Vultress: A Salteadora de Fis...

Od Hat3Yaaz

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"Então, reconstruídos sobre a história, os centros modernos hiper futuristas agora refletiam o novo caminhar... Více

Notas Iniciais
Prólogo
Capítulo 1 - Todos Possuem Fissuras
Capítulo 2 - Limpeza
Capítulo 3 - No Poleiro
Capítulo 4 - Aparências
Capítulo 5 - Valores da Raiva
Capítulo 6 - Ordens
Capítulo 7 - As Dores da Insubordinação
Capítulo 8 - Consciência Algorítmica
Capítulo 9 - Emoções Inquietantes
Capítulo 11 - Fase de Emplumação - Parte I
Capítulo 12 - Fase de Emplumação - Parte II
Capítulo 13 - Controle e Resistência
Capítulo 14 - Salteadora de Fissuras

Capítulo 10 - Encarando o Passado

20 4 60
Od Hat3Yaaz

Arco I: Rapina


Vultress seguiu em ritmo acelerado e encontrou uma grande porta de aço mantida por um controle de acesso holográfico, mas ela não se importou em checar, empurrou a maçaneta e a mesma estava destrancada. Ao entrar na antessala vazia, se surpreendeu ao encontrar um local parecido com uma sala de espera de um hospital de luxo.

― Hmmm... bem bonito aqui, bom pra pegar fogo. ― Disse para si mesma com um ar de elegância enquanto coçava o queixo.

Só havia mais algumas levas de explosivos e eles tinham como objetivo destruir as amostras que a mercenária não conseguisse levar consigo. Mas Cassandra julgava o local exageradamente pomposo, uma arquitetura típica da Anchieta System, e isso não a agradava nem um pouco. Ela sabia que estaria fazendo aquilo por puro capricho, mas não se aguentou, acabou decidindo por implantar pelo menos um explosivo ali. Sorriu travessamente enquanto ocultava o pequeno dispositivo entre as almofadas do sofá.

O dispositivo Holodata em seu punho seria capaz de acioná-los um por um ou todos de uma vez à sua escolha. Haveria um curto espaço de tempo antes das explosões, momento em que ela já deveria estar fora do prédio e distante da área de perigo.

Sua ansiedade apitou ao olhar para a interface do Holodata, já imaginando ativá-lo sem querer por algum motivo. Travou então o botão digital e apagou a tela holográfica temporariamente. Ao atravessar enfim a antessala, Cassandra pegou sua mochila de volta e expandiu-a ao máximo, buscaria levar quantas amostras coubessem. Por sorte, lembrou ela, o Imperium era normalmente levado em pequenas amostras pré-refinadas. Prontas para serem usadas em pesquisas laboratoriais ou experiências mais complexas, como sabia bem. Ela seria a melhor escolha para transportá-los até algum local seguro.

Vultress pôs a mão na maçaneta da porta, mas hesitou por alguns segundos. Aquele era um elemento extremamente raro e perigoso, e sua sala-cofre não possuía nenhuma vigília, isso era realmente estranho. Ela imaginou que os objetos estariam realmente bem guardados e escondidos, longe de mãos estranhas, mas a antessala prévia parecia feita para receber pessoas de alto escalão e não seguranças, soldados ou cientistas.

Pelo que lembrava, não era aconselhável uma pessoa normal se aproximar ou manusear o Imperium, e até mesmo ela, que já tinha uma certa resistência às suas propriedades indutivas podia ser afetada de alguma forma durante um período de exposição prolongado. Por isso a estrutura do ambiente e a falta de monitoramento constante a incomodavam intimamente. César, porém, havia lhe confiado que o caminho estava seguro, então não deveria haver com o que se preocupar, pelo menos até chegar lá.

Recordar-se daquela descrição fez com que a dor de cabeça começasse a despontar novamente, junto com ela surgia novamente o calafrio na espinha. Por algum motivo sentia-se estranha e vulnerável. Esperava que fosse somente pela lembrança, mas algo lhe dizia que não.

Ao empurrar a porta, Vultress sentiu uma brisa soprar no aposento fechado e fazer seus cabelos esvoaçarem levemente. Uma lufada de vento coberta de palavras quebradas e significados confusos que remetiam à agonia, ao arrependimento e à curiosidade.

Quase que claramente ela sentiu que caminhava para a origem do problema, mas não conseguiu evitar. A mesma coisa que a repulsava também cativava seu interesse. Engoliu em seco, as pontadas na cabeça acompanhavam seus batimentos cardíacos. Atravessou a porta e adentrou no novo local esperando o pior.

Mas a princípio era mais um corredor com salas envidraçadas, comprido e bem iluminado, tal qual os que passara antes. Uma porta dupla destacava-se ao final do caminho e outra na transversal. Apesar do sentimento de urgência constante em seu âmago, o local estava vazio e aparentemente seguro. Parecia realmente não haver com o que se preocupar.

Cassandra então se aproximou das vidraças e as luzes do aposento em frente se acenderam uma por uma, revelando não ambientes laboratoriais comuns ou cofres de segurança, mas leitos.

A mulher franziu o cenho sem ter certeza do que via. Cerca de trinta leitos jaziam ocupados e em funcionamento, todos abrigando pessoas aparentemente inconscientes e de cabeça raspada. E isso não era o mais estranho, todas as camas estavam enfileiradas de frente para a vidraça, como se fossem um verdadeiro mostruário humano à disposição.

― Mas que... merda? ― Sussurrou enquanto dava mais um passo para se aproximar da vidraça e observar melhor. Ela não sabia, porém, que se arrependeria da decisão pouco depois.

― Ei? ― Cassandra bateu com os nós dos dedos na vidraça e chamou-os sem gritar, mas não houve resposta. Acompanhou as janelas por alguns passos esperando ver alguma coisa significativa, mas todos pareciam exatamente inertes e iguais. ― Alguém... acordado?

Ao reparar naquelas pessoas, Vultress notou que todas estavam magras e pareciam fracas. Rostos franzinos e quase esqueléticos podiam ser vistos por trás das máscaras de oxigênio. Além disso, haviam fios, conexões estranhas e tubos transparentes ligando seus corpos à aparelhos de sustentação vital e outros tipos de dispositivos. Aparentemente estavam vivos, mas deformados e raquíticos, mantidos num estranho coma enquanto seus corpos definhavam.

A mulher, que já estava com o rosto colado no vidro, sondava o local com os olhos, ainda tentando entender a situação. Até que algo imediatamente chamou sua atenção: Na cabeça raspada dos "pacientes" havia um enorme corte suturado, e dele brotavam peroladas veias em vermelho vivo, que desciam pelo pescoço, espalhavam-se pelo busto e desapareciam nas extremidades. Ela conhecia aquele efeito como ninguém, era o mesmo que acontecia com a própria quando usava o Imperium em sua cabeça.

A mercenária se afastou. A situação ainda não havia sido completamente assimilada. Sentiu o ar novamente se mover e convidá-la, mas não conseguiu reunir forças para sair do lugar. A dor de cabeça piorava e agora fazia com que seus olhos se apertassem diante da visão das dezenas de leitos à frente. A brisa mais uma vez a chamou, agora mais urgentemente, mas seus músculos estavam tão tensionados que ela se sentia quase enraizada. Combinado a isso, o frio e as dores nos olhos e na cabeça tiravam-lhe totalmente a capacidade de concentração.

Angustiada, ela pressionou as órbitas com as palmas das mãos e viu manchas moverem-se sem rumo no breu. Por alguns segundos sentiu-se novamente numa maca não tão diferente quanto aquelas, com os braços e pernas amordaçados e uma luz forte queimando suas pupilas. A visão da máquina que fizera o trabalho de invadir seu cérebro irrompera à mente. Ela imediatamente tentou afastar a lembrança, mas os gritos de desespero que arranharam sua garganta naquele dia eram difíceis de serem esquecidos.

Entretanto, outros sons voltavam a ecoar, com seus volumes crescentes. Cassandra moveu-se, virou a cabeça lentamente e forçou os olhos para ver de onde vinham. Sua face ainda estava tensionada e em notável esforço quando ela identificou, no final do corredor, um grupo moderado de guardas que se amontoava próximo às portas, todos apontando suas armas para ela e gritando para que se rendesse.

Mas Vultress, que ainda não havia saído totalmente do passado, arregalou os olhos e sentiu-se arrepiar de raiva no momento que avistou um rosto conhecido em meio àquelas pessoas.

Cabelos lisos, loiros e brilhantes se destacaram ao caírem nas costas de uma mulher alta, que vestia um conjunto de risca de giz elegante com um decote aparente. Nitidamente era Eva, a "Mulher Encrustada", que sorria com gosto ao observar a antiga subordinada naquela situação. Sob os olhos azuis impiedosos, ela lançava seu típico olhar confiante e julgador que Cassandra lutava tanto para esquecer.

Tudo agora parecia ainda mais confuso e Vultress não soube diferenciar se o que via era real ou mais uma imagem distorcida de suas lembranças. Mas não importava, o sentimento era o mesmo.

Com isso, o ardor que emanava das recordações invadiu seu peito e intensificou-se pela confusão, transformando-se em um furor mesclado à incredulidade. Tamanho sentimento moveu Vultress como há muito não havia. Sua adrenalina disparou e os músculos foram obrigados a se mobilizarem com o ímpeto. De tão focada, ela não conseguiu nem sequer usar o tempo para pesar suas ações. Imediatamente sacou sua escopeta, acionou o gatilho da arma e moveu-se para atirar, mas como não havia obstáculos ali que pudessem ser usados como cobertura, somente um caminho se formou em sua mente: seguir em frente.

Sem piscar, ela tomou um impulso rápido e, quase no mesmo instante, partiu para cima da mulher e do grupo. Sua velocidade era realmente impressionante e ela parecia ganhar terreno a cada passo.

Diferente dos soldados, Eva não se surpreendeu com a investida súbita de Cassandra. Ela ainda sorria singelamente e parecia sentir-se como uma criança encontrando seu animal perdido.

― Atirem. ― Mas na mente de Eva, era realmente uma pena que, depois de viver com outros bichos de rua, seu animal agora voltasse sujo, coberto de sarna e completamente destreinado.

Somente dois soldados atiraram de volta e seus disparos soaram de forma atípica. Ao mesmo tempo, Cassandra vinha se aproximando sem tirar os olhos de Eva, ziguezagueando e atirando praticamente de modo instintivo nos capangas. O primeiro da esquerda foi acertado e caiu, outro ao lado pareceu ter levado um tiro de raspão. Um dos disparos do inimigo atingiu o colete desgastado de Vultress, mas não a fez sequer cambalear. Ao invés disso, um objeto metálico se prendeu como uma aranha ao tecido reforçado, não era um projétil letal. O segundo projétil que a acertou, agarrou na pele do braço esquerdo e imediatamente se ativou.

Uma onda de choque partiu do dispositivo e obrigou a mercenária a parar. Ela se encolheu e conseguiu arrancar o aracnídeo artificial do corpo entre os tremores. Mas era tarde demais, outros dois guardas já emendaram seus disparos, acertando uma das pernas e o pescoço da criminosa.

Seu corpo tombou e, num instante, ela conseguiu enxergar somente as luzes brilhantes do teto. Presa num turbilhão de dor, raiva, lembranças confusas e eletrochoques localizados, Vultress enfim colapsou desacordada.


* * * * *



Os laboratórios da Anchieta System, utilizados para a pesquisa científica e biotecnológica, não costumavam receber visitantes, mas aquela era uma importante exceção.

Pelo hall de entrada, Eva seguiu desfilando decididamente com Cassandra logo ao seu encalço. Os cientistas de jaleco branco, que se moviam para todo lado pela instalação, imediatamente desviavam quando viam a elegante mulher de cabelos loiros vindo em suas direções. Ela estava radiante como sempre, vestia um vestido transpassado azul marinho, saltos brancos e um lenço estampado no pescoço. Cassandra permanecia com seu uniforme cinza sem graça, mas muito bem arrumado.

― Este é o nosso mais ambicioso projeto e estamos delineando um grande plano de crescimento para os candidatos justamente para se adequarem a ele... ― Eva conversava calmamente enquanto caminhava com a subordinada. ― O procedimento, como eu já lhe expliquei antes, visa expandir o alcance do sistema sensorial humano e dar-lhes grande entendimento comportamental sobre os demais.

Sem perder a atenção na explicação, Cassandra não pôde deixar de notar que ao colidirem com o chão branco azulejado, os salto-altos da mulher emitiam um ruído característico e ritmado que parecia harmonizar bastante com sua voz autoritária.

― O que eu lhe dei foi só uma introdução básica. Como bem sabe, este assunto ainda é sigiloso e são poucos os que detém de todas as informações. Porém, acredito que já seja hora de você saber um pouco mais.

— Pra mim ainda parece magia... — Cassandra respondeu baixo, praticamente para si mesma, e Eva somente sorriu.

Elas seguiram por mais alguns metros até que os ruídos ritmados imediatamente cessaram e Cassandra precisou frear bruscamente para não trombar com a supervisora.

Elas estavam diante de uma enorme porta de metal, e em sua superfície iluminavam-se vários avisos holográficos, alguns continham símbolos científicos, outros diziam "Risco Biológico" e "Somente pessoal autorizado". O acesso era assegurado por dois guardas que checavam os crachás e identificações, assim como as unhas e vestimenta dos funcionários que entravam. Quando Eva seguiu adiante, no entanto, eles abriram caminho no mesmo instante. Novamente, Cassandra a seguiu.

Ao passarem pela porta, elas acabaram adentrando em uma antessala circular, contendo uma pequena recepção, um vestiário e uma câmara de biossegurança. Tudo parecia minuciosamente mais organizado naquela área.

Uma funcionária uniformizada se aproximou em passos vagarosos, nos braços ela carregava uma leva de roupas e alguns equipamentos. Entregou uma parte pra Eva e o resto para Cassandra.

A garota olhou para suas mãos e viu um macacão de proteção química amarelo, luvas e botas pretas e uma máscara respiratória. Desconfiada, ela levantou uma sobrancelha e olhou para Eva, que gesticulou incentivando-a a se vestir mais rápido.

Do outro lado, a supervisora começou a retirar seus sapatos de salto alto e calçar as botas lhe entregues.

― Essa é a pior parte. ― A mulher estalou a boca.

Cassandra parou e observou a mulher amarrando o próprio cabelo e colocando-os dentro de uma touca simples.

― Você só vai usar isso? ― Curiosa, a garota se referia à diferença entre os "trajes" de ambas serem tão discrepantes.

― Sim, eu já tenho uma proteção natural. ― Apontou para a pedra em seu busto. Cassandra mais uma vez levantou uma sobrancelha e permaneceu quieta, voltando a se vestir em seguida.

Ao tentar colocar seu capuz, porém, a garota começou a ter dificuldades com alguns fios teimosos de seu cabelo. Sob os olhos da supervisora, ela buscou colocá-los para dentro do invólucro, mas não teve muito sucesso.

― Você fica bem de cabelo comprido, Cass, mas seria mais adequado prendê-lo durante o trabalho. ― Com um movimento suave, ela desatou o lenço do pescoço e ajudou a subordinada a amarrar as mechas. Cassandra permaneceu imóvel como uma estátua, mas com uma careta duvidosa no rosto, ela estava achando aquilo bem desagradável. Ao terminar, a mulher recolocou o capuz sem esforço.

Por último foram as luvas, que não deram muito trabalho. As duas então passaram pela limpeza de ar comprimido e enfim entraram na ala laboratorial prevista.

Aquela era uma área desconhecida para Cassandra, e por mais que seguisse os mesmos padrões dos laboratórios anteriores, um clima maior de seriedade pairava no ambiente. Além disso, diferente das alas prévias, ali todos se vestiam com o mesmo uniforme de segurança amarelo-berrante, exceto Eva, que ainda ostentava seu visual com elegância. Havia algo a mais, reparou Cassandra, que poderia ser somente sua impressão, mas, por trás das máscaras, aqueles funcionários pareciam vê-la de um modo diferente, mas ela não soube dizer se era desprezo, dúvida, temor ou pena. Aquilo a deixava inquieta pois sabia exatamente o porquê de tais sentimentos.

― E então? Está tudo bem? Parece mais quieta que o normal. ― Eva questionou de forma simpática enquanto caminhava.

― Sim, estou coletando primeiramente as informações, como você ensinou. ― Respondeu Cassandra, sem expressão. Ela realmente estava analisando os funcionários por trás dos vidros de segurança, observando também que as salas pareciam menores e continham sempre dois cientistas em cada.

― Claro que está... e o seu primo? Faz tempo que não ouço falar do jovem Bryan. ― A tonalidade amigável parecia estranhamente forçada agora. Quando Cassandra demorou a responder, Eva se virou esperando uma resposta.

― Ele precisou pausar o curso... ― Desviou o olhar. ― Problemas de família, acho... mas ainda mantemos contato.

Agora era o tom de voz de Cassandra que enfraquecia. Ela ainda não havia parado para pensar profundamente se realmente queria que o primo voltasse, que a visse ou mesmo que se tornasse parecido com ela como os outros diziam. Talvez passar um tempo longe fosse realmente o mais indicado para ele naquele momento.

― Entendo. ― Quando terminaram, ambas já estavam de frente a uma porta de vidro grossa e também altamente sinalizada. ― Este é o lugar.

Eva tocou a maçaneta fria e abriu a porta, indicando para que a subordinada a seguisse, e assim ela o fez. Quando a porta do aposento foi aberta, uma sensação de estranheza e desconforto imediatamente apoderou-se de Cassandra. O sentimento era claro e quase palpável, mas a jovem preferiu não se pronunciar sobre.

Enquanto passava pela porta com uma sensação de peso em seus ombros, os dois funcionários no interior interromperam seus ofícios, se levantaram em silêncio e saíram para dar espaço para as duas. A garota os acompanhou com o olhar.

Elas continuaram a entrar e se aproximaram do centro da sala, onde uma grande cápsula de metal e vidro parecia aguardar por elas. De forma cilíndrica e medindo cerca de 90cm de altura e 60cm de largura, o objeto chamava toda atenção. Diversos condutos e cabos ligavam o instrumento aos aparelhos atrás e pareciam servir de energia ou sustentação para o que mantinha em seu interior.

― Perfeito, não é? ― Eva olhou para dentro com os olhos brilhando de satisfação e depois encarou Cassandra com o mesmo sentimento.

Algo pulsava no âmago do dispositivo com um brilho vermelho fraco. Parecia uma rocha natural, mas estava coberta de ramificações que emitiam um brilho suave. Certamente tinha sua beleza, contudo, os vários tubos minúsculos que estavam ligados em sua superfície acabavam deixando a imagem um tanto confusa.

― Parece uma joia bruta... mas viva...

― Exatamente. ― Eva Callahan mirou Cassandra com um olhar penetrante e acusador. ― Tanto potencial e tão pouco tempo de vida.

― Pouco tempo?

― As propriedades do Imperirum são curiosas. Você não faz ideia do quanto de desperdício tivemos quando ele foi descoberto, afinal não sabíamos de suas necessidades especiais. O mínimo contato com nossa luz, ar e atmosfera o desgasta rapidamente, por isso, sem um ambiente apropriado, sua vida útil é drasticamente reduzida. ― Elas viraram de novo para o rochedo pulsante.

― E por que precisamos dessas roupas?

― A energia que ele emite ao nosso redor é poderosíssima, você já deve ter sentido, não? ― Eva recebeu um notório olhar de entendimento. ― Sem a devida proteção, você poderia perder a consciência, entrar em catatonia ou mesmo vir a óbito. Por isso também precisamos mantê-lo em contenção. Você perguntou sobre mim antes, eu tenho uma proteção devido ao meu implante externo. Mas mesmo para mim não é recomendado permanecer aqui por muito tempo.

Cassandra fitou a rocha emaranhada em veios vermelhos e fios coloridos por alguns segundos em silêncio.

― Então também querem fazer isso comigo? ― Questionou sem expressão.

― Não, o que planejamos pra você é algo totalmente novo. Um projeto grande e bem mais complexo, mas é preciso que ele seja feito em breve ou a amostra se inutilizará.

― Me soa bastante arriscado, vou precisar de mais uma autorização pra isso? ― Ela se referia aos documentos que eventualmente precisava entregar com a assinatura de seus pais.

― Não é tão ruim quanto parece, a equipe médico-cientista da empresa é plenamente capaz de proporcionar um procedimento sem riscos... mas sim, você ainda é menor então provavelmente precisará de um alvará de seus responsáveis. ― Eva reparou quando Cassandra abaixou os olhos claramente ressentida com alguma coisa.

― Esse projeto lhe abrirá grandes portas, Cassandra. Você poderá ter uma frequência bem maior nas missões de campo e fará parte dos planos mais importantes da empresa. É tudo que você quer, não? Tenho certeza que seus pais entenderão, mas, se for necessário, eu mesma conversarei com eles e explicarei a importância do seu papel nisso tudo. ― A mulher tentou amenizar o tom de voz para consolar a subordinada, mas acabou tendo um efeito contrário.

A garota torceu a boca em desdém.

― Sei... Mas porque exatamente eu seria a mais "indicada"? ― Disse sem olhar para a mulher. ― Ninguém aqui gosta de mim, fora que minhas avaliações não estão nada boas, quer dizer... eu sou mediana, para não dizer ruim... e devem ter muitos candidatos melhores do que eu na empresa, não?

Eva fitou-a com um ar autoritário por alguns segundos em silêncio e Cassandra respondeu somente com o olhar, sentindo-se inquieta. Aquilo era o mais próximo do sentimento de raiva que já havia visto em sua superior.

― De fato, seu nome não está dentre as melhores funcionárias da Anchieta Sys. ― A mulher loira continuou com a mesma expressão, sua voz, no entanto, tinha a tonalidade calma de sempre. ― Mas você deveria saber que as qualidades que buscamos são outras.

― E quais seriam essas qual-...? ― Porém, antes de terminar, Cassandra viu a mulher mover uma das mãos rapidamente e arrancar a máscara respiratória que cobria seu rosto. ― O que está fazendo?

Surpresa, a garota ainda tentou recuperar a proteção das mãos de Eva mas essa somente afastou o objeto.

― Persistência, capacidade de análise, curiosidade, criatividade, versatilidade...

A atmosfera opressora aumentava e Cassandra já começava a sentir dificuldades em encarar a superiora.

― ... E vontade de viver. ― A mulher continuou mirando-a com um olhar feroz. ― O que não temos interesse é em autopiedade e fraqueza.

Cassandra engoliu em seco ao ouvir as palavras da superiora. Cerrou o rosto em desafio e buscou continuar mantendo o contato visual, mas suas pálpebras pareciam pesar uma tonelada.

― Eu não sou... fraca... ― Falou entredentes.

― Eu sei que não é, por isso não precisa inventar desculpas se não quiser participar. ― Eva mantinha a postura austera e não parecia que iria ceder ao desgaste evidente da garota.

― Eu quero participar! Mas... ― Sentindo-se tonta com o esforço, ela apoiou-se em Eva para não se desequilibrar e cair. ― Mas...

Todo o sentimento de débito e compromisso que tinha com seus pais vinha à tona, mas a garota não sabia direito como se expressar. Ela nem ao menos tinha certeza se deveria compartilhar aqueles pensamentos, seu discernimento também parecia estar vacilando.

― "Mas..." o que? ― A voz da mulher soou do alto, Cassandra, no entanto, não conseguia mais erguer a cabeça.

As pernas da garota ficaram bambas e cederam, fazendo-a cair de joelhos nos azulejos alvos. Ela sentia suas forças sendo sugadas e cada segundo tornava-se mais difícil manter-se desperta. Os dedos apertaram uma última vez as vestes da supervisora e logo depois se atenuaram. Seus olhos enfim fecharam-se acompanhando a respiração lenta. Ela também não tinha mais energia para falar.

Mãos gentis então tocaram-lhe a face e a levantaram. Com esforço, Cassandra abriu os olhos e viu Eva, agora também ajoelhada, com um sorriso gentil à sua frente.

― Você não deve depender de ninguém para voar. ― Com cuidado, ela repôs o respirador no rosto da aprendiz e começou a selar novamente o traje. ― Seus pais não se importam com sua liberdade, não inteiramente, eles só querem que você lhes dê orgulho, que seja como todos os outros.

Com a vista ligeiramente turva e os pensamentos embaralhados, Cassandra continuou a encará-la completamente exaurida.

― Eles jamais entenderiam, ninguém entenderia... mas você já sabe disso. ― Terminando de fechar completamente o traje, Eva deu uma última olhada nos olhos negros de Cassandra e a abraçou. Um ato de sentimentalismo nunca antes visto na mulher. ― Eu sei o que sente, Cassandra, eu também já estive onde você está hoje. Por isso eu digo que nós podemos ajudar... Nós faremos você alcançar seu lugar nas nuvens.



* * * * *



À medida que ia se distanciando de suas lembranças, Vultress começava a despertar lentamente, percebendo que a dor e a tonteira que confundiam sua percepção ainda estavam presentes. Tentou abrir os olhos e surpreendeu-se com uma escuridão profunda e a sensação de que algo lhe cobria a vista. Ela não sabia quanto tempo havia se passado ou onde estava, mas os sentimentos que voltavam aos poucos e aceleravam seu coração davam-lhe uma desagradável sensação de urgência.

No esforço para retirar a venda, ela acabou tendo seus braços ainda mais apertados. Pelo toque e o calor concentrados na pele, ela notou que alguém os segurava, provavelmente duas pessoas, enquanto mantinham-na de joelhos. Tomada pelo terror imediato, ela se debateu às cegas, mas seus movimentos foram impedidos com sucesso pelos captores. A lembrança dos acontecimentos passados já voltava à sua mente quando aquela voz familiar soou próxima.

― Cassandra... você não sabe o quanto estou feliz em revê-la. ― A voz era amorosa e simpática, mas Vultress só conseguiu sentir repulsa.

Na cabeça da mercenária havia somente raiva e desespero. Pela primeira vez via-se em uma situação realmente desesperadora, e tudo porque não seguiu o que o vento lhe dizia. Rebateu-se mais uma vez. Ela tinha certeza que fizera besteira, mas não tinha tempo para se culpar ou lamentar. Naquele momento, só havia o desejo de libertar-se para quebrar a cara daquela mulher com seus próprios punhos, pelo menos antes de seu destino fatídico ali. A voz feminina e autoritária deixou escapar um riso de satisfação.

― Nós sabíamos que você estava viva todo esse tempo. Nunca paramos de procurar, sabia? ― Enquanto Eva discursava, Vultress continuava a se debater, tentando ignorar suas palavras. ― Tínhamos algumas pistas, mas você sempre conseguia escapar... Como? E o incidente em São Paulo, foi você não foi?

Cassandra aquietou-se momentaneamente, mas não mudou a face de ódio que perpetuava em seu rosto.

― Ora, vamos, você costumava conversar bastante comigo.

A mercenária respirava forte. Por mais que tivesse xingamentos para proferir em até três idiomas diferentes, ela não conseguia romper a barreira de tensão provocada por sua própria raiva. Eva fez um muxoxo.

― Tenho certeza de que voltará a falar quando voltarmos para casa. Toda equipe sente sua falta... Seus pais sentem sua falta. Você sabe como eles ficaram quando você os deixou sozinhos sem nem ao menos se despedir?

― A culpa foi sua, desgraçada! Você quem deveria dar as respostas a eles! ― Vultress se exasperou, soltando o ar dos pulmões de uma vez.

― Minha? Cassandra... De novo com isso? Você sabe que queria ter feito aquilo de qualquer forma, eu no máximo dei um "empurrãozinho". ― E a conversa tomou exatamente o rumo que a mercenária imaginava, sua surpresa foi quando ouviu aquelas palavras, tão parecidas com suas próprias.

Por mais que vislumbrasse o certo e o errado, a tal culpa da ex-supervisora sobre o acontecido não era de fato total. Cass apertou os lábios secos, ela sabia que a mulher dizia a verdade.

― Você me entregou... só para terem o controle total sobre mim. ― O tom de voz de Cassandra diminuíra, mas a raiva ainda era evidente em seu rosto vendado. Ouviu o barulho do salto alto da mulher ressoar pelo mármore do chão, se aproximando com uma suavidade familiar. Ela fez menção de se afastar, mas foi impelida pelos captores.

― Ora, Cass... Você queria a liberdade que tanto sonhava, nós lhe proporcionamos isso.

Vultress sentiu os dedos da mulher tocarem sua face extenuada. Ela tentou afastar o rosto, em vão, a mulher o agarrou e sussurrou em seu ouvido diabolicamente.

― Podemos ajudar novamente, é só confiar em nós.

A pedra encrustada no peitoral de Eva brilhou naquele mesmo tom de vermelho-vivo peculiar, fluindo veias ao seu redor rapidamente. Cassandra não precisou ver isso para saber que a ex-aliada usava mais uma vez seus antigos truques.



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Comentários legais e críticas construtivas são sempre bem vindos. Se gostou, não se esqueça de votar no capítulo que isso também ajuda bastante. :D

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