Negócio Fechado

By _Nix81

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[Reta Final | Em Revisão] Não estava nos planos de Henrique repetir o último ano do ensino médio, mas, quando... More

Em Breve
Notas Iniciais
Capítulo Um
Capítulo Dois
Capítulo Três
Capítulo Quatro
Capítulo Cinco
Capítulo Seis
Capítulo Sete
Capítulo Oito
Capítulo Nove
Capítulo Dez
Capítulo Onze
Capítulo Doze
Capítulo Treze
Capítulo Catorze
Capítulo Quinze
Capítulo Dezesseis
Capítulo Dezessete: Parte I
Capítulo Dezessete: Parte II
Capítulo Dezoito
Capítulo Dezenove
Capítulo Vinte
Capítulo Vinte e Um
Capítulo Vinte e Dois
Capítulo Vinte e Três
Capítulo Vinte e Cinco
Capítulo Vinte e Seis
Capítulo Vinte e Sete
Capítulo Vinte e Oito
Capítulo Vinte e Nove
Capítulo Trinta
Capítulo Trinta e Um
Capítulo Trinta e Dois: Parte I
Capítulo Trinta e Dois: Parte II
Capítulo Trinta e Três
Capítulo Trinta e Quatro
Capítulo Trinta e Cinco
Capítulo Trinta e Seis
Capítulo Trinta e Sete
Capítulo Trinta e Oito
Capítulo Trinta e Nove

Capítulo Vinte e Quatro

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By _Nix81

— Já se passaram quinze minutos e eles continuam conversando — Ayla virou-se para trás, fixando seu olhar em Babi, que também observava com atenção os dois garotos, parados a alguns metros de distância de onde elas estavam. — Isso é bom, certo?

— Certo.

— Se o Santi quisesse bater no Henrique, já teria feito isso há muito tempo.

— Sim.

— Ou então não — pensou consigo mesma, horrorizada com todas as possibilidades existentes. — Talvez ele só esteja se segurando e a qualquer momento vá explodir e — suspirou, nervosamente. — Dar um soco naquele rostinho lindo.

Babi até tentou se segurar, mas quando escutou aquelas duas últimas palavras saltarem para fora da boca de sua amiga, sorriu, erguendo as duas sobrancelhas de maneira sugestiva. Já Ayla, presa em sua preocupação interior, demorou um tempo até parar e perceber o que havia dito. Quando enfim o fez, o estrago, infelizmente, já estava feito.

— Naquele rosto completamente normal e comum — corrigiu-se, sentindo sua voz trêmula. — Foi o que eu quis dizer. Sem diminutivos. Entendeu? É que... — baixou a cabeça. — É que eu falei errado.

— Claro, amiga, entendo perfeitamente a sua situação. Acontece comigo pelo menos duas vezes por semana — disse, com os olhos semicerrados em uma falsa seriedade. Em resposta, a garota torceu os lábios.

Sentindo-se incapaz de conter suas mãos e a si mesma por mais tempo, a garçonete riu baixinho, apressando-se em apertar e balançar, de um lado para o outro, as bochechas da funcionária do cinema.

— É tão fofinho quando você tenta esconder o que sente pelo Henrique e falha miseravelmente. Perde toda sua pose de “aí, não me toque, não tenho sentimentos”.

— Não tem nada de “fofinho” nisso! — resmungou, fugindo para longe de seu alcance. — O que você tem contra as minhas bochechas, hein? — passou a mão pelo rosto, começando a massageá-lo com cuidado. — Isso dói, ok? Não é legal.

— Fofa — alargou seu sorriso ainda mais.

— Não me chama de fofa — apontou o dedo em sua direção, tentando parecer realmente irritada, o que, na verdade, só contribuiu ainda mais para que Babi pensasse o exato oposto ao seu respeito.

— É o amor, pequeno gafanhoto — segurou em seu ombro, como se estivesse lhe repassando um conselho milenar. — É o amor.

Tudo bem. Ayla precisava confessar algo.

Talvez ela estivesse ficando um pouquinho menos carrancuda. E talvez, Henrique possuísse um pequeno papel de destaque naquela sua inesperada mudança.

O fato era que, ultimamente — e com isso queria dizer, desde que havia se declarado para ele — as qualidades do garoto pareciam querer se sobressair sobre seus defeitos, que naquela altura do campeonato, eram quase inexistentes. Assim, em momentos completamente aleatórios, se pegava refletindo sobre o quanto ele era engraçado, gentil, bonito, gostoso. Cheiroso!

No quanto ele era cheiroso. Foi o que quis... Pensar.

Voltando: Ayla sabia que tudo aquilo era apenas um efeito colateral da tal paixão que estava sentindo por Henrique. Ok. Havia entendido aquela parte com clareza. A questão toda era que, estava um pouco receosa em relação às coisas que deveria fazer. Quer dizer, podia simplesmente sair por aí beijando o filho do prefeito sempre que quisesse, ou aquilo era algo muito avançado?

Estava pensando demais.

Precisava parar de seu preocupar tanto e deixar com que as coisas acontecessem naturalmente. Era isso. Ia deixar “rolar”.

— Poxa, eles não vão mesmo dar comida de graça — piscou rapidamente ao escutar a voz irritada de Babi ao seu lado e relaxou o corpo, resolvendo concentrar-se por inteiro em seu desabafo. — Que maldade.

Ayla projetou seus olhos por todo o ambiente, a fim de estudar as barracas montadas que haviam por ali. Realmente, nenhuma delas estava dando comida de graça. Nenhuma, ao não ser...

— Olha lá, a vinícola tá distribuindo os vinhos — constatou, apontando disfarçadamente para a enorme mesa que havia próxima ao palanque.

Lotada de garrafas, uma fila consideravelmente grande de pessoas estava formada ao seu redor, enquanto dois homens encarregavam-se da tarefa de entregar as bebidas.

— Sim, é uma tradição — explicou Babi, já acostumada com aquela cena. — Começou há muito tempo com o Vitório Montenegro, avô do Henrique, e continuou até os dias de hoje. Mas como os vinhos têm álcool, só recebe quem é maior de idade.

Ayla estaria mentindo ao dizer que “álcool” não havia sido a única palavra que prestara atenção em toda aquela miniaula de Babi sobre tradições.

Havia sido a única.

Fitou mais uma vez a mesa cheia de vinhos, sentindo, instantaneamente, um arrepio subir por toda sua pele. Prendeu a respiração, procurando não dar forças àquela necessidade que começava a se erguer dentro de si. Não precisava beber nada. Não precisava. Era só ignorar. Se ignorasse, daria tudo certo.

— Tudo bem? — um vinco de preocupação formou-se em meio a testa de Babi, que, hesitante, aproximou-se de Ayla, tocando em seu braço com delicadeza.

— Sim — respondeu prontamente, forçando um pequeno sorriso.

— Tem certeza? Você-

— Como andam as coisas com o Isaac?

A garçonete estreitou os olhos com aquela interrupção, ainda desconfiada da compostura da morena à sua frente. No entanto, sabendo que seria extremamente difícil e cansativo arrancar qualquer informação dela, inspirou profundamente, deixando-se levar pela menção do nome do garoto.

— A gente ainda não conseguiu encontrar um dia legal pra marcar o nosso encontro. Ele vive ocupado com os grupos de estudo e coisas afins, enquanto eu, passo a maior parte do tempo na escola ou no Kaos — arrumou um cacho atrás de sua orelha, parecendo verdadeiramente radiante. — Não que faça muita diferença. Nos falamos toda hora por mensagem, o que provavelmente, já conta como uns quatro encontros.

Ayla sorriu para a animação da garota de cabelos castanhos, que continuava a gesticular sem parar, relatando com detalhes seu glorioso romance com Isaac.

Gostava de vê-la daquele jeito. Feliz. Era uma ótima sensação. Por isso, gritou internamente quando desviou o olhar dela por alguns segundos e deu de cara com o primo de Henrique, caminhando timidamente em direção as duas.

— Oi, Ayla — acenou, risonho, com sua mão livre, parecendo segurar alguma coisa com a outra, escondida atrás de suas costas.

— Oi, Isaac — cumprimentou, simpaticamente, logo reparando no terno que ele estava vestindo. Diferente do de Henrique, o seu era de uma cor bege clara, quase branca. Seus cabelos estavam bem penteados e era nítido que havia utilizado algum tipo de gel neles.

— Oi, Babi — aproximou-se devagar da garota, carregando um sorriso contido, mas indiscutivelmente encantado no rosto. — Você tá muito bonita — disse, a encarando da cabeça aos pés.

— "Tô"? — inclinou-se para frente, intimidadora. — E nos outros dias? Eu não tava? — ele abriu a boca, pronto para respondê-la, mas fora rapidamente impedido por sua mão levantada, em um pedido silencioso para que a esperasse acabar de falar. — Espera. Você tá, na verdade, confirmando que me acha feia?

— Eu, eu... E-eu não. Não! Claro que não. Você é bonita todo dia. Desculpa não ter falado antes. Agora vou falar toda vez — afirmou, nervoso.

Alguns segundos de tensão se fizeram presentes.

E então, Babi explodiu em uma risada.

— Ownt — o envolveu em um abraço. — Eu tava só brincando — Isaac soltou o ar, sentindo-se como se um peso houvesse sido retirado de seu peito. — Não precisa me levar a sério toda hora.

— Até porque, na maior parte do tempo, ela se faz de palhaça — complementou Ayla, recebendo uma olhadela feroz da amiga. — O quê? Eu só falei a verdade.

— Enfim — continuou, exasperada, optando por ignorar a fala da morena. — Você também tá bonito. Essa roupa te deixou incrivelmente sexy — mordeu os lábios, escorregando a mão direita pelo braço do garoto.

— É mesmo? — analisou o terno que estava usando, sem jeito. — Obrigado — sorriu, confiante, o que era algo bem difícil de acontecer. — Eu posso... — tensionou os ombros. — Dar um beijo na sua bochecha?

Ao notar que estava servindo de plateia para as demonstrações de carinho entre os dois, Ayla engasgou-se com o ar, começando a tossir fortemente.

— Desculpa — disse, levantando os braços. — Acho melhor eu ir embora. Vocês claramente precisam de privacidade e eu só tô atrapalhando — virou-se, caminhando para longe. — Divirtam-se. Até mais.

Mesmo distante, Ayla ainda conseguia escutar as altas risadas que os dois compartilhavam sem nenhuma vergonha. Quando olhou para trás, por uma última vez, viu Isaac estender uma rosa-vermelha em direção a Babi, que aceitou sem protestos, dando vários pulinhos de entusiasmo.

— É oficial: nenhum ser humano é capaz de resistir ao meu charme — Henrique esforçava-se ao máximo em parecer orgulhoso de si mesmo, enquanto mantinha as mãos apoiadas na cintura e um brilho intenso no olhar.

— Não exagera. O Santi apenas firmou um acordo de paz com você, não fez nenhuma declaração de amor — rebateu Ayla, voltando a caminhar.

Admitia que ainda estava surpresa com a facilidade com a qual as coisas haviam sido resolvidas entre os dois garotos. Quer dizer, meia hora de conversa e já pareciam amigos de infância? Talvez devesse testar aquilo com Maria.

Henrique, no entanto, agia como se a queda do Muro de Berlim tivesse sido anunciada há poucos minutos atrás.

— Ah, Robozinha, sabe que é verdade — defendeu-se, apressando o passo para chegar ao seu lado. — Você é a prova viva disso; falou que não me beijaria nem se eu fosse o último homem da face da Terra e olha só onde nós chegamos: encontros e confissões de amor.

— Você nunca vai esquecer da minha declaração, né?

— Claro que não — afirmou, segurando em sua mão. — Aquele foi, sem dúvidas, um dos melhores dias da minha vida e eu espero que meu cérebro tenha sido bem esperto ao guardar ele em uma gaveta especial de memórias.

Ayla sorriu.

Quantas vezes, durante àquele dia, havia realizado tal ato? Talvez tivesse superado algum tipo de recorde.

— Henrique — pronunciou seu nome em um tom baixo, quase sussurrando. Ele não demorou muito para notar a o jeito diferente em sua voz. Sua expressão divertida, repentinamente havia se convertido em uma mais frágil. Delicada. Ela suspirou. — Eu tô feliz.

De imediato, o garoto não conseguiu entendê-la. E sim, poderia culpar sua lerdeza por aquele feito, mas Ayla também sabia que não havia sido clara o suficiente em sua frase.

— É que fazia um bom tempo que eu não me sentia assim — explicou, baixando a cabeça por um instante. — É bom. Eu tinha esquecido que é bom — seus olhos estavam marejados. — Você me ajudou a lembrar — voltou a encará-lo, aproximando-se lentamente. — Obrigada.

Henrique tinha plena consciência de qual atitude tomar naquele momento. Precisava dizer para Ayla que não; ela não deveria agradecê-lo. Que a felicidade que estava sentindo era um mérito unicamente seu. Era para ele ter falado aquilo. Ele ia falar aquilo. Entretanto, quando abriu a boca, a experiência a qual desfrutou não foram a daquelas palavras escapando para fora de seus lábios. Antes que isso pudesse acontecer, eles foram calados, sendo perfeitamente preenchidos pelos de Ayla.

Assim como na noite de seu aniversário, Henrique foi surpreendido mais uma vez.

Ela segurou em seu rosto delicadamente e ele sentiu a quentura de seus dedos preenchê-lo por inteiro, provocando pequenas faíscas por todo seu corpo. O beijo foi breve, durando menos de um minuto, mas quando Ayla se afastou, enroscando seus braços ao redor do pescoço de Henrique e imaginando que havia sido precipitada demais ao beijá-lo na frente de todos, arfou, desconcertada, ao dar de cara com um enorme sorriso a esperando.

— Ayla... — abraçou sua cintura. — Você adora brincar com o meu coração, não é?

— Talvez — deu de ombros.

— Eu sabia — apontou falsamente em sua direção. — Culpada.

Ayla soltou uma risada e cruzou os braços, decidindo entrar na brincadeira do garoto.

— Certo, qual pena eu vou ter que pagar?

— Hmm — apoiou o queixo na mão, tentando parecer pensativo. — Você vai ter que participar de um jogo comigo.

— Jogo?

— Sim — confirmou, puxando-a em direção a um banco que havia próximo dali. Ele se sentou, apontando com a mão para que ela fizesse o mesmo. — De perguntas e respostas — Ayla suspirou, confusa. — Sabe, quando eu te segui até o Tártaro você me deu a permissão de tirar algumas dúvidas a respeito da sua vida.

Ela endureceu o rosto.

— E?

— Eu não consegui descobrir todas as coisas que eu queria — respirou fundo. Era estranho como de repente o clima havia ficado pesado. Henrique observava Ayla abrir e fechar a mão, diversas vezes, evitando a todo custo encará-lo diretamente nos olhos. — Acontece que durante esses últimos dias, a minha lista de perguntas aumentou, e pra ser justo, eu também vou te responder algumas.

— Eu não acho que isso seja uma boa ideia.

— Por que não?

— Eu não preciso saber como você era há dois anos, Henrique. E você não precisa saber como eu era também. Que diferença isso vai fazer?

Ayla sabia que havia prometido a Henrique lhe responder todas as perguntas que ele quisesse. Mas colocar aquela promessa em prática era algo muito mais difícil.

— Não é essa a questão — adiantou-se em falar. — Eu não sei que tipo de imagem eu passei pra você no meu primeiro dia de trabalho, mas eu sei que, superficialmente, posso aparentar ser o tipo de cara que não quer nada sério com ninguém.

— Eu sei que você não é assim — assegurou.

— Eu sei que você sabe — riu fracamente. — Mas eu quero garantir que você entenda de uma vez por todas as minhas intenções. Eu não pretendo que você seja só mais uma garota que passou pela minha vida. Eu preciso que você permaneça nela.

— Eu... Eu também quero que você fique na minha — confessou, sem fazer rodeios. Não era mais necessário que hesitasse em demonstrar seus sentimentos para Henrique. Ele tinha o direito de saber que era igualmente correspondido. — Ok, vamos falar sobre as nossas vidas.

— É sério? — indagou, surpreso, recebendo um aceno de cabeça em resposta. — Tudo bem. Eu faço a primeira pergunta — Ayla puxou o ar com força. — Naquele dia, no terraço do cinema, você disse que não tava conseguindo dormir. Por quê?

— Porque eu tenho pesadelos — respondeu rapidamente. — Minha vez: me conta uma coisa que eu não sei sobre você.

— Minha mãe tem depressão — não era algo que Henrique tinha vergonha de contar. Sua vida era um livro aberto e o único segredo que realmente escondia de todos era o caso de seu pai com Fátima, coisa que Ayla já sabia. — O que você vê nos seus pesadelos?

— Chuva. Como lida com a sua mãe?

— Foi difícil no começo. Quando ela começava a chorar e dizia que queria se matar, eu não sabia o que fazer e me desesperava. Eu tinha 12 anos e ficava sozinho em casa cuidando dela, enquanto meu pai passava o dia todo fora. Tinha medo de não ser um motivo suficiente pra ela continuar viva — fechou os olhos, em uma tentativa de expulsar aquelas memórias de sua mente. — Eu vi um porta-retrato na mesa de cabeceira do seu quarto. Quem é?

— Um amigo — disse, retraída. — Eu sinto muito pela sua mãe.

— Ela é uma boa pessoa. Não gosto que seja vista apenas como alguém que tem depressão. Quer dizer, continua sendo uma doença, assim como qualquer outra. Entende? — Ayla acenou positivamente. — Você ainda fala com o seu amigo?

— Não.

— Vocês brigaram?

— Não — suspirou. — Eu conheci o Danilo quando eu era criança. Filho do pastor da cidade, um verdadeiro prodígio e futuro estudante de medicina. Era como um irmão mais velho pra mim.

— E por que não se falam mais?

— Porque ele tá morto.

Silêncio.

Ayla virou o rosto de lado. Não queria olhar para Henrique e se deparar com aquela expressão que sempre recebia de todas as pessoas: Pena.

Não queria aquilo.

O garoto engoliu em seco, tentando se recompor.

— Ayla, eu-

— Henrique!

Ah, não. Por que alguém estava chamando por seu nome justo naquele momento? Ele se virou para trás, visualizando sua mãe de longe acenando, sorridente, em sua direção. Seu pai estava ao lado dela, mas sua atenção estava completamente voltada para o casal de um homem e uma mulher. Como eles estavam de costas, não conseguiu ver seus rostos.

— Vem aqui, filho. Aproveita e trás sua namorada, quero conhecê-la.

— Namorada... — Ayla sussurrou, em choque.

— Devagar, aí, dona Helena, a gente ainda não tá namorando! — gritou de volta. — Você não precisa fazer isso, se não quiser — levantou-se, apoiando a mão em seu ombro. — Eu invento alguma desculpa e encontramos um lugar mais calmo pra acabarmos de conversar. Você tá tremendo, Ayla — constatou, sentindo suas próprias mãos vibrarem ao entrarem em contato com a pele da garota. — Desculpa, se eu soubesse, jamais teria te incentivado a falar sobre isso.

— Não tem problema. Eu posso ir.

Um pouco receosa, posicionou-se ao seu lado. Suas pernas pareciam gelatinas e não sabia explicar exatamente como ainda estava conseguindo manter-se de pé. Enquanto caminhavam, Henrique temia que, a qualquer momento, Ayla fosse se desintegrar e sumir, bem ali, na sua frente.

— Oi, mãe — a cumprimentou, depositando um beijo em seu rosto.

Ayla estancou em seu lugar, um pouco distante dos dois. Estava com medo. Não apenas dos pais de Henrique.

De tudo.

Massageou suas têmporas, o ruído das conversas das pessoas ao seu redor alto demais. Incômodo. Suas mãos ainda estavam tremendo. Por que não paravam de tremer?

— Mãe, essa é a Ayla — Henrique pegou em sua mão, a puxando para mais perto. — Tá tudo bem, eu tô aqui — sussurrou em seu ouvido.

— Prazer, eu sou a Helena — a mulher sorriu. Um sorriso verdadeiro. Como se realmente estivesse feliz em conhecê-la. — O Henrique fala muito de você, me desculpe por ter falado que os dois eram namorados, não quis deixá-la desconfortável.

— Não precisa se desculpar — garantiu, buscando firmeza em sua voz. — É um prazer conhecer a senhora. Só ouvi elogios ao seu respeito.

Ela estava indo bem, certo? Ou será que estava parecendo forçada demais? Falsa, talvez? Esperava que não. Não queria estragar tudo.

— Ah, não é para tanto — banalizou Helena, encabulada. — Sérgio — proferiu o nome do prefeito de Vinberurbo, que continuava conversando com o casal. — Vem aqui conhecer a Ayla. Ele está recepcionado os visitantes — informou. — Aquele ali é o pastor de uma cidade vizinha, e aquela é a esposa dele — apontou discretamente para os dois.

— Pastor?

Ayla poderia jurar que seu coração havia parado bater por alguns segundos.

Não precisou de nenhuma confirmação para saber sobre quem ela estava falando. Quando o homem e a mulher se viraram junto com Sérgio, teve certeza. Eram eles.

Os pais de Danilo.

— Você — a voz rígida e forte da mãe de seu amigo ecoou claramente por toda sua cabeça. Eram as mesmas pessoas. Mais de um ano e não haviam mudado nada. — O que essa garota está fazendo aqui? — a raiva. Conseguia ver a raiva tomar de conta da face da mulher.

— Como assim? A Ayla mora aqui — disse Helena, desnorteada.

Henrique assistia a toda aquela cena bastante confuso. Não fazia a mínima ideia do que estava acontecendo, mas, sem pensar duas vezes, moveu-se, colocando-se rapidamente atrás de Ayla. Ela estava paralisada.

— Ah, então foi pra cá que você veio? — inquiriu, com escárnio. O marido segurou em seu braço, tentando controlá-la. — Não, Renato! — esquivou-se. — Eu preciso falar — andou para frente. — Você é a culpada. Meu filho morreu por sua causa.

Ayla cambaleou para trás, chocando-se contra o corpo de Henrique. A festa parecia ter parado. A atenção estava toda neles. Nela. A atenção estava nela. Por que as pessoas não paravam de encará-la?

— Eu... — baixou o olhar, exasperada. Onde estava o ar? Não conseguia encontrá-lo. — Eu não... — parou de falar. Um estalo. A ardência em sua bochecha. Demorou alguns segundos para entender o que havia acontecido. Mas quando percebeu sua cabeça virada para o lado. Quando percebeu a mão da mulher erguida, entendeu tudo. Havia levado um tapa.

— Ele era o meu único filho! — agarrou em seus braços, cravando as unhas em sua pele. Ayla soltou um gemido de dor. — Tinha toda uma vida pela frente. Mas você acabou com tudo! — aumentou o aperto. — Você levou ele pra morte.

Impaciente e indignado, Henrique tomou a frente da situação, empurrando a mulher para longe. O que ela achava que estava fazendo?

— Clara, por favor, tenha calma. Estamos em um evento público — disse o pastor, a puxando para longe. Ainda que estivesse transtornada, o homem conseguiu contê-la, levando-a para um canto afastado dali. Para longe dos olhares. Os olhares. Todos na festa haviam parado de conversar para escutar a discussão. Agora que o casal tinha saído de cena, só havia restado uma coisa: o silêncio.

Henrique virou-se para trás, ignorando todas aquelas pessoas curiosas. Na esperança de encontrar Ayla ao seu lado. Mas ela não estava lá. Encarou sua mãe e em seguida seu pai. Estavam chocados. Assim como ele. Os murmúrios começaram a surgir. Comentários tentando desvendar o que acabara de acontecer.

— Henrique — um toque em seu braço o despertou. Era Babi. Santi e Isaac puseram-se ao lado da garota, igualmente preocupados. — Cadê a Ayla? Pra onde ela foi?

— Eu não sei, eu me distraí. Quando me virei, ela não tava mais aqui.

Santi passou a mão pelo rosto, inquieto.

— Vai atrás dela. Ela não deve ter ido muito longe.

— Mas vocês...

— Vai logo! — Babi exclamou. — Muita gente agora só vai deixar ela pior.

Henrique acenou em concordância, apressando o passo em meio a multidão. Estava no automático. Não sabia o porquê daquela mulher ter acusado Ayla de ser a culpada pela morte de seu filho. Mas tinha certeza de sua inocência. Sabia que ela não era capaz de fazer mal a ninguém.

Quando finalmente saiu para fora do terreno da vinícola, a música da festa já havia voltado. Observou algumas pessoas caminhando pela rua, mas nenhuma delas era quem ele queria encontrar. Andou mais um pouco, examinando o local. Onde ela estava? Curvou-se, tentando pegar um pouco de fôlego e então aconteceu. Ele a viu . Ayla estava sentada na calçada de um comércio qualquer, com a cabeça baixa, segurando algo...

Merda.

Henrique correu. Correu como se sua vida dependesse daquilo. Não demorou muito tempo para chegar onde a garota estava. Agachou-se ao lado dela, colocando uma mecha de cabelo para trás de sua orelha. Ayla levantou o olhar. Seus olhos estavam vermelhos, assim como seu rosto, mas esse era por causa do tapa. Ele examinou seus braços, encontrando alguns arranhões em sua pele e logo se lembrando da forma bruta que a mulher havia lhe segurado.

— Eu peguei uma garrafa de vinho — sua voz estava fraca, trêmula. Quebrada. Mas não havia lágrimas. Ela não estava chorando. — Mas eu não consegui beber — Henrique olhou para o objeto em sua mão, envolvido pelo rótulo da vinícola de sua família. Enroscou seus dedos ao redor da garrafa, a puxando lentamente para longe de Ayla.

— Você fez bem. Fez muito bem — sentou-se ao seu lado. — Conseguiu se segurar e é isso que importa.

Ela o fitou, desconfiada. Não era verdade. Henrique estava falando aquilo apenas para fazê-la se sentir melhor.

Suas pálpebras estavam tão pesadas. Sentia um nó em sua garganta, mas não conseguia chorar.

— Eu não queria que ele morresse.

Ele assentiu, sabendo que era verdade. Segurou em sua mão, incentivando-a a continuar.

— Eu só... Eu tinha bebido demais e não tava me sentindo bem — piscou, sentindo flashes de memórias a atingirem. — Mas tava chovendo... E... Não tinha ninguém naquela festa pra me ajudar. Eu só precisava que alguém me ajudasse a ir pra casa... Era só isso, Henrique.

— Eu acredito em você.

— Eu liguei pra ele, pedindo pra me buscar. Ele me colocou dentro do carro e disse que ia cuidar de mim, mas... a pista tava molhada e tinha tanta, tanta chuva. E então... — uma lágrima escorreu pelo seu rosto — ...ele perdeu o controle e o carro capotou.

Henrique engoliu em seco, completamente afetado.

— Eu tentei ajudar ele. Eu tentei. Mas tinha muito sangue e ele não acordava, não me respondia. Eu não consegui encontrar o celular pra ligar pra ambulância, eu não consegui — esfregou os olhos, tentando limpar as lágrimas que haviam ali. — Eu sinto muito. Eu não queria que ele morresse, eu juro que eu não queria — levantou-se, sentindo-se sufocada.

— Ei, eu sei que não. Eu acredito em você — tentou tocá-la, mas Ayla foi rápida em fugir para longe de seu alcance.

— A mãe dele tá certa, não é? O Danilo morreu por minha causa. Se eu não tivesse bebido daquele jeito e ligado pra ele ou... Se eu tivesse conseguido pedir ajuda, ele teria sobrevivido. Foi tudo culpa minha — sussurrou. — Foi tudo culpa minha.

— Não. Não foi culpa sua, tá bom? Você não tinha como saber. Também tava no carro. Também podia tá morta agora.

O que mais ele deveria falar? Como poderia convencê-la de uma vez por todas?

— O que eu tava pensando? — se afastou ainda mais dele, sem ao menos prestar atenção em sua fala. — Que ia mudar de cidade e apagar tudo que aconteceu? Ter uma vida normal, ser feliz, enquanto ele tá lá, debaixo do chão, morto — divagou, chorando ainda mais e sem avisos, começou a andar para longe, deixando Henrique para trás.

— Pra onde você vai? — questionou, aflito, sentindo seu coração mais acelerado do que nunca.

— Eu preciso ficar sozinha.

— Ficar sozinha não é a solução. Me deixa te ajudar. Você tá machucada — apontou para seus braços. — De todas as formas.

— Eu só preciso ficar sozinha — repetiu, vendo os olhos do garoto brilharem. — Não se preocupa. Não vou fazer nenhuma besteira. Nada que eu faça pode mudar o que aconteceu.

— Ayla...

— Até mais, Henrique.

***
Obrigada por ter lido até aqui. Se tiver gostado/odiado esse capítulo, deixe o seu voto.

Até mais 💜.

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