenheiros vindos da Califórnia, mas nenhum dólar gasto com mão de obra local, aquelas pessoas não trabalhavam por dinheiro, apenas confiavam na palavra do estrangeiro de que o complexo iria beneficiar a Sociedade e se empenhavam do nascer do sol ao começo da noite na obra.

  Ellsworth ficaria orgulhoso, só não sabia se estava orgulhoso de si. Pensava no rosto tão bem cuidado de Avery, sua noiva em São Francisco, pensava em seu sorriso tão milimetricamente branco, em suas preocupações existenciais com a piscina ideal para a mansão vitoriana pretendida. Pensava nos sorrisos nos jantares de negócio, na paciência infinda que tinha que simular ao estar em contato com o excêntrico Ellsworth.

  Voltaria milionário para a Califórnia, seria o orgulho de sua noiva, de seu chefe, de seus pais e de seu país. Mas a questão se estaria orgulhoso de si próprio voltava a sua cabeça, aquelas pessoas pareciam já estar felizes e ocupadas o suficiente, a NN poderia ser simplesmente a razão da ruína de cada uma delas e, por mais que antes desse a mínima importância para isso, há algum tempo, após tanta convivência, não conseguiria pensar mais naquelas pessoas como simples consumidores em potencial. Enquanto aqueles pensamentos transitavam pelo cérebro do estrangeiro, Faina caminhava até o outro lado da oficina, escura e impessoal, e costurava mais uma bota para neve, eram milhares delas nos últimos meses. Passava seus dias costurando, por ora contentava-se com uma coisa ou outra, sorria e fingia-se feliz quando conveniente, mas por dentro nunca mais fora a mesma, estava sempre só, ainda que constantemente circundada por pessoas.

  Alexis costurava em silêncio, apenas Liev mantinha-se falando, tal como se buscasse em suas palavras jogadas no ar, motivação para estender seu expediente até o começo da noite:

__O inverno está castigando a Sibéria.

__Novidade.

Respondeu Faina demonstrando seu descontentamento, Liev prosseguia irritantemente:

__Seria bom para a sociedade que costurássemos até a metade da noite.

A jovem, que já não suportava mais o discurso do seu colega, riu ironicamente e rebateu:

__Sim, seria ótimo para a Sociedade que morrêssemos trabalhando continuamente até a semana que vem...

O rapaz franziu o cenho, reconheceu a ironia e não a perdoou:

__Faina poderia ser mais cooperativa com a Sociedade e menos irônica...

__Liev poderia ser menos irritante...

Alexis olhava ao longe a discussão e em seu íntimo atribuía esses eventos insólitos à presença do estrangeiro, enquanto isso Liev retrucava mecanicamente:

__Você poderia deixar o interesse da sociedade acima de questões particulares...

Faina rebateu com um tom de voz ríspido:

__Que sociedade? – Emendou – Onde está essa Sociedade?

O semblante de Liev parecia horrorizado, o rosto de Alexis também demonstrava semelhante expressão, Faina estava indo longe demais em sua desobediência, o jovem prosseguia como uma sentinela em serviço:

__Você poderia refletir sobre isso...

A jovem sorria ironicamente: "Parece Leonid falando... que diferença faria, eles eram tão impessoais". E continuou em uma voz inflamada:

__Poderia ou deveria?

O termo ofendeu ainda mais a Liev, que parecia sem reação diante dos absurdos proferidos pela colega, que ainda prosseguia:

__Você está cego, todos estão... – Justificou – Ninguém percebe que somos escravos de desconhecidos... 

Amor maior que 2Onde as histórias ganham vida. Descobre agora