Nunca testemunhei um momento como esse. Eu nem sabia que tinha idade para presenciar um momento desses. Amigas ficando noivas (será que posso chamá-las assim? Acho que se não me considerassem amiga, eu não estaria aqui hoje). Aos dezenove anos!
Normani mostra a aliança. É discreta, simples e bonita. Os olhos dela brilham, e ela se vira para a noiva.
- Então foi por isso que você arrumou um emprego.
Ela sorri.
- Eu não ia comprar uma aliança para você com o dinheiro dos meus pais.
Lauren dá um abraço apertado em Dinah.
- Só fico triste porque agora você não está mais disponível.
- Não conta pra Mani, mas comprei uma aliança para você também - brinca Dinah.
Ally envolve Troy com os braços.
- Não acredito que você não me contou nada.
- Eu queria ter contado. Mas é que às vezes você... pensa alto demais - diz ela.
- Até parece!
- É verdade - dizem Normani e Dinah ao mesmo tempo.
Ally resmunga, mas sorri.
- Atenção, atenção - chama Dinah. - Minha noiva e eu...
Todos rimos ao constatar como essa palavra soa estranha e diferente aos nossos ouvidos. É como descobrir um novo idioma ou se inserir em uma nova cultura. A cultura dos adultos. A gente ainda não sabe como funciona, mas, até o momento, parece bom.
Dinah pigarreia e prossegue:
- Minha noiva e eu vamos comer uma sobremesa agora para comemorar. Eu os convidaria para participarem desse momento com a gente, mas não quero ver a cara de nenhum de vocês lá.
Nós rimos, Normani e Dinah começam a se despedir de todos novamente. Dessa vez, Normani e Keana dão um abraço mais demorado.
Keana sussurra algo em seu ouvido, e Normani parece emocionada. Ela volta a abraçar a amiga. Assim, Normani e Dinah se distanciam do grupo, deixando as marcas de seus passos na neve. Dinah cantarola alto e feliz.
Ally olha para a lua cheia.
- Sabe... não está tão tarde.
Troy estende o braço para ela.
- Quer dar uma volta?
Os dois entrelaçam os braços e andam bem juntinhos lado a lado.
- Não acredito que estamos em Paris. Juntos.
- Foi um prazer conhecê-la - diz Troy para mim, e me sinto triste por ver todos irem embora. - Vejo você amanhã de manhã? - pergunta ele a Lauren, que confirma com a cabeça.
Ally e Troy se afastam, um pingo colorido na noite de neve. E agora somos três. Lauren está com um ar solene. Ela passa um braço ao redor dos ombros de Keana, e me dou conta de que ela já foi apaixonada por Dinah.
- Está tudo bem, Keke? - pergunta ela.
- Sim - responde ela. - Obrigada por perguntar.
Elas se abraçam de verdade agora, e ficam assim por um bom tempo, um abraço repleto de lembranças. Keana a solta primeiro.
- Vocês vão ter que me desculpar, mas meu dia começou cedo... estou super cansada. Vou voltar para o albergue.
Com certeza Keana não está super cansada. Ela quer nos deixar sozinhas, é claro. Está escolhendo ficar sozinha, em uma noite que deve ser especialmente difícil para ela, para nos dar uma chance de... sei lá de quê.
- Mais uma vez, foi um prazer conhecê-la - digo, e estou sendo sincera. Fico grata pela atitude dela.
- Tenho certeza de que vamos voltar a nos ver um dia desses - diz ela, e dá uma piscadinha antes de ir embora.
- Até amanhã, Laur! - grita Keana, de longe.
Lauren está com as mãos nos bolsos, e seus ombros estão quase encostando nas orelhas.
- Ela não é uma das minhas amigas mais discretas. Desculpa.
- Tudo bem. Ela é muito legal.
- É mesmo.
- Todas as suas amigas são muito legais.
Ela me observa.
- Fico feliz por ter achado isso.
Ficamos em silêncio. A neve cai lentamente, pousando em seu cabelo escuro.
- Então... - digo.
- Então... - diz ela, encarando os pés. - Posso acompanhar você até em casa?
- Sim. Por favor. Obrigada. - Desvio o olhar, envergonhada.
Não combinamos nada, mas acabamos fazendo um caminho com menos gente pelas ruas. Caminhamos em silêncio. Os flocos de neve ficam mais espessos. O silêncio deveria me transmitir tranquilidade, mas meu nervosismo só aumenta.
Lauren fica linda sob as luzes da rua. Acho que eu estava errada em relação a ela. Espero estar errada em relação a ela. Sei que estava errada em relação a mim mesma. Não dizemos uma palavra sequer até chegarmos ao dormitório. Na primeira vez que caminhamos por aqui, era o nosso dormitório. Agora, é só meu. Lauren foi corajosa por voltar aqui. E eu posso ser corajosa também.
- Você gostaria de... - começo.
Lauren me encara. Espera eu terminar a pergunta. Ela quer que eu termine.
- Quer entrar? E conversar? - acrescento.
É como se o que ela está prestes a dizer pudesse matá-la.
- Queria muito, mas acho que não serei bem-vinda aí.
Por favor, não me rejeita.
- E desde quando você se importa com as regras?
- Não quero arrumar confusão para você.
- Eu não ligo - retruco.
- Mas eu ligo.
Meu coração se contorce todo.
- Pelo menos você vai estar por aqui amanhã de manhã? A que horas o seu trem sai?
- Não tenho certeza - responde ela.
Como é que ela não se lembra de uma coisa dessas? Que tipo de desculpa é essa?
- Quero que fique com isso - diz ela.
Lauren está tentando tirar a autobiografia da mochila, e agora vejo por que parecia tão cheia. Os papéis ocuparam todo o espaço.
Fico perplexa. Era por isso que ela queria me encontrar hoje.
Sem pensar muito, seguro o fundo da mochila para ajudá-la a retirar o livro. Ela aperta as páginas contra o peito antes de entregá-lo a mim. Suas mãos estão tremendo, não sei se por causa do frio ou do nervosismo.
Pego o livro. Tem um título novo. Espaços.
- Você estava certa. Sobre... aquele monte de coisas. Me empenhei bastante e adoraria saber a sua opinião. Sobre as mudanças que fiz.
Por favor, não me faz ler isso de novo.
- Hum... tudo bem.
Ela parece esperançosa.
- Sério?
- Sim, claro.
O livro, agora em meus braços, fica mais pesado.
- Er... quando você quer que eu devolva?
- Ah, não. É seu. Fica com ele.
Silêncio.
- Tudo bem - digo.
Ela volta a enfiar as mãos nos bolsos do casaco.
- Pode me ligar assim que terminar de ler?
Estou confusa.
- Quer que eu leia agora?
- Sim. Quer dizer, não. Não precisa. Mas eu vou embora amanhã...
- Não, tudo bem. Posso ler agora, sim.
- Mesmo?
- Mesmo.
- Combinado, então. Você tem o meu número.
Essa entrou para a lista das conversas mais desconfortáveis que já tive com alguém. É muito pior do que qualquer outra coisa que tenha acontecido antes de namorarmos.
- Legal - digo.
Lauren inclina o corpo para a frente, para me abraçar. Ela hesita, mas eu já estou me aproximando. Ela se aproxima também.
O livro, frio e pesado, pende entre nós duas. E quando ela, estranhamente, me dá um aperto em meus ombros, percebo que esta será a última vez que nos tocaremos.