Capítulo III - Em uma cidade qualquer

8.7K 247 41
                                    

Capítulo III - Em uma cidade qualquer

Ellsworth exigiu ir de avião, tão logo aterrissavam em Newport e o primitivista rapidamente entrou em contato com outros membros naquela península. Minutos depois um carro no piloto automático estacionava diante deles. O futuro garoto propaganda mostrara-se aborrecido, odiava carros emprestados.

Mais tarde o cenário pacato de sua infância, perturbado apenas pelos visitantes, se discriminava diante de seus olhos. Crescera entre canhões, bandeiras e museus, tudo era história em Yorktown.

A cidade parecia tão teatral naquele dia, a brisa suave do verão que se aproximava, as árvores que não mais economizavam nas folhas, o canto discreto dos pássaros e os gramados bem cuidados de um verde vibrante que se estendiam por toda a parte entre cercas brancas de madeira e casas igualmente brancas de telhados altos e agudos.

Quantos fantasmas passeavam por ali? Talvez os mesmos que habitaram sua imaginação infantil. Estava absorto em pensamentos distantes e confusos. As duas figuras estranhas que lhe faziam companhia não lhe incomodavam mais, apenas a própria presença parecia lhe causar desconforto.

Ao se aproximar da velha espingarda de seu avô pregada na parede, o garoto que acompanhava seus passos desde o Pub, indagou:

__Está carregada?

__Quem sabe?

__Uhmm... Se não fosse crime matar alguém?

__Certamente você estaria estendido no chão agora...

O garoto gargalhou, parecia adorar provocar aquele homem mal-humorado.

Logo, o primitivista se aproximou e suspirou pensativo:

__Quando chegamos ao final podemos finalmente voltar ao começo e conhecer o lugar pela primeira vez...

__Detesto T. S. Eliot...

__Você pretende vender essa casa, então?

A resposta não veio, o primitivista prosseguiu indagando:

__Mas ir para onde?

__Não é da sua conta!

__Não adianta mudar de lugar quando os problemas moram dentro de nós.

__Vocês primitivistas são tão chatos...

__Talvez.

Não disse mais nada apenas acendeu mais um cigarro, enquanto Ellsworth indagou sem grande emoção:

__Onde será o congresso?

__Não muito longe daqui, vai ser em uma pequena propriedade rural.

__Quantos dias vai durar?

__Não sabemos ainda.

__Seus hippies anarquistas! Vocês sabem o quanto vocês são ridículos?

__Sabemos um pouco, afinal, todo idealismo é ridículo... – Entre uma baforada e outra prosseguiu – Mas já não somos mais tão idealistas, somos a força política alternativa mais poderosa nesse país.

Ellsworth bocejou ruidosamente e, por fim, perguntou:

__Você não sabe que fumar faz mal?

__Isso não é da sua conta!

E o novo garoto propaganda engoliu a seco a resposta, enquanto buscava alguma nova distração visual dentro da sua antiga casa.

Minutos mais tarde, suas pernas já lhe conduziam para fora por entre uma rua estreita e antiga, o primitivista lhe acompanhou juntamente com o garoto excêntrico. Ellsworth logo protestou:

__Por que você está fazendo isso?

__Essa alucinação é sua!– O primitivista emendou – Não estou mais na idade para ser um neurohacker...

O homem se apoiou contra um poste e, tão logo, sentou-se. Sua cabeça pôs-se a girar como se caísse dentro de um redemoinho e a alucinação que o acompanhava ganhava traços cada vez mais familiares, seu coração palpitava e uma dor aguda se espalhava pelas suas costas, estaria tendo um infarto? Respirou profundamente e estalou os dedos e piscou. O garoto já não estava mais lá, o garoto era ele mesmo.


Amor maior que 2Onde as histórias ganham vida. Descobre agora