Os Renegados

By Murillo_Costa

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A Arena dos Renegados inicia mais dois anos de testes brutais, onde o limite é a própria morte. Quatrocentos... More

Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
AGRADECIMENTOS

Capítulo 24

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By Murillo_Costa

Quando converso com Nícolas para informar que está próximo o momento dele agir, tento perceber alguma palavra ou expressão que o traia, mesmo um leve movimento nos olhos, mas só consigo ver genuinidade.

Os dias continuam correndo. Elana nos mostra as várias doenças comuns entre nosso povo, entre elas cólera, sarampo, gripes e tuberculose. Quando vemos fotos, me lembro dos enjoos de Suzana no mês passado, que certamente continuarão. Entendemos os processos de criação de vacinas e soros, como também suas aplicações. Executamos várias vezes no laboratório o desenvolvimento dos compostos.

Pelo conteúdo de nossas aulas entendemos que nesse mês, para nosso contínuo espanto, não haverá Resistência. Encaramos como tempo extra para aprimorar o desempenho que queremos ter na noite de ação, como a passamos a chamá-la. Todos os dias depois do expediente, Elisa e Suzana treinam corrida, com o objetivo de conseguirem passos longos e suaves. Para todos que olham, as duas não estão fazendo mais do que exercícios.

Também nos preparamos. Todas as noites Rubens arromba várias vezes a fechadura da porta de nosso quarto – ele usa um clipe de papel que conseguiu no laboratório. Charles me mostra em seus desenhos o que provavelmente encontrarei no armário; a trava será a parte mais complicada, terei que abrir o display de senha, encontrar os parafusos certos, soltar toda a capa plástica que reveste a tranca propriamente dita e alcançar um pequeno ferrinho que quando puxado, destravará a porta. Seu eu não conseguir essa primeira parte, podemos dar adeus ao resto. Depois da tranca, encontrar um slot e fixar a placa não será problema.

– – –

A prova mensal é do mesmo modelo da anterior, a papel e caneta. Durante o almoço, logo após o teste, Charles me passa sua faca de mesa tão discretamente que nem as meninas ou Rubens percebem. Já temos nossa "chave de fendas". No final daquele dia recebemos os resultados e todos nós pontuamos.

"Já faz um bom tempo que ninguém morre", diz Suzana no jantar.

– Com certeza vão ter Honras no final desse mês – Elisa gira o copo na mesa.

– Então será esse o mês – digo, fitando-os.

Após o toque de recolher, pouco antes de dormirmos, Rubens exibe sua destreza no arrombamento de portas. Ele destranca o banheiro e o quarto em menos de seis minutos. Isso nos relembra que teremos de fazer movimentos perfeitamente sincronizados com o relógio, para que quando ele religar a energia, eu não esteja mais com a porta do armário aberta.

– – –

As cornetas soam dez minutos mais cedo no dia seguinte, tirando-nos da cama e colocando-nos imediatamente na frente das telas. Às sete horas, o fundo preto é substituído por Félix de pé, em alguma parte da torre da diretoria; sua voz invariável anuncia:

– Atenção, Renegados. Exatamente daqui uma hora, todos deverão estar na entrada do hospital; no mês passado vocês estiveram em contato com a mortal V-5, por isso aplicaremos um soro para prevenir qualquer possível surto da doença em nosso meio. Sabemos que as chances reais disso acontecer são mínimas, mas precisamos seguir o protocolo.

Sem demora nos uniformizamos e descemos para o hospital. Já há filas para cada casa, orientadas pelos instrutores. Distantes de nós consigo ver as cabeças de Suzana e Elisa.

Não demora muito para que eu seja atendido. O enfermeiro escaneia meu olho com a máquina já conhecida e me pede para sentar numa cadeira com apoio para o braço.

– Aparentemente você não está infectado, mas, mesmo assim, tenho que aplicar o soro.

Estendo o braço e ele amarra uma liga elástica antes do meu cotovelo. Minhas veias se estufam e a agulha da seringa penetra uma delas. O conteúdo é injetado causando uma dor escruciante, me deixando tonto e com visão turva, até faz subir um leve formigamento no maxilar.

– Isso é bastante incômodo – diz ele ao retirar a seringa. – Coma bem e baba bastante água, faz os sintomas passarem mais rápido.

Espero Rubens e Charles na saída do hospital. O soro parece não ter tido efeito sobre eles, eu já troco os passos e tenho de me apoiar em Rubens para não cair. Devido à mobilização médica e aos efeitos colaterais, temos o resto do dia livre. Aproveito para enfrentar o efeito do soro dormindo.

Simplesmente me jogo em cima da cama e sinto como se minha consciência fugisse de mim. Não há sonhos, não há lembrança remoída, apenas o simples e profundo sono. Acordo com frio e o corpo encharcado de suor. Tonto e meio perdido, me sento na beirada da cama, me espantando ao olhar para o relógio e ver que já passa de uma da manhã do dia seguinte! Rubens e Charles dormem em suas camas, aparentemente bem.

Fico de pé, cambaleando por alguns segundos e, por fim, consigo dar o primeiro passo em direção ao banheiro. Enquanto lavo o rosto, meu estômago se revira de uma vez e minha cabeça dá pontadas de dor. Sinto o vômito já na minha garganta e somente me viro para o vazo sanitário e vomito, sentindo gosto de bile na boca – consequência de ter passado quase vinte horas se comer.

Enquanto enxáguo a boca, percebo que estou ávido por água. Ao passar em frente à sacada, uma rajada de vento frio rebate em meu corpo, me fazendo parar de andar para poder tremer. Devo estar com muita febre. Fecho a porta da sacada, pego minha garrafa de água na pequena geladeira, jogo fora a água gelada e encho-a novamente com água fresca. Passo um bom tempo sentado no sofá, sozinho, bebendo água.

Bom seria se tivesse algo para comer, estou faminto.

Quando a água da garrafa acaba, escoro e fecho os olhos.

Raios de sol tocam meu rosto, causando aversão aos meus olhos enquanto se abrem lentamente. Passo por instantes de desorientação: não me lembrava de ter dormido no sofá. São oito da manhã, não houve cornetas para nos acordar. O apartamento está silencioso e na tela da TV está escrito que hoje é um dia de folga. Outro? Talvez não seja somente eu que esteja mal.

Na Praça Neutra vemos Renegados até um pouco piores que eu e, quando estou sentado na mesa com os outros para o café da manhã, vejo um dos instrutores Venites meio esverdeado e bem agasalhado. Embora faminto, não sinto o sabor do que como; nesse momento, água e bolo tem o mesmo gosto para mim.

– Pedro, você está mal mesmo! É a primeira vez que deixa resto de bolo de cenoura no prato – Elisa pousa a mão em meu ombro.

"Não tem gosto de nada", respondo.

– Deveria ter uma câmera no apartamento – diz Rubens, sorrindo. – Ele dormiu na cama e acordou no sofá!

Como hoje é um dia de folga, podemos ficar no refeitório até mais tarde. A mesa dos instrutores já está vazia e vários Renegados já deixaram o lugar. Charles olha para todos nós, chamando nossa atenção. Encurvamos as cabeças na direção dele.

– Rubens me lembrou: já sei onde encontrar uma placa de transmissão.

– Onde? – pergunta Suzana.

– Em qualquer uma das câmeras, elas são sem fio.

Suzana levanta os olhos sugestivamente e diz:

– Hoje é dia de folga, temos muito tempo.

Elisa concorda balançando a cabeça. "Não podemos ir todos", Rubens se manifesta e sugere que ele, Suzana e Elisa furtem a placa.

– E como vocês farão? – pergunto.

– Bom, teremos de abrir a câmera. O que acham de uma pedra? – Suzana responde.

– Desde que não acertem na parte de trás dela, é o lugar mais provável de onde a placa esteja – diz Charles. – Assim que fizerem, o sinal da câmera vai falhar e, com certeza, alguém vai lá ver o que aconteceu. É melhor saírem o mais rápido possível.

"Que seja agora, então!", Suzana começa a recolher nossas bandejas, mas antes que ela pegue a minha, pego o pedaço de bolo e forço-o garganta para dentro. Quando estamos na Praça Neutra, os três se separam de nós, indo na direção do Centro de Conservação, logicamente o melhor lugar para despedaçarem uma câmera.

Charles e eu nos sentamos em um banco.

– Apesar de tudo o que estamos tentando fazer... ainda não consigo ver liberdade alguma – ele desabafa.

Olho para ele, sopesando o que está prestes a acontecer.

– Eu também não – respondo.

– Acho que, o quer que façamos, nada vai nos tirar daqui antes do ano que vem acabar. Eles são nossos donos e acredito que não há nada que nos liberte dessa verdade, seja aqui dentro ou lá fora.

As palavras de Nícolas espalham-se pela minha mente, iluminadas pelo verdadeiro significado.

– Não, Charles, eles não são nossos donos. Isso não pode ser verdade ou o resto de nós, nossos pais, nossos amigos e pessoas que não conhecemos mas que também sobrevivem do lado de fora dessas cercas, não teriam esperança alguma. Estaríamos todos condenados. Existe uma esperança... – penso várias vezes em menos de um segundo em falar para ele sobre mim, contar o que poderei fazer para mudar tudo. – Acredite que estamos trabalhando por algo real!

Eu mesmo passo a acreditar mais no papel que posso desempenhar, sendo ao mesmo tempo atingido pelo enorme peso que é ter esse destino. É a primeira vez que considero as ideias de Nícolas para mim.

– Eu sei que eles jamais esperam por isso – ele sorri. – O que estamos fazendo... alguém já poderia ter feito, talvez já tenham tentado e fracassado. Seja o que acontecer depois, teremos movido pelo menos um pequeno grão que poderá, um dia, alavancar uma grande avalanche e quem sabe as pessoas não precisarão mais morrer.

Minha língua arde para poder dar a ele alguma informação, mas quando nosso golpe for dado, Félix apontará primeiro para mim e para quem mais estiver do meu lado. Não posso condená-lo junto comigo, quanto menos ele souber sobre minha família, melhor.

– Eu tenho fé em nós – ele diz.

Sorrio para ele e concordo.

A silhueta de Rubens e Elisa se formam nas passarelas vindas da estação e em pouco tempo estão diante de nós. Rubens enfia a mão no bolso e mostra uma pequena parte da placa de transmissão, para a qual Charles exibe um belo sorriso. Dispersar agora é a melhor estratégia. Combinamos um encontro depois do jantar e desaparecemos da vista de todos.

Assim que trancamos a porta, seguros em nosso apartamento, Charles pega o computador portátil e conecta a placa a ele. Seus olhos brilham enquanto acessa as programações do objeto, dizendo que será muito fácil transmitir, que só precisará captar o sinal correto usado para as telas. Ele se senta no sofá, assumindo uma posição que tenho certeza em que ficará por boas horas.

Enquanto isso, pergunto a Rubens o que fizeram para conseguir furtar o equipamento e me surpreendo com a resposta: Elisa e Suzana fingiram uma briga em baixo de uma câmera, próxima ao gramado que usamos como refúgio. Em certo momento, Suzana ergueu uma pedra na direção de Elisa e lançou, acertando em cheio a câmera, que se abriu e partes dela caíram no chão; as duas saíram correndo, deixando a brecha para Rubens, que discretamente apanhou a placa no chão.

– O qual foi o motivo da briga? – pergunto, fazendo os olhos de Rubens virarem semicerrados.

– Você.

– Como assim? – inclino o pescoço.

– Suzana acusou Elisa de te roubar dela e por aí vai... você sabe o resto, elas começaram a falar coisa com coisa e quando vi estava com a placa no meu bolso.

– Aí, Pedro, arrasando corações! – diz Charles sem tirar os olhos da tela.

– Está bem, não preciso saber mais. Temos a placa e é isso que importa.

– – –

Pouco antes do jantar, Charles anuncia que a placa já está configurada para o sinal do nosso computador.

– Então agora... instalamos ela no armário? – pergunto.

– Não, podemos abusar de um tempinho ainda. Estou fazendo um presente para Félix – diz Charles.

– Um presente? – Rubens pergunta.

– É uma surpresa, vocês verão.

Após o jantar, nos quiosques mais isolados, contamos para as meninas. Todos estão confiantes, mas as dúvidas a respeito de Nícolas persistem.

– Eu garanto que ele quer nos ajudar. Eu jamais confiaria nele se não tivesse certeza, jamais colocaria vocês em risco se eu tivesse alguma dúvida sobre ele. Preciso que confiem em mim, assim com confio em vocês.

– Ele te deu aquela carta, é lógico que tem alguma a mais, mas é melhor darem um tempo para o Pedro – Suzana ergue o queixo, mirando especialmente Rubens. – Quando chegar a hora, nós saberemos, mas agora é o nosso momento de agir.

Nessa noite não tenho problemas para dormir, os sintomas já melhoraram bastante. A única coisa que me acorda é uma luz azulada dispersando-se pelo quarto – Charles está sentado em sua cama, pescoço encurvado sobre o pequeno computador.

Acordamos bem cedo no outro dia, duas horas antes do toque de recolher acabar. Pelo vidro da porta da sacada observo a luz da chama no mastro – segundo Nícolas, aquilo é falso, não é nada mais do que um item para nos torturar. Viro-me de costas e saio. Já decidi fazer minha própria esperança.

Ouvimos um leve ruído – a tela se liga e as cornetas tocam, praticamente ignoramos o acontecimento. Quando estou quase chegando na cozinha para pegar um copo de água, Rubens me chama de volta, os olhos de Charles fugiram do computador e fitam a TV. Félix está na cena, sentado na frente de sua estante cheia de livros.

– Atenção, Renegados. Nesse mês não haverá aulas. Quando injetamos o soro em vocês, alguns receberam outra coisa: um Renegado de cada andar dos prédios residenciais foi infectado com uma variação da V-5, uma variação nociva, mas não facilmente transmissível. Agora vocês tem de descobrir quem do seu andar está contaminado e os outros que não estiverem terão de buscar a cura. Com os cumprimentos da Arena, provem seu valor!

A TV se desliga.

Olho para Charles e Rubens, tão desacreditados quanto eu. Em nosso andar, só resta nós três.

Rubens desvia os olhos de mim, fechando-os. Sei o que se passa na cabeça dele porque é o mesmo que se inflama na minha: por todo o mal que passei nos últimos dois dias sou eu o contaminado.

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