— Seja bem-vindo ao Kaos! Vai querer pedir alguma coisa?
A voz calma e feminina fez Henrique levantar o olhar e fitar a garota que possuía um coque no topo da cabeça e o encarava com um sorriso simpático no rosto. Ela segurava uma caneta vermelha e um pequeno bloco para anotar os pedidos.
— Eu nunca tinha te visto por aqui — Disse ignorando sua pergunta e lançando-lhe um sorriso galanteador.
Talvez ele estivesse um pouco enferrujado em relação as suas cantadas, mas não era de se admirar, fazia um bom tempo desde a última vez que havia ficado com alguma garota.
Duas semanas para ser mais exato.
— Eu comecei a trabalhar aqui há pouco tempo — Justificou-se serenamente. Ela realmente era bastante bonita. A cor de sua pele combinava perfeitamente com o tom castanho de seu cabelo e sua voz era agradável de se ouvir.
— Eu também ingressei no mundo do trabalho há pouco tempo. Olha só, já temos uma coisa em comum — Relaxou o corpo na cadeira e a garota soltou uma pequena risada. Seu rosto era bem jovial, ela deveria ser mais ou menos da idade de Henrique.
— Já percebi que você é do clube dos paqueradores — Colocou a mão na cintura e abriu um pequeno sorriso. — Mas desencana, eu resolvi tirar esse ano só pra mim, sabe? Ficar mais próxima da natureza, apreciar a arte, como em um retiro espiritual.
— O que isso significa? — Questionou confuso.
— Significa: nada de garotos — Colocou a mão em seus ombros de forma amigável. — Uma pena, porque você não é de se jogar fora — Divagou encarando seu rosto e Henrique meneou a cabeça satisfeito com o elogio.
— Ah, por favor — Balançou a mão fazendo pouco caso da situação. — Continue.
— Ok, garoto paquerador dos olhos azuis — Voltou seu olhar para o bloco de pedidos em sua mão. — Não vai mesmo querer alguma coisa?
Comida.
Estava tão empenhando em impressioná-la que nem se atentou a melhor coisa que existia naquele lugar.
Ele rapidamente puxou o cardápio que havia em cima da mesa e deu uma rápida olhadela nas diversas opções deliciosas que haviam escritas ali. O DJ ou seja lá quem estivesse cuidando da música, enfim havia resolvido colocar alguma coisa com letra. Henrique não fazia a mínima ideia de quem era o artista, mas batia o pé no chão em sincronia com a melodia.
— Eu vou querer um hambúrguer tradicional e uma porção de fritas.
— Tudo bem — Anotou depressa. — E pra beber?
Ele já tinha 18 anos e podia beber qualquer coisa que quisesse, mas estava prestes a ter uma conversa com Ayla e queria estar completamente sóbrio para escutar o que ela tinha a dizer.
— Refrigerante de laranja — Respondeu por fim depositando o cardápio na mesa.
A garçonete acabou de anotar o pedido no papel e virou-se em direção a cozinha.
— Espera — A chamou fazendo-a se virar. — Você não me disse seu nome.
— Babi — A resposta foi rápida, mas não havia saído da boca da garota a sua frente e sim de alguém atrás dele.
Ele se virou de lado, buscando descobrir sobre quem se tratava e arfou surpreso ao dar de cara com Ayla. Ela estava ofegante e possuía um pequena bolsa pendurada em seu ombro.
— Ayla, o que tá fazendo aqui? — Perguntou Babi atônita adiantando-se em caminhar em direção a garota.
— Eu vim conversar com o Henrique — Limitou-se a dizer enquanto recebia um rápido abraço da garçonete. Ela puxou uma cadeira e sentou-se de frente para o garoto que observava curioso a interação entre as duas.
— Esse é o Henrique? — Babi até tentou sussurrar, mas a tentativa de ser discreta não saiu exatamente como planejado, e ele a encarou, surpreso.
— Então quer dizer que você anda falando de mim por aí, Robozinha? — Ayla semicerrou os olhos com a provocação.
— Se me contar que o novo colega de trabalho virou um encosto na sua vida é falar de você por aí, então sim, seu nome não sai da boca da Ayla — Babi permitiu-se responder.
— Magoou — ele proferiu baixinho.
— Bom, eu tenho que ir. Já perdi tempo demais nessa mesa, se meu chefe descobrir, vai ficar uma fera — Falou rápido despedindo-se de Ayla e Henrique, que acenaram gentilmente enquanto a observavam afastar-se gradativamente da mesa dos dois.
— Será que esse chefe dela é parente da Medusa?
Ayla observava impaciente Henrique sugar o refrigerante da latinha, enquanto devorava com lentidão o enorme hambúrguer que havia pedido. Ela ainda estava um pouco cansada pela caminhada que havia feito de sua casa até o Kaos. Não tinha uma bicicleta como Henrique, por isso, sempre precisava ir a pé para todos os lugares.
— Tem certeza que não quer pedir alguma coisa? — Questionou o garoto a encarando um pouco preocupado. Não era possível que ela não estivesse pelo menos com um pouquinho de fome, ainda mais depois de ter andado tanto. Ayla apenas balançou a cabeça em negação e ele resolveu não insistir. — Aliás, por que não me disse que iria vir a pé? Eu podia ter te dado uma carona.
— Obrigada, mas eu passo.
Ele abriu a boca, ofendido.
— Além de ser preconceituosa comigo, ainda é com a minha bicicleta?
— Henrique, acaba de comer essa comida, pelo amor de Deus — respondeu entediada, fixando seus olhos na multidão.
Ele levou o último pedaço de hambúrguer em direção a boca e limpou seus lábios com um guardanapo.
— Então, de onde você conhece a Babi? — Havia achado estranho a intimidade entre as duas. Claro, elas poderiam ser amigas, mas era difícil imaginar Ayla tendo uma relação amigável com qualquer pessoa que fosse.
A garota de cabelos negros desviou sua atenção da pista de dança e abriu um pequeno sorriso. Aquilo era bastante raro.
— Ela é minha melhor amiga — Respondeu calmamente. Henrique arregalou os olhos e engasgou-se um pouco ao escutar suas palavras.
Ele estava dando em cima da melhor amiga de Ayla? Deus abençoa.
— Quer dizer que você possui emoções e ainda por cima relacionamentos sociais? — Colocou a mão no queixo tentando parecer impressionado. — Interessante.
Ayla lançou um olhar zangado em sua direção.
— Esquece isso — ajustou seus óculos. — Vamos direto ao assunto.
— Claro, claro — respondeu. — Você quer falar sobre a minha proposta, não é?
— Bem, sim — confirmou o fitando meio incerta. — Confesso que quando eu escutei essa ideia achei um absurdo, mas...
— Mas...?
— Mas quando eu cheguei em casa, consegui pensar melhor e talvez não seja tão absurda assim — brincou timidamente com a alça de sua bolsa em cima da mesa tentando não encará-lo nos olhos.
Henrique não estava conseguindo conter a emoção ao perceber que pelo menos uma vez na vida, Ayla estava concordando com ele.
— Isso quer dizer que-
— Sim, eu aceito a sua proposta — Levantou o olhar e respirou fundo. — Vamos descobrir quem roubou o cinema.
O garoto fechou os olhos tentando ficar calmo e não gritar de alegria no meio de todas aquelas pessoas. Não estava acreditando! Iria ter a oportunidade de ganhar todo aquele dinheiro da recompensa e finalmente conseguiria ir embora de Vinberurbo.
Ele levantou-se de supetão, circundou a pequena mesa onde estava sentado e sem aviso prévio puxou Ayla para um abraço.
— Muito, muito obrigado.
Ayla congelou no mesmo instante, sem saber o que fazer. Babi, que coincidentemente passava por ali com uma bandeja, ficou boquiaberta com a cena. Colocou a bandeja em baixo de seu braço, juntou as duas mãos formando um coração e disse baixinho: "eu shippo".
Ayla balançou a cabeça freneticamente tentando negar o que quer fosse que a garota havia pensado, mas o estrago já havia sido feito. Babi com certeza começaria a pesquisar coisas sobre o signo dos dois e tentaria juntar seus nomes em uma possível denominação para o "casal".
— Tá bom, também não precisa disso — afastou-se, fazendo-o se separar de seu corpo. — Abraços não fazem muito o meu estilo.
Ayla meio que ficou aliviada por Henrique não ter notado o quanto estava sem jeito. Na verdade, o garoto nem ligou muito para o seu "mau humor", simplesmente suspirou feliz e voltou a se sentar.
— Ok, precisamos estabelecer algumas regras antes de começarmos essa investigação — começou, séria, abrindo sua bolsa e puxando seu bloco de notas de lá.
— Você encontrou.
— É, tava no meu quarto, eu acabei esquecendo — Disse rapidamente abrindo o pequeno caderno e começando a folheá-lo. Henrique pôde notar que as páginas do bloco eram todas preenchidas por listas, nas quais todos os itens estavam numerados e riscados, sinalizando que já haviam sido concluídos.
— Então é isso que você faz? Listas?
— Digamos que eu seja um pouco viciada nelas — ela puxou uma caneta de dentro de sua bolsa e Henrique aproveitou o momento para dar uma espiada no bloco. Ele conseguiu enxergar uma lista que datava o dia em que ele havia começado a trabalhar no cinema.
— Tudo bem, as coisas básicas: se conseguirmos recuperar o bracelete de Alexandrita e ganharmos a recompensa, cada um fica com 50 mil — escreveu na folha branca. — Devemos manter o sigilo, falando sobre isso com poucas pessoas e apenas quando necessário, além de jamais escondermos alguma coisa um do outro em relação a esse caso. Mais alguma coisa?
— Você poderia me chamar de "meu caro Watson" — Acrescentou entusiasmado e Ayla olhou para cima tentando se manter calma. Na mesma hora, a animação do garoto se dissipou e ele soltou um pigarro tentando ficar sério. Não podia chateá-la, pois ela podia surtar e desistir do plano a qualquer momento. — Foi mal.
— Bom, então eu acho que é só isso — Voltou a falar ignorando sua brincadeira. — Se aparecer mais alguma coisa, acrescentamos depois — Fechou o bloco e o colocou dentro de sua bolsa junto com a caneta.
— Então amanhã nos encontramos e começamos a investigar — Disse Henrique levantando-se e caminhando em direção Ayla, que fez o mesmo. — Negócio fechado? — Estendeu sua mão.
A garota o encarou brevemente e ele ficou um pouco tenso, pensando que talvez ela tivesse desistido do acordo, mas seu medo imediatamente desapareceu quando Ayla balançou a cabeça em confirmação e apertou sua mão.
— Negócio fechado.
Depois daquela conversa com Ayla, Henrique havia tido, provavelmente, uma das melhores noites de sono da sua vida. Ele acordou tão feliz, que nem o mau humor de seu pai o desanimou, foi para a escola e conseguiu ficar acordado em todas as aulas.
Na verdade, história poderia ser uma matéria bem legal se você prestasse atenção.
Depois do trabalho, apressou-se em ir para casa, não querendo atrasar nenhum para o compromisso com Ayla. De fato, ele ficou um pouco apreensivo em retornar para o Tártaro, mas a garota lhe garantiu que ele não precisava ficar com medo, pois já havia deixado claro para os moradores que ele era seu amigo.
É claro que Henrique não perdeu a oportunidade de esfregar na cara de Ayla que ela havia lhe chamado de amigo e a garota ficou irritada por não ter argumentos contra ele, passando o resto do dia sem lhe dirigir a palavra.
Já em frente a sua casa, ele bateu na porta duas vezes e, por reflexo, virou-se para trás, assegurando-se de que não havia ninguém ali. Felizmente, a rua estava vazia e ele não precisou pensar muito mais sobre isso, em pouco menos de um minuto, Ayla abriu a porta.
— Oi — seu cabelo estava solto e ela usava uma blusa de mangas curtas, acompanhada de um short jeans que fez Henrique passar um tempo há mais encarando suas pernas. — Meu rosto tá aqui em cima.
— E ele é muito bonito — Respondeu com um sorriso sacana e por um momento pôde notá-la vacilar. Ayla virou o rosto de lado, sentindo suas bochechas queimarem. Henrique adorava quando conseguia desestabilizá-la daquele jeito.
Depois do momento de fraqueza, ela balançou a cabeça voltando a ficar séria e escancarou a porta apontando para dentro de sua casa.
— Entra logo, vamos começar essa investigação.
Aquilo ia ser melhor do que ele estava imaginando.
***
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