A Colina Vermelha

By clairo92

199 43 1

❝ Ambos sabíamos os rumos que deveríamos tomar antes de tudo começar, a dor em mim, não me afetou tanto como... More

PRÓLOGO
1. DECLÍNIO
2. UTOPIA
4. ROMEU
5. CONFLITOS
6. CONTRASTE
7. DECODIFICAR
8. DESPERTAR

3. TROCA DE OLHARES

12 5 0
By clairo92

Os dias seguintes foram tediosos, resumindo eles em frases curtas.

Passei o próximo dia ao teste sentada em casa com o pé dolorido, descobri que tinha mais coisa do que precisava nas caixas que minha irmã trouxe, e com o pé dolorido; eu pude organizar tudo na cômoda de meu quarto. Deixei meus livros no armário da cozinha pois não tinha lugares melhores e já que eram fixos, velhos e cheios de prateleiras que eu nunca iria abrir, resolvi guardar outras coisas úteis. Passei o resto do dia lendo Shakespeare.

No próximo dia, resolvi sai de casa. Conhecer o bairro, meu pé estava melhor mas não iria me arriscar a cair de cara no chão porque meu pé não iria aguentar. Descer as escadas do apartamento foi um martírio, demorei minutos para descer ao saguão magrelo e desajeitado, empurrei a porta de ferro com vidraças quadradas em cima sujas de marcas de água. A porta rangeu o barulho estridente ao encostar a ponta no chão de cerâmica cinza escuro. Segurei minha bolsa cinza velha e apalpei com a mão livre o encosto de tijolinhos desbotados do apartamento do lado de fora para me manter segura caso eu caísse, passei pela ruela de pedregulhos encostadas nas paredes enquanto pessoas passavam, o clima aqui não era o dos melhores; hoje o dia estava surpreso pela névoa densa e a rua era quase não vista até o final da ladeira decrescente que era a ruela aonde meu apartamento estava.

Comprei algumas coisas que precisava no mercado, passei pela farmácia e fiz um cartão de inscrição, aonde peguei um analgésico básico para o pé que tive que alegar ao farmacêutico estar doendo, e não ser uma degenerada. Quando voltei ao apartamento demorei mais ainda para subir com duas sacolas de compras nos braços e quase caí duas vezes. Quando fui ao 2° andar aonde ficava meu mísero apartamento, eu regalei os olhos quando vi um garoto na minha porta. Devia ter uns 11 anos, o cabelo loiro claro bagunçado e suado e a expressão quando me viu foi de uma surpresa agitada.

- O moça! - Ele exclamou e eu "andei" ( na verdade quase que igual a um zumbi ) até ele e então ergui uma sobrancelha.

- Hein?
- Minha bola caiu no seu apartamento, eu e meu amigo Mika estávamos jogando e ela desceu pelas escadas de emergência, você não fechou sua janela mas minha mãe acha feio entrar na casa de estranhos sem ser convidado.

Forcei um sorriso, e então abri a porta e ele ficou observando até que a ficha caiu e ele enxugou a testa suada e eu cedi entregando uma sacola a ele. Agradeci enquanto colocava a chave na fechadura e abria.
- Você mudou não faz muito tempo né? - Ele disse com a voz fina de criança.

- Ah, sim.
- Você é casada?

Abri a porta e então fui obrigada a rir com ironia disso, que pergunta espontânea é claro que não foi medida por uma criança de onze anos.
- Não, não sou casada. - eu disse abrindo a porta e esperando que ele entrasse primeiro, deixei a porta aberta e pus a sacola na mesa da cozinha mandando, ele fez o mesmo e depois tirou o cabelo da testa avaliando minha casa, e correu até a sala ao encontrar uma bola de couro perto das caixas.

- Eu sou Ron, tenho quase onze anos. - Ele disse pegando a bola e aninhando debaixo do braço e me encarando, eu estava escorada no batente.

Disfarcei a expressão de deboche que surgiu em mim, era tão surreal. Que situação estranha.

- Savie, prazer Ron. - Eu disse e esbocei um sorriso, dessa vez sincero. Passei uma mecha de cabelo por de trás da orelha e então ele olhou para mim maravilhado.

- O que houve com seu pé moça? - Ele perguntou apontando para meu pé na sapatilha normal e enfaixado. - Quer dizer, Savie.
- Eu machuquei dançando.
- Você é dançarina?
- Bailarina. - Eu corrigi torcendo os lábios, não sei se era mais. Isso me fez lembrar do meu teste.

- Não tô nem aí. - Ele respondeu e eu sorri pela sinceridade infantil, ele revirou os olhos avaliando a casa.
Fomos interrompidos pelos gritos desesperados vindos do corredor do lado de fora do apartamento.

- Ronald! - Era de uma mulher, um grito maternal demais. Inconfundível.

- Estou aqui! - Ele gritou e acrescentou, sem olhar para a porta aberta. - Achei minha bola.

Um rosto vermelho de cansaço apareceu na soleira da porta e se aliviou ao mostrar uma mulher de meia-idade de cabelos presos em um coque e ela bateu na saia suja de farinha como se chamasse ele. Ele correu até a mãe, com a bola entre os braços.

Percebi que estava com as mãos na cintura e fiquei de frente a ela e o filho, a poucos metros de distância. Ela esboçou um sorriso simpático e limpou a mão estendendo para mim.
- Oh, bem vinda ao prédio querida. Sou Sarah Ruber, está gostando daqui?

Sorri sendo contagiada pela felicidade frequente da mulher ali. Ficamos em uma conversa breve de apresentações e quando ela se deu conta, com um dos braços sobre o ombro do garoto ela se despediu.
- Meu marido está quase chegando, foi um prazer Savannah.

- É. "Tê mais" - Disse o garoto com tédio empurrando a bola com os pés pelo corredor, me aproximei do batente e me despedi com um sorriso fino.

- Onde estão os modos? Vou ter que colocar seu videogame de castigo. - Ela disse a ele em tom de correção, enquanto se afastavam pelo corredor para subir ao 3° andar pelas escadas e eu ouvi ele responder exasperado.

- Não senhora! Você é muito linda, está muito linda hoje.

E eles sumiram até sua voz se tornarem ecos pelos corredores, sorri a mim mesma e me diverti com ambos. E então fechei a porta caminhando até a janela e vi que estava aberta mesma, mas não seria lembrava de ter deixado ela aberta. Talvez ele tenha aberto e jogado a bola para ter desculpa para ver quem morava aqui, quanta trabalheira, devo reconhecer seu esforço.

Só percebi que estava faminta quando meu estômago protestou, fui mancando até a cozinha e então arrumei as sacolas de compras, pondo algumas coisas na geladeira, nos armários que tinha ficado livres e preparei um macarrão rápido com as vasilhas que minha irmã trouxe e uma panela com o cabo quebrado que achei no apartamento, os antigos proprietários devem ter deixado sucatas para trás. E que foi muito útil para mim, agradecida.

Quando sentei para comer, coloquei meus pés apoiados na cadeira ao lado, ficando de costume e quase esquecendo do teste que aconteceu, e do cara que eu fiquei fascinada, e de Debbie aquela garota meiga que me ajudou, do tenebroso escritório entimidador do Senhor Culbert.
Foi quando o telefone tocou.

Quase pulei da cadeira, sobressaltei e agarrei o telefone.

- Senhorita Hawley. - Era uma voz cordial, e belíssima de uma mulher.
- Sim, pode falar. - Respondi.

- Boa noite, nos perdoe por ligarmos tão tarde. A Academia de Dança Clássica Hemingway, convoca a senhorita para que participasse de uma entrevista amanhã às 9 da manhã. - Ela fez uma pausa e eu concordei com um "okay". - Ótimo, irei confirmar na agenda do Senhor Culbert. Com reunião, deixaram expresso que: venha com as roupas adequadas". Tenha uma boa noite.

Ela desligou e eu arregalei os olhos e passei as mãos no rosto apoiando minhas mãos no queixo, com o cotovelo apoiado na mesa. Eu havia perdido o apetite.
Me levantei, lavei as vasilhas e bebi dois comprimidos com uma dose de água da torneira, me dirigi até a cama. E acalmei meus pensamentos, tentando relaxar. Amanhã, era um grande dia.

******

Eu tinha três coisas em mentes, quando entrei pelas portas pesadas e grandes de madeira logo após subir alguns degraus como um monumento clássico tem, a Academia de Dança Clássica Hemingway tinha uma posição desagradável agora depois do fiasco.

As três coisas, se revezavam em: a) se eu teria que fazer uma apresentação novamente, b) quais deveriam ser minhas expectativas? estou cautelosamente otimista, c) nele, em seus olhos postos em mim, em como ele me ajudou; mas que droga.
Não conseguia tirar essas três coisas da cabeça.

Afastei uma mecha lisa de cabelo que escorreu pelo canto da testa - me irritando profundamente - e passei por de trás do ouvido. Respirei, calma. Vai dar certo. Quando entrei não estava mais abismada com a imensidão do hall, não estava boquiaberta pelas esculturas, móveis, sofás de couro caros, estava apenas com o estômago embrulhado e se revirando dentro de mim, dando um ultimato de jogar todo meu café da manhã no chão. Não, definitivamente não. Me obriguei a ser complacente, esbocei um sorriso quando recostei ambos os braços na mesa que fazia um L de mármore, uma mulher de cabelos curtos e um uniforme clássico sendo bem feito e simples. Uma saia curta azul cobalto coberta por meias calças escuras e saltos escarpins pretos, uma blusa de abotoar bege sobre um terninho vermelho. Ela sorriu de volta, refletindo a beleza dela, e me deixando - agora deprimida - e então eu disse:

- Sou a Hawley, Savannah; Savannah Hawley. - Me atrapalhei com as palavras.

Ela não tirou os olhos de mim, as mãos com rapidez pegou um pedaço de nota na mesa mais baixa que havia atrás do balcão, também de mármore.
- Aqui está, peço que use isso vai precisar para entrar nos outros dias.

Ela sorriu e então começou a sair de trás da mesa, outras duas secretarias continuaram sentadas e com a beleza expressa no rosto.
- Siga-me, Senhorita Hawley.

Ela fez exatamente como a outra secretaria no dia do teste, com a graça e leveza começamos a andar pelos rios de corredores o hall era apenas uma nascente no extraordinário mar de salas do local. Segui ela, e olhei pelo corredor que entrei no dia do teste mas não era nele que estávamos prestes a seguir, encarei o corredor por cima do ombro com ressentimentos.
Meu pé estava melhor, a propósito.
Ela me levou por um corredor a leste bem iluminado, com abajures presos nas paredes. O perfume de lavanda ainda era presente mesmo depois de sairmos do hall, havia uma mesinha com um jarro de rosas emcima e ao lado da mesa de canto no corredor, um batente largo que abrigava duas portas, a mulher abriu somente uma.
Ela estendeu o braço com educação para que eu entrasse abaixei a cabeça, torci a boca e entrei.

Quando levantei a cabeça, o ambiente era bem mais receptivo do que os outros.
Lá estavam, algumas garotas empoleiradas em cantos da sala, era um cômodo esbelto, o teto alto em forma de cúpula, com pilares levantados redondos como os da Grécia antiga, esculpidos em mármore e figuras de pequenos anjos em parte da enorme cúpula.

- O vestiário é no outro lado do estúdio. - Ela informou, olhei para tudo como se fosse o Titanic e quando voltei a olhar para a porta aonde ela se encontrava não vi ninguém, a porta tinha acabado de se fechar em silêncio.
Quando me tornei tão desatenta? Todo mundo parecia correr de mim em uma volta de olhar.

Quando passava pelo salão, vi que haviam sofás bem confortáveis de um lado, mesas com decorações em cima e do outro lado enorme do salão de estúdio - quase tão grande como o palco principal - e vi barras no meio do salão, três fileiras longas, uma sicronizada com a outra de forma paralela e com uma distância larga entre elas.

- Você voltou. - Eu ouvi alguém dizer.
Era a garota que me ajudou, ela amarrava o cabelo em um coque e sorriu, mostrando o rosto magro deixando a expressão da cara quadrada bem mais visível.

- Voltei. - Esbocei um sorriso. - Vai pro vestiário também?
- É, preciso descarregar.

Não entendi o que ela quis dizer, e então assenti.
Fomos até o vestiário, lá eu vi um escaninho de madeira e um nome esculpido em uma placa de metal: S. HAWLEY.
Tá certo, e o teste? Estou dentro? Minha cabeça estava a mil.
Me sentei em um dos bancos e olhei para trás enquanto tirava o casaco, Debbie viu que eu olhava para ela, com uma perna esticada em cima do banco e uma mão apoiada na cintura e com a outra um cigarro entre os dedos.
- Que foi? - Ela disse e soprou a fumaça que estava dentro da garganta dela. Ela percebeu minha insegurança de trocar de roupa ali. - Você acostuma a fazer isso com outras pessoas ao redor, mas tem uma baia ali, do chuveiro.

- Não, tudo bem. - Eu disse não querendo parecer tão careta. - Só fica de olho para mim.

- Com certeza. - Ela fez um gesto com a mão, tirando a mão da cintura e colocando na testa como um soldado. - Sem testosterona aqui dentro, livre.

Eu sorri, queria ter o senso de humor que ela. Mas que droga, eu era incrivelmente fria. Eu era fria comigo no espelho, acho que Narciso se ofenderia comigo.

Enquanto eu tirava a blusa e punha dentro do armário, embolada eu tirei da bolsa apoiada no assento; meu collant e vesti ele; em um tom branco como estava escrito no papel de inscrição, da mesma cor que o de Debbie, ela estava de tutu também. Ela começou dizendo:

- Achei que eles tinham te cortado.

Não virei para responder.
- Eu também, mas pelo que parece gostaram de ver eu caindo.

Ela riu de minha ironia.
- Já distribuíram o papel? - Eu perguntei.
- Não, será hoje. Eles estavam com os testes ainda; ontem tivemos uma aula pesada de bons modos que eu vejo todos os anos. Tedioso, mas se Madame Satã ouvir isso uma veia da testa velha dela explode.
- Satã? - Me virei para ela abrindo um sorriso, tinha ideia de quem poderia ser. Aquela senhora baixinha que a princípio me recebeu bem rude.

- Sim, é uma lenda, um mausoléu também. Mas aqui todo mundo chama ela assim, Madame Satã. Mas se perguntarem o certo é Madame Ward. Ela foi muito boa na época dela, mas agora não passa de uma megera ranzinza e crítica, que às vezes nos acompanha em turnos para a apresentação.

Ela pareceu ponderar com o cigarro queimando nos dedos, ela botou na boca seca, puxou com delicadeza e tirou da boca baforando.
Eu já tinha terminado de me vestir e fechei o armário de madeira deixando minha bolsa dentro dele.
- Na verdade, eles nunca chamam a gente para o ballet assim tão de repente, deve ter algum motivo para isso; sabe? Só temos poucos meses para a estreia.

Começamos a andar, ela apagou o cigarro no chão e chutou as cinzas para debaixo dos armários de madeira.

- Mas como funciona isso? - Perguntei quando ela se aproximou, ao meu lado.
- Isso o quê?
- As apresentações.
- Bom, o espetáculo que estão fazendo os testes é para Romeu e Julieta, e eu vou ser Julieta. - Ela disse com orgulho. - Charles Hendeston será o Romeu, ele é uma graça.

O nome veio como um soco, Hendeston. Charles Hendeston.

- Continuando. - Ela fez uma pausa, já estávamos de volta ao salão do estúdio.  - Há peças menores nesse período, as mais clássicas como O Quebra Nozes e Coppélia, isso uma vez por semana cada das duas e o grande espetáculo varia a data.

Ela tagarelou mais um pouco e então nós aproximamos do círculo feito pelas dançarinas, eu e Debbie se juntamos ao resto das garotas e cruzei os braços. Era uma mulher de meia-idade, com os cabelos presos atrás da cabeça, mechas brancas escorrendo pelo cabelo loiro escuro e um homem ao seu lado, um pouco mais jovem lhe entregou uma porção de papéis, ela agarrou e então pigarreou.

- Sou a Madame Fleury, vim acompanhar vocês esse semestre nesse espetáculo, a pedido de meu amigo Lucius, aui? - Ela disse com sotaque francês, pôs os óculos de leitura e começou a dizer. - Se apresentem na frente aos papéis. - Ela disse.

- Mercúcio, Allan Cooper.
Um garoto saiu do meio da multidão, os cabelos negros como obsidiana.

Ela falou mais alguns nomes e personagens: Sr. Capuleto, Teobaldo, Páris, e então disse:

- Rosalina, Savannah Hawley.

Assustei erguendo o cenho, descruzei os braços e olhei para Debbie que me encarava.
- Eu achei que ia ser dançarina de fundo. - Sussurrei.
- Eu também. - Ela sussurou.

- Ande logo não tenho o dia todo, mademoiselle. - Madame Fleury disse com sotaque francês e eu caminhei pelo círculo, quando fiquei de frente a um pessoal, eu vi ele.

Os braços cruzados, com um sorriso torto. Ele me encarava.
- Romeu, Charles Hendeston.

Um coro de meninos aplaudiu com assovios que foram cessados pelo assovio bravo de Madame Fleury.
- Julieta, Debbie White.

Meu estômago se embrulhou, quando ele se aproximou e parou ao meu lado. Senti seu cheiro, e fechei os olhos.
O que eu tô falando? Meu subconsciente brigou comigo.

Droga. Eu queria ser Julieta.
E não ser Rosalina, ela é invisível! Uma mulher antes do grande amor de Romeu, que droga.
Julieta.

Continue Reading

You'll Also Like

486K 32K 127
Alex Fox é filha de um mafioso perdedor que acha que sua filha e irmãos devem a ele. Ele acha que eles têm que apanhar se acaso algo estiver errado...
24.4K 1.8K 47
Assim que colocou os olhos nela, sabia que ela era dele e não haveria nada que o faria mudar de ideia. Mas, ela era difícil e ele teria que ir a conq...
69.1K 6.8K 30
Amberly corre atrás dos seus sonhos em outro país deixando o passado pra atrás e ainda frustada com o término e a traição do ex que ficou no Brasil...
74.8K 6.2K 52
Talvez eu não merecesse ter ela. Ela era boa demais. Doce demais. Linda demais. Ela era pura. Inocente. Quase um anjo. Eu não tinha um pingo d...