Doce Inocência

By Maracujinha

775 72 31

Então, Alyssa finalmente estava casada. Uma casa bacana, um marido atencioso e uma bela aliança dourada repou... More

Prefácio
Capítulo 1: Noiva
Capítulo 2: Brenda
Capítulo 3: Jantar
Capítulo 4: Segredos
Capítulo 5: Bolo
Capítulo 6: Confiança
Capítulo 8: Viagem
Querido Diário

Capítulo 7: Memórias

26 3 2
By Maracujinha

"Bem-aventurados os pobres em espírito, pois deles é o Reino dos céus. Bem-aventurados os que choram, pois estes serão consolados (...)" Mateus. 5:3 - 10

Fora necessária uma longa conversa e muito jogo de cintura (sem trocadilhos) por parte de Alyssa para que a viagem fosse, enfim, marcada.

Jimmy se mostrava relutante em deixar a mãe e a filha sozinhas naquele sítio, e ela compreendia completamente.

­- E se contratássemos um ajudante? Serão só uns dois dias, se não estivermos muito cansados podemos fazer apenas um bate e volta! – Sugeriu, enquanto lavava os cabelos. – Eu ajudo com o pagamento, se for esse o problema. Eu trabalhava antes do casamento, esqueceu? Tenho lá as minhas economias no banco.

O marido apenas torcia a boca em silêncio, uma expressão pensativa no rosto enquanto fazia a barba na pia do banheiro.

- São cinco horas de carro daqui até a cidade dos seus pais. Está bem o suficiente para passar tanto tempo sentada? – Questionou por fim.

- Eu sou bem jovem ainda, meu querido. Não entendo o porquê de tanta preocupação.

Ele suspirou. Limpou a espuma restante do rosto, mirando uma gota grossa de sangue escorrer pelo seu maxilar. Mal tinha sentido o corte profundo que havia feito sem querer. Deu de ombros e grudou um pequeno curativo sobre o mesmo.

- Certo. Faremos as compras quando voltarmos, então. Preciso passar na casa de mamãe para ver se precisam de algo e informar sobre a viajem. Mas já aviso que não podemos ficar muito tempo, no máximo uma noite. Tenho trabalho segunda-feira.

- Eu te amo. – Sorriu ela, saindo do banho e se secando com uma toalha felpuda cor-de-rosa, presente de Brenda.

- Eu também. – Respondeu ele. – Eu vou lá, volto daqui a pouco, mas não precisa me esperar acordada. Não sei se precisarei sair para comprar algo.

- Quer que eu vá junto? – Indagou ela.

- Não será necessário. Descanse. Amanhã será um longo dia.

Jimmy então saiu apressado, enquanto Alyssa vestia seu pijama.

Deitou-se na cama com seu notebook sobre o colo. Apesar da falta de internet (que Jimmy dissera já ter tentado arrumar inúmeras vezes), a plataforma de escrita ainda estava lá, e como podia ser usada em modo offline, não tinha desculpa para não trabalhar além da irritante e persistente falta de inspiração.

Decidiu então fazer uma limpa pelos arquivos. Quem sabe não encontrava algo inspirador entre os incontáveis documentos e fotos que habitavam as profundezas do armazenamento interno?

A primeira pasta que abrira fora uma repleta de textos antigos. Velhas redações de escola, carcaças de histórias jamais finalizadas e poemas avulsos sobre problemas joviais dos quais ela já nem se recordava mais. Deletou tudo sem nem terminar de ler.

A próxima, uma aba que comportava playlists e mais playlists de músicas para cada ocasião. 'Aniversário do Gary", 'Primeira vez da Tina', 'Playlist para cozinhar'. Salvou algumas poucas canções interessantes e apagou as demais.

Passeou por mais algumas pastas, umas importantíssimas, outras completamente inúteis, quando finalmente chegou na galeria de fotos.

Se Alyssa achava que as outras pastas estavam cheias, a galeria a fizera mudar de ideia.

Haviam álbuns e mais álbuns de diversos anos. O mais antigo datava cerca de cinco anos atrás, e estava repleto de fotos da sua infância e da sua formatura do ensino médio.

Passeou por entre as fotos analisando e se perdendo em lembranças, uma a uma.

'Alyssa faz 7 anos'. Podia parecer loucura para alguns, mas Alyssa se lembrava de cada detalhe daquela festa. Uma das poucas onde seus não muito numerosos tios, tias, primos e primas estiveram reunidos todos juntos na fazenda de seus avós.

Na foto, a menina vestia um vestido de princesa caseiro todo lambuzado de lama, enquanto abraçava um dos porcos gordos e enormes do lugar, enquanto outro mastigava de forma contente uma de suas maria -chiquinhas. Ela riu, lembrando-se que havia fugido da sessão de fotos com os parentes e exigira tirar fotos com seus amigos porcos, aos quais ela apelidara carinhosamente de Tito e Carlitos. Apesar de ter ficado um nojo e ter sido obrigada a tomar um banho longo e proibida de se sujar pelo resto do dia, tinha valido muito a pena.

A próxima foto se chamava 'O pequeno Gary', onde uma Alyssa com cerca de seus dez anos segurava em seus braços um bebezinho de poucos dias, filho de sua tia. Ela ficara fascinada pelo pequeno pacotinho em seus braços. O cheiro gostoso de bebê que emanava de seus cabelos ralos, as minúsculas mãozinhas tentando alcançar seu nariz e até a risada acompanhada do bafinho de leite lhe fizeram querer ficar com ele no colo pra sempre. A Alyssa adulta sentiu seus olhos marejarem com a lembrança e o sentimento amargo que lhe acompanhava desde o início da vida adulta recomeçou a queimar em seu estômago.

Fungando, passou para a próxima. Talvez ela devesse apenas ter parado na última. Talvez tivesse sido melhor que ela apenas desligasse a máquina e fosse dormir. Mas ela clicou naquele maldito botão, e agora tinha de lidar com a segunda onda de emoções que lhe tomava de forma quase cruel.

Denominada 'Alyssa, Hellen e Thomas – Formandos 2006', retratava três jovens abraçados, sorridentes e trajados em becas azuis enquanto balançavam seus capelos com euforia. A da esquerda, uma jovem negra com longos dreads coloridos passava o braço pelo pescoço da do meio, uma loira da mesma idade da primeira que tinha os dentes paramentados por um aparelho também colorido. O garoto, alto, cabelos castanhos e uma barba rala despontando no queixo, abraçava a garota pela cintura.

Fora este último que prendera a atenção da mulher. Por muito tempo, a visão daquele garoto fizera seu coração disparar e borboleta se agitarem em seu estômago. Hoje, a simples menção de seu nome lhe causava náuseas. Raiva. Mágoa. Decepção.

Com um estalo, Alyssa fechou o notebook e o colocou na mesa de cabeceira. Apagou a luz e, tentando controlar o aperto em seu coração, fechou os olhos e cobriu a cabeça com a coberta.

Felizmente não demorou muito para que ela fosse tomada pelo sono.

Sua cabeça começou a ficar leve, e seu corpo parecia estar caindo...

Caindo...

Caindo...

Caindo...

. . . . . . . . .

"- Sorriam! Digam 'x'! – Pediu Joyce, a mãe de Alyssa, empunhando a máquina fotográfica de modo extremamente animado.

- X! – Berraram os garotos em conjunto.

- Ah, ficou perfeita! – Informou ela, estalando a língua em satisfação. – Bom, já que vão para o parque, nós vamos pra casa. Tem certeza de que não querem uma carona?

- Relaxa, mãe, o pai do Tom emprestou o carro. Ao contrário de certas pessoas, ele confia no filho... – Disse Alyssa, se desvencilhando suavemente do namorado para se despedir da família.

- Bom, não é que eu não confie em você, querida, mas o nosso último carro já não está mais entre nós para se defender, não é? – Retorquiu a mulher, beliscando a ponta do nariz da loira. – Eu te amo, querida.

- Eu também te amo, mãe. – Suspirou Alyssa, abraçando Joyce de forma breve.

- Juízo, viu? Fiquem vocês sabendo que só deixo vocês irem porque a Hellen vai estar junto! – Berrou quando os três já estavam longe.

- Mãe! – Berrou a filha de volta, olhando ao redor envergonhada.

Assim que viraram a área estratégica onde o carro estava estacionado, os três pararam.

- Espero que saibam que não concordo com isso. – Resmungou Hellen, mexendo nos dreads de forma nervosa. – Pode dar uma merda federal pra cima da gente. O que o Sr. E a Sra. Bennet vão pensar de mim se eles descobrirem que...

- Ei! Relaxa! É só você não dar com a língua nos dentes! – Alyssa agarrou os ombros da melhor amiga, fazendo com que ficassem frente a frente. – Hellen, me escuta. Eu quero fazer isso, tá legal?

A outra apenas apertou os lábios, fitando a mesma com seriedade.

- Está tomando o anticoncepcional? – Indagou. – Compraram camisinhas?

- Hellen, qual é, que tipo de cara acha que eu sou? – Pronunciou-se Tom. – Qual é, a gente se conhece desde o que, a quarta série?

- Você continua sendo homem, Thomas. – Devolveu ela, lançando-lhe um olhar afiado. Por fim, fechou os olhos e suspirou. – Certo. Mas me deixem em casa primeiro. Me recuso a voltar a pé.

O trio entrou no carro. A primeira parada foi na casa de Hellen, como ela havia exigido. A segunda foi a praia deserta onde, após alguns goles de whisky que Tom havia furtado do estoque do pai, Alyssa havia feito sexo pela primeira vez.

Não demorou muito. Não foi tão doloroso quanto ela achou que seria, mas também estava longe do prazer. Assim que terminaram, ela fechou os olhos, deitando ao lado do namorado. Estava cansada e apesar de suada, o vento frio que percorria a praia naquela noite fazia seu corpo estremecer. Tom puxou uma manta sobre seus corpos e ficaram ali até ouvirem o ribombar do primeiro trovão. Então outro, e mais outro...

E ela caia novamente.

Caia leve . . .

. . . Leve feito uma pluma . . .

. . .

Até que um dos trovões a fez abrir os olhos, o coração acelerado com o susto.

No entanto, não estava mais na praia. Estava no meio de uma sala de estar desagradavelmente familiar.

Olhou pela janela. O tempo estava escuro e chovia torrencialmente.

Ouviu o barulho do trovão novamente, mas dessa vez parecia mais alto.

Ela já vivera aquilo antes. Sabia exatamente onde estava e o que aconteceria.

Ela não queria viver aquilo. Não de novo. Mas seu corpo não parecia obedecer, por mais força que ela tentasse fazer.

Ela estava com raiva e triste, e o barulho do trovão não era um trovão, afinal.

- DROGA, ALYSSA, O QUE ESPERA QUE EU DIGA?! – Berrou Tom, o pescoço entumecido de cólera.

A sala, agora ela via, contava com diversos objetos espatifados que ela mesma jogara contra a parede.

- PORRA, THOMAS! NÓS TERMINAMOS NÃO FAZEM NEM 24 HORAS! EU VENHO AQUI PARA BUSCAR MINHAS COISAS E O QUE EU ENCONTRO?! – Berrou de volta, lágrimas quentes escorrendo pelo rosto vermelho. – Então é esse o motivo? ELA É O MOTIVO. CINCO ANOS, TOM. CINCO ANOS NÃO SÃO CINCO MESES.

Ela se interrompeu, engasgando com a própria raiva. Sentia-se traída. Rejeitada. Inútil.

Tom aproximou-se alguns passos da mulher, mas ela o impediu, erguendo um dedo.

- Há quanto tempo? – Conseguiu dizer por fim.

- Alyssa...

- Há quanto tempo, Thomas? – Rosnou, tentando controlar o tom de voz.

O homem evitava o seu olhar, e pelo seu silêncio, a mulher já tinha informações o suficiente.

- Você não presta. – Grunhiu. – Você. Não. Presta. Eu odeio você. Odeio você, Thomas.

- Quer saber de uma coisa? – Riu ele, os olhos vermelhos e úmidos. – A culpa é sua. A única pessoa que não presta aqui é você.

Alyssa não queria ouvir aquilo novamente. Por que aquilo estava acontecendo de novo?

Ele chegou mais perto, olhando-a nos olhos uma última vez antes de dizer as palavras que a marcariam para o resto da sua vida.

- Você não é capaz de me dar o que eu quero, Alyssa.

Ela fechou os olhos, sentindo seu coração quebrar em milhões de pedacinhos.

Era pra ter acabado ali. Quando ela abrisse os olhos, Tom deveria estar subindo as escadas e a deixado sozinha para juntar suas roupas e seus cacos. Mas não. Quando ela abriu os olhos, ele continuou ali.

Mas estava diferente. Seus olhos oscilavam do castanho para o azul, seu cabelo do claro para o escuro feito carvão.

Sua voz oscilava entre a de Tom e a de Jimmy.

Uma mão grossa e com unhas afiadas agarrou seu rosto, forçando-a a olhar nos olhos castanhos, azuis, castanhos, azuis. Veias negras tomavam todo o corpo (dos homens?) a sua frente e um hálito fétido atingiu sua face quando ele repetiu as palavras.

- Você não é capaz de me dar o que eu quero, Alyssa.

E então, ele forçou as garras escuras pela sua barriga, arrancando suas entranhas como se arranca macela de uma boneca de pano. E como se fosse tal, o corpo de Alyssa foi de encontro ao chão.

Ela queria gritar, mas se afogava no próprio sangue. Um sangue que não poderia ser de ninguém além dela mesma.

Ela se afogava . . .

. . . O sangue a afogava . . .

. . . Afogando em sangue . . .

. . ."

Em um pulo, Alyssa abriu os olhos e sentou-se sobre a cama, buscando o ar de forma desesperada.

Sua barriga doía. Sua garganta doía.

Que gosto era esse na sua boca?

- Alyssa? – Balbuciou Jimmy, acordando ao seu lado atordoado.

Ela não o ouvira.

Levantou-se num rompante, tropeçando até o banheiro.

Mal chegara no vaso quando o vômito quente saiu em jorros que faziam seu corpo espasmar de forma violenta.

Sentiu uma mão quente massagear suas costas enquanto outra segurava seus cabelos. A voz calma de Jimmy parecia soar longe em seus ouvidos, mas ela conseguia distinguir algumas palavras de conforto.

E assim ficaram o resto da noite, até bem depois que Alyssa já não tinha mais o que vomitar e começara a chorar. Jimmy ficara o tempo todo ao seu lado, e ela sentia-se imensamente grata por isso. 

Continue Reading

You'll Also Like

2.6K 448 23
Má, safada, ambiciosa e muito, muito sagaz. Uma garota bonita por fora, mas intenções duvidosas por dentro. Deixa corações quebrados, paus e bocetas...
Xeque-Mate By editsx_lua

Mystery / Thriller

97.9K 6K 42
Um jogo perigoso, repleto de armadilhas. Uma disputa de poder, dinheiro e desejo. De um lado do tabuleiro, a delegada Priscila Caliari, do outro, a e...
STALKER By Natalia Verzanni

Mystery / Thriller

18K 1.3K 12
🔥CONTÉM GATILHOS ☠️ DARK ROMANCE 🔥☠️* ⚠️Atenção: Aqui só tem 12 capítulos de STALKER. 🔥LIVRO COMPLETO NA AMAZON KINDLE 🔥 Quando você percebe que...
400K 15.3K 97
Loren era uma menina que desde dos seus 15 anos sofreu bullying por ser nerd , ela era exculachada pelo próprio irmão e o popular da escola que no c...