Capítulo XIII - Faina e a orquestra.

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Capítulo XIII – Faina e a orquestra.

Todos sorriam, menos ela. Faina contemplava irritada o sorriso estampado no rosto de Isolda com seus sinos. Todos pareciam felizes, Iskra na celesta, Yakov no xilofone, Konstantin no violoncelo, Yana no triângulo, Anatoly no violino, Zakhar na trompa. Faina continuava mapeando a praça com os olhos até fixar o olhar no piano, depois na face de Liev, olhou com desprezo para os outros instrumentos e músicos, por fim endireitou-se em sua posição e fitou o maestro, Leonid estava impecável e, após seu sinal, a orquestra começou uma nova sinfonia escrita por Gleb, que devido a problemas motores dedicara-se apenas a compor músicas.

A hora de Faina soprar seu flautim chegara e a mesma, talvez propositalmente, entrara atrasada. Na próxima ocasião, trocara uma das notas musicais, a tristeza de outrora fora substituída por uma expressão de felicidade no rosto. Deliciava-se com o olhar de preocupação de Leonid, mas principalmente com o ataque à própria sinfonia. Pensava consigo: “Um músico destoa da orquestra e a sinfonia vai por água abaixo...”. E a cada novo erro, Faina sentia-se mais viva, mais forte... Pela primeira vez na vida, agira por si própria, destoara do maestro e de suas regras e não sentira o mínimo remorso em fazê-lo.

Por fim, Leonid encerrou a apresentação e a plateia aplaudiu entusiasticamente, talvez por não entenderem muito de música, talvez por hábito ou por pena. Todos estavam com a cara fechada, menos Faina, que sorria discretamente. Savinkov ao longe parecia retribuir o sorriso da jovem, era tão raro e belo, tão estranho para seu rosto sempre fechado, amargo. Após a orquestra se dispensar para assistir as apresentações teatrais e de outras habilidades diversas, o maestro abordou Faina com um ar de decepção:

__Seria melhor para a Sociedade que você se empenhasse mais perante a orquestra.

A jovem rebateu sem demonstrar grande emoção:

__Seria melhor para a Sociedade que as pessoas tivessem mais liberdade.

O professor franziu o cenho, Faina nunca havia sido uma cidadã exemplar, mas também nunca demonstrara tamanha revolta. Leonid logo afirmou:

__A liberdade individual pode constituir uma ameaça à liberdade coletiva. – E concluiu de modo severo – Você poderia refletir um pouco sobre o que disse.

Faina engoliu a seco e foi contrariada até a estátua de Bakunin, ergueu a cabeça e ficou a contemplá-la por algum tempo, entre seus neurônios não surgia qualquer remorso e a palavra sociedade, que costumava lhe provocar sentimentos tão fortes, ecoava vazia em seu cérebro. Suspirou, tentou novamente pensar na sociedade como uma grande mãe, uma mãe que não conhecera; afinal, todos os adultos eram pais e mães das crianças e dos jovens. Mas seus esforços eram inúteis, seu coração estava vazio, suas mãos geladas. Abandonou o busto de Bakunin e já não se sentia mais parte daquela multidão de pessoas felizes que comemoravam o Dia das Artes, sentiu-se só, encontrara um si próprio, mas era algo estranho, pesado e triste.

Sangrava em silêncio, conquistara a sua subjetividade, a liberdade pretendida e todo o peso que a tais subjaziam. Estava livre para sentir-se só, para sentir-se incompreendida, para ser um peixe fora d’água. No outro lado da praça o estrangeiro contemplava a multidão, cada qual exibindo seu talento e transmitindo implicitamente a ideia de que eram únicos por possuir habilidades especiais dentro da aldeia. No dia das artes, as pessoas empenhavam-se para se mostrarem diferentes, apesar de todos os dias lutarem para transparecer o oposto disso. Savinkov as observava, com seu semblante enigmático, exibindo um nariz erguido e castigado pelo frio. Olhava a multidão em silêncio, tal como se olhasse para fragmentos de um grande organismo amorfo. Vira e volta voltava o olhar para aquela menina solitária no outro lado da praça, parecia tão distante das demais pessoas, era estranha e inquieta, tão estrangeira quanto ele próprio. 

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