Cicatriz

By MelindaInu

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"-Suas cicatrizes queimam, a minha formiga, dói. Mas quando você toca nela -A pele se acalma? -Sim -É o mesmo... More

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19 - Shoto

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By MelindaInu

Eu não esperava que meu primeiro desafio seria logo Bakugou Katsuki, meu vizinho e a pessoa responsável por grande parte das minhas cicatrizes físicas e emocionais, um dos principais motivos da minha mudança. O destino é engraçado, com certeza.

Olhei nos seus olhos acajus em busca do meu amigo de infância, mas não havia nenhum sinal dele, assim como do garoto tímido e inseguro que eu era, há muito desapareceu.

—Sentiu saudades loirinha? Por isso está tão agitado ao me ver?

Nezu tinha razão, ver a cara dele vermelha e transtornada me deu muita satisfação. Os policiais que riram com ele antes baixaram o rosto e voltaram ao seu trabalho.

—O que você quer aqui, hã?

—Quero falar com o encarregado pelo caso de desaparecimento da senhora Todoroki — Mostrei meu crachá de imprensa.

—Só pode ter perdido o juízo! Nem fodendo você vai escrever sobre esse caso.

—Se eu te foder garanto que você vai me deixar escrever qualquer coisa, loura — Olhei seu rosto vermelho e sorri internamente — Pena que não faça o meu tipo. Agora, chame o detetive antes que eu decida escrever sobre como esse lugar é homofobico.

—Pode pegar sua caneta e enfiar...

—Tem certeza? O prefeito de vocês está concorrendo a governador. Acha mesmo que um artigo falando sobre como ele permite policiais homofóbicos vai ser bem visto?

Sim, com certeza Nezu estava certo. O loiro ficou vermelho até o pescoço e bateu as mãos no balcão para se levantar calado e me guiar pela delegacia. Foi com deleite que notei que fiquei tão alto quanto ele. Eu não era mais o garoto magro e baixinho, todas aquelas horas semanais na academia valeram a pena. Ele bateu numa porta frágil com uma grande janela de vidro embaçado e uma voz cansada saiu de lá.

—Detetive, a imprensa quer falar com o senhor.

—Imprensa? Que imprensa?

—Olá — Entrei sorrindo gentilmente depois de empurrar o loiro para longe — Midoriya Izuku, do jornal UA de Konoha.

—UA? O jornal do Nezu?

—Isso mesmo! O senhor é Aizawa Shota, correto?

—Exatamente. Prazer te conhecer. Por favor, fique à vontade. Bakugou, traga chá para nós.

—Uma água para mim.

Pisquei para o loiro transtornado que saiu da sala e voltei minha atenção para o detetive Aizawa. Pelo pouco que pesquisei ontem, Nezu era um parente distante que o ajudava com a mídia nas raras vezes que aquilo era necessário. Achei curiosa a sua aparência, cabelos compridos e desalinhados, olhos cansados e uma expressão de sono chamavam minha a atenção. Sozinhos, essas características não eram grandes coisas mas em conjunto naquele homem aumentaram a sua beleza.

—Obrigado por me receber — Decidi me focar no trabalho antes da minha mente se perder em libertinagens — Nezu me avisou que não gosta muito da imprensa.

—Tem razão, eu não gosto de me envolver com a mídia, mas não sou contra a usar quando necessário — Sua voz baixa e aveludada aguçaram os meus sentidos.

—Se isso te tranquilizar, prometo não fazer uma matéria agressiva, apenas um artigo para alertar as pessoas, e quem sabe, conseguir alguma ajuda.

—Farei isso como um favor ao Nezu, apenas isso.

—Por mim tudo bem — Sorri o mais sincero que pude — O senhor pode me dar qualquer informação que julgue cabível de ser divulgada e ficarei fora do seu caminho.

—Qualquer uma?

—Sim, qualquer uma, por mais efêmera que pareça. Eu só quero fazer o meu trabalho sem atrapalhar o seu.

Ele sorriu e estendeu a mão para mim, Katsuki voltou com minha garrafa de água gelada no momento em que nos cumprimentamos e torceu o nariz para nós. Saí da delegacia com o cartão dele, o laudo da perícia e um resumo extra oficial da investigação. Eu já estava no estacionamento, pronto para sair de lá quando meu braço foi puxado para trás e meu corpo se chocou com o carro ao lado da minha moto.

—O que pensa que está fazendo aqui, Deku? — Katsuki disse sem soltar meu braço, o rosto transtornado perto do meu

—Trabalhando. Agora, me solte.

—Eu não sei quem você pensa que é para vir xeretar onde não foi chamado, mas fique longe disso!

—Está preocupado comigo? Você é tão fofo!

Fiz um carinho na sua têmpora e desci meu dedo devagar pelo lado do seu rosto até o lado do seu pomo de Adão. Ele engoliu seco e fechou um pouco os olhos. Eu também sorri quando apertei os dedos envolta do seu pescoço e o obriguei a me soltar.

—Mas eu não preciso da sua proteção, seu desgraçado! Você perdeu o direito de pedir explicações quando resolveu espalhar aqueles malditos boatos!

Joguei seu corpo para longe e subi na minha moto o mais naturalmente que eu podia, a expressão no meu rosto impassível quando liguei minha moto e saí de lá. Bakugou ficou parado segurando o pescoço e eu temi que ele pudesse ver minhas lágrimas pelo vidro escuro do capacete.



Desde jovem eu sabia que não era normal, pelo menos não da forma que meu pai queria. Eu era tímido, reservado e ansioso. Gaguejava um pouco quando me sentia pressionado e tinha o costume de resmungar sem parar. Eu tinha apenas um amigo que eu chamava de Kaa-chan. Para mim ele era incrível, enérgico e corajoso.

Meu pai veio de uma família rica e influente em Suna, gerações de médicos conhecidos compunham a sua árvore genealógica, ele foi um atleta famoso e medalhista nacional no judô e se orgulhava disso. Seu sonho era ter um filho forte e habilidoso como ele. No começo, eu não o julguei. Meu avô sempre falava com orgulho dele, então achei que ele desejasse sentir esse mesmo orgulho de mim e por isso era exigente.

Conforme eu crescia, mais a diferença entre nós se tornava clara e mais meu pai nos comparava, o medíocre e o superior. Mas mesmo assim, Kaa-chan me tratava bem. Eu lembro que quando tinha dez anos eu fui aceito na equipe de ginástica rítmica da escola, cheguei em casa alegre na sexta feira para contar ao meu pai, mas ele não ficou feliz, pelo contrário, pela primeira vez na vida ele me bateu, um soco seguido de outro e por fim um chute na minha barriga.

Ele gritava sobre não merecer que o filho ficasse saltitando como uma gazela na frente das pessoas, sobre como isso iria o envergonhar e outras coisas que eu não lembro, pois ele bateu a porta do meu quarto e me deixou sozinho. Kaa-chan apareceu mais ao entardecer para jogarmos vídeo game e foi ele quem me ajudou a me levantar e me limpar. Foi ele quem cuidou dos meus machucados e ficou ao meu lado.

Minha mãe estava em uma viagem de negócios naquele fim de semana, e eu não  contei para ela o que aconteceu.     

Kaa-chan era o meu confidente e meu refúgio quando as coisas se tornavam pesadas demais, pelo menos até os meus quinze anos. Eu estava na sua casa, assistimos um filme juntos quando notei que ele dormia no meu colo. Por quase um ano tentei ignorar aquele sentimento, achei que fazendo isso ele iria sumir, mas não. Cada dia ao lado dele se tornou uma tortura, pois eu queria tocar no seu rosto, afagar o seu cabelo e sentir a textura dos seus lábios, eram meu sonho.

Ele estava dormindo tão profundamente que eu achei não haver problemas. Eu abaixei meu rosto e beijei sua bochecha, não tinha coragem de fazer nada além disso, mas foi o suficiente para um garoto iludido e apaixonado como eu. O que eu não contava era que ele abriria os olhos justo naquele instante.

Que porra você estava fazendo? -Ele rosnou a pergunta com os dentes trincados ao se levantar

Nad-nada. Não fiz nada  Respondi em pânico, eu nunca tinha visto tamanha fúria explodindo nos seus olhos.

Você me beijou?

Não! Eu juro!

Não minta, seu viadinho imundo  Ele apertou minha garganta e me empurrou contra o colchão  Você me beijou?

Na bochecha, só isso, eu juro!  Falei enquanto tentava afastar sua mão.

Por que você fez isso? Hã?

Por que eu... eu... gosto de você.

Ele soltou meu pescoço e eu tossi em busca de ar. Katsuki se afastou de mim como se eu tivesse uma doença contagiosa e aquilo doeu mais do que minha garganta machucada.

Saia daqui!

Kaa-chan por favor... não foi nada demais!

Saia daqui e não volte! — Ele tinha começado a gritar e me chutou para sair de lá.

Mal consegui pegar a minha mochila antes dele fechar a porta com força nos meus dedos, mesmo que eu gritasse ele não soltou a porta, ao contrário, a prensou e bateu mais ainda até que a dor ficou intensa e eu comecei a chorar desesperado.

Minha mãe me levou para o hospital naquela noite, eu contei que fui assaltado e recusei entregar meu celular, por isso meus dedos foram quebrados. Minha mãe brigou comigo por ser imprudente e eu chorei como uma criança pequena no seu abraço, não por causa da dor física mas sim por causa da dor no meu peito que estava quase me sufocando.

Meu pai não fez nada por mim, apenas me olhou como se eu fosse um fraco e inútil. Talvez eu fosse, por ter mentido.

Fiquei em casa por dois dias e quando voltei para a escola, os boatos já  haviam se espalhado.



Minha mãe se mudou após o casamento, e com as mudanças naquela cidade eu estava perdido, meu celular descarregou e não pude usar o GPS para me guiar. Suspirei um pouco antes de parar minha moto e esperar alguém aparecer para me informar. O calor abrasador foi substituído por um vento forte que trouxe nuvens densas e negras no céu, pelo menos se chovesse poderia refrescar um pouco, eu torcia para isso acontecer.

Um jovem caminhava cabisbaixo e com touca, usava uma mochila a tiracolo e roupas leves. Ergui meu visor e fiz um sinal com a mão. Ele olhou para mim sem muito interesse, mas se aproximou mesmo assim.

—Desculpe, pode me dizer como chego nesse endereço?

Mostrei o papel e ele tirou o capuz para ler melhor. Ele tinha cabelos lisos e sedosos, metade brancos puros e metades ruivos, diferente, únicos, como ver uma fogueira através de um pote de mel, e se só aquilo não bastasse ele tinha olhos heterocromáticos, o esquerdo tão intimidador quanto a tempestade acima de nós e o outro azul turquesa tão límpido e vivo, nem mesmo a cicatriz envolta deles diminuía a sua beleza. Sua voz grave combinava perfeitamente com sua figura.

—É na mesma rua da minha casa, se não ligar de me seguir posso te levar até lá.

—Tudo bem — Desci da minha moto e a coloquei no ponto morto para caminhar ao seu lado — Desculpe te atrapalhar.

—Tudo bem, eu estava sozinho mesmo.

—Voltando da escola?

—Treino.

—De qual esporte?

—Natação — Ele disse simplista mas não o achei mal educado, apenas... direto.

—Interessante. Tem quantos anos?

—Dezoito e você?

—Vinte e sete. Faz faculdade?

—Sim, você sempre faz tantas perguntas?

—Sim, eu sou jornalista — Respondi rindo um pouco — Mas não precisa as responder se não quiser.

—Faço faculdade de advocacia, primeiro ano.

—Advocacia definitivamente não combina comigo.

—Nem comigo, mas é meio que uma tradição.

—O que você gostaria de fazer? — Olhei para ele e notei que seu rosto me lembrava alguém, mas confuso como eu estava não sabia dizer quem exatamente.

—Queria ser um nadador profissional, mas esse é um sonho distante.

—Não diga isso, você ainda é jovem, pode conseguir se quiser.

Ele deu de ombros e continuamos nossa conversa simples. Ele era um garoto fácil de conversar, calmo e sincero. Eu nem notei o caminho que fizemos, só percebi quando ele indicou a casa dele e se despediu. Eu busquei o número e vi que ele morava ao lado da minha mãe, e só então notei que não nos apresentamos. Parei no portão grande de ferro e apertei o interfone no instante que a chuva começou a cair.

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