Vultress: A Salteadora de Fis...

By Hat3Yaaz

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"Então, reconstruídos sobre a história, esses centros modernos hiper futuristas agora refletiam o novo caminh... More

Notas Iniciais
Prólogo
Capítulo 1 - Todos Possuem Fissuras
Capítulo 2 - Limpeza
Capítulo 3 - No Poleiro
Capítulo 4 - Aparências
Capítulo 5 - Valores da Raiva
Capítulo 6 - Ordens
Capítulo 8 - Consciência Algorítmica
Capítulo 9 - Emoções Inquietantes
Capítulo 10 - Encarando o Passado
Capítulo 11 - Fase de Emplumação - Parte I
Capítulo 12 - Fase de Emplumação - Parte II
Capítulo 13 - Controle e Resistência
Capítulo 14 - Salteadora de Fissuras

Capítulo 7 - As Dores da Insubordinação

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By Hat3Yaaz

Arco I: Rapina


Quando jovem, Vultress tinha um sonho: alcançar a liberdade verdadeira, mesmo que nem ela própria entendesse o significado dessa frase. Sua entrada na Anchieta System veio com uma esperança, lá deveria ser o local onde ela poderia viver e construir algo de seu interesse, sem ter que se sentir presa e emocionalmente contida. Um sonho vazio e inocente. Ao fim, suas expectativas nunca foram alcançadas e empregar-se naquela empresa só serviu para ensiná-la uma dura lição.

Hoje ela conseguia perceber como havia sido nada mais do que um filhote ingênuo, que tentou alçar seu primeiro voo, mas acabou sendo levado pelo vento para dentro de uma orquestrada armadilha.

Só com o caminhar do tempo Vultress pôde enxergar que ela nunca poderia alcançar a verdadeira liberdade sendo propriedade de alguém, mas sim ao erguer as próprias asas, seguir seus próprios interesses e se expressar do seu modo.

Mas ao fim de toda essa saga, suas penas haviam caído e seu espírito quase se quebrou, no entanto, com muito custo aquele filhote conseguiria se libertar.

Vultress agora não se considerava mais uma infante. Ela tinha suas penas novamente e sua vontade estava intacta. Não precisava mais deles e se recusava a ter que recorrer a tais recordações.

Naquele momento, um dos seguranças pareceu sentir o olhar feroz à espreita pois sua espinha imediatamente gelou. O pressentimento foi tão forte que o obrigou a virar para trás. Seus olhos se cruzaram com o da invasora e ele viu o exato momento em que seu parceiro estava prestes a levar uma coronhada na cabeça.

― Atrás! Atrás! ― O outro ainda tentou gritar, mas já era tarde para seu colega. O guarda da direita caiu de joelhos com a pancada na cabeça. Apesar da dor contundente, aquilo não foi o bastante para apagá-lo.

No passo seguinte do ataque, Vultress já investia na direção do outro, um grandalhão que agora movia-se para alvejá-la. O homem viu os acontecimentos em sua frente, mas não conseguiu acompanhar. Já no impulso, Cassandra jogou a escopeta vermelha para o lado e a arma deslizou para as costas, assegurada pela bandoleira listrada que transpassava seu corpo. A mulher era ágil e, mesmo com uma arma grande em mãos, sabia movimentá-la e se esquivar sem muito esforço.

Então, de mãos nuas, a mercenária propôs-se a segurar o braço daquele guarda antes que ele pudesse se virar por completo. Um disparo imediato saiu da arma inimiga, mas Vultress já impedia seu punho de mirar precisamente.

Com a mão esquerda ela impulsionou os ombros do homem, e com a direita, já forçava o braço dele na direção oposta à sua articulação. O guarda podia ser maior e bem mais forte que a invasora, mas ela conhecia bem as técnicas necessárias para uma imobilização eficiente. Ele gemeu de dor.

― Atira nela! ― Sem ter como se mover, o segurança só pode chamar por ajuda.

Um pouco atrás, o companheiro caído erguia a arma e se levantava lentamente, claramente ainda sentindo os efeitos da concussão. O guarda rendido gritou e viu-se obrigado a se curvar para não quebrar o membro. Nisso, a mercenária tomou o controle de sua mão e apontou a arma de ponta-cabeça para o outro oficial. Ambos atiraram quase ao mesmo tempo. E, como se tivessem combinado, os dois disparos acertaram suas pernas. Tanto Cassandra quanto o guarda tiveram uma bala atravessada na coxa.

O guarda atingido urrou, segurou a perna, mas não caiu. Vultress também reclamou e fraquejou por um instante, no entanto, procurou usar aquele contratempo para se preparar para o próximo ataque inimigo. "Arma fraca demais..." Pensou Cassandra, observando o resultado obtido. Apesar da implicância com o armamento, ela sabia que não tinha direito de reclamar demais daquela vez.

Antes que o homem alvejado continuasse sua mira e atirasse novamente, a mercenária moveu-se alguns passos para o lado oposto. Seu objetivo era colocar um obstáculo entre os dois e esconder-se atrás dele, mas não havia um modo eficiente de girar o homem imobilizado sem afrouxar a prensa.

Mais alguns disparos do segurança injuriado, desta vez quase acertando o próprio companheiro, mas se deteve a tempo e seus projéteis cravaram somente nos azulejos do corredor. Ele então apoiou-se na parede e continuou mirando, mas estava sem visão da inimiga.

Cassandra permanecia séria e completamente focada, ela sabia que seu posicionamento ali estava comprometido, na verdade, ele já começara comprometido desde o momento em que resolveu investir e não continuar furtiva. De repente, o guarda em seu controle irrompeu num movimento, livrando finalmente o braço detido. Sua pistola, no entanto, acabou sendo arremessada para longe.

E foi a vez daquele guarda atacar. Mesmo com o braço dolorido, ele virou-se rapidamente, fechou o punho e impulsionou um soco na direção do rosto de Vultress.

Aquela última movimentação desesperada havia custado o controle do soldado, mas Cassandra não teve tempo de se martirizar mentalmente como sempre fazia, a ela só foi possível erguer os dois braços e tentar se defender.

Um baque forte ressoou nos ossos da invasora quando o golpe passou por suas defesas e empurrou-a contra o vidro atrás, fazendo-o rachar com o impacto.

Agora também com uma ferida física em sua cabeça, Vultress começava a sentir-se pesada. Por um instante, ela baixou a guarda e viu o momento em que o homem se virava completamente em sua direção e preparava um novo assalto. Atrás dele, o outro segurança tentava dar a volta, mas ainda tinha dificuldades em andar, ele mantinha sua pistola em mãos, buscando um ângulo seguro para seu companheiro.

― Desgraçada! Agora já era!

Cassandra não podia competir forças com aquele oponente, esse tipo de coisa normalmente não dava certo pra ela. Seus conhecimentos lhe diziam para afastar a luta e empunhar sua escopeta ― que no momento balançava logo abaixo de seu cotovelo esquerdo ― mas ela sabia que não conseguiria se movimentar adequadamente com uma ferida tão profunda na perna, principalmente naquele corredor estreito. Também considerou usar algum dos aparatos em sua mochila, mas não viu nenhuma janela de oportunidades se abrir para tentar alguma coisa.

A mulher arfava e sentia o sangue quente escorrer pela sua nuca. Continuou buscando encontrar uma melhor saída, mas não lhe restava mais tempo. Então, ao invés de recuar, ela também investiu em direção ao inimigo e ele imediatamente se preparou para agarrá-la com os dois braços. Mas ao invés de encontrá-lo frente a frente, Cassandra prensou sua arma com toda força contra o corpo e virou-se de costas no último segundo. A escopeta manteve-se no mesmo lugar antes da dona deixar-se cair no interior do abraço inimigo.

Dentro desse movimento e com a arma devidamente assegurada, ela simplesmente encolheu-se de costas para o torso do adversário. E ele fez exatamente o que estava em seu alcance: a agarrou apertadamente com seus braços corpulentos.

Não era exatamente um plano, contudo, Vultress já estava contando com aquilo. O homem apertou ainda mais, fazendo tanto os ossos da mercenária quanto os objetos em sua mochila estalarem diante da pressão. A mercenária ofegou e começou a ter dificuldades para respirar, mas seus braços, ainda que imobilizados, já estavam posicionados como queria. Deste modo, com seu pulso quase em noventa graus, ela forçou e esticou os dedos o máximo que pode e o homem, por estar vestindo um colete protetor, não sentiu nem a faca da baioneta espetando-o e nem o cano da escopeta encostando em seu torso. Vultress apertou o gatilho e um barulho abafado soou rente aos corpos de ambos.

O impacto do disparo fez com que seus próprios músculos sentissem o abalo. Felizmente, somente a carne do segurança jazia aberta. E mesmo antes dele entender o que havia acontecido já começavam a escorrer tripas, pedaços de órgãos e placas de sangue pelas suas costas, onde um estrago muito maior destacava o interior estraçalhado.

Por mais que tivesse evitado de usá-la afim de chamar menos atenção possível, Cassandra não se arrependia da decisão, pois aquela escopeta vermelha, mesmo tendo que transpassar duas camadas de colete, fora extremamente eficiente mais uma vez. Deste modo, ainda que as dores lhe lancinassem por todo corpo, a mercenária se permitiu sorrir. Na verdade, ela sentia vontade era de beijar sua arma naquele momento.

Na parede atrás, o líquido vermelho escorria em formas mesmerizantes. O outro guarda olhou para o estrago e estarreceu. Se não fosse por alguns segundos em que havia saído detrás de seu parceiro, também teria sido atingido. Poderia ter acontecido um belo abate duplo com um único tiro, imaginou Cassandra.

Aos poucos, os braços do guarda falecido começaram a relaxar e Vultress pôde se desvencilhar antes que o mesmo desabasse junto com ela. Ainda atônito, o parceiro assistiu-o cair e finalmente encontrou os olhos da mercenária.

― Como...? O que... você fez? ― Questionou o guarda, quase sussurrando para si mesmo.

Ela observou todas os sinais nas expressões do inimigo e tentou analisar seu psicológico ligeiramente. Ela sabia que sem o efeito avançado da habilidade Paranoia, ele poderia agir normalmente, com sua consciência quase intacta. Não havia nada para atrapalhar a sanidade do homem a não ser o semblante natural da mulher e a cena que ele presenciara.

Aquilo claramente não o impediria de atacar, mas ela ainda tinha uma carta em sua manga. Imediatamente, o disparo seguinte veio sem nenhuma cerimônia, acertando-a no peito e fazendo seu corpo tremer com o impacto. O colete salvaguardara sua vida, mas não amenizara completamente a dor. Ela resistiu à vontade de espremer os olhos e continuou com eles atentos ao inimigo.

Outro disparo, mais uma vez nos alcances da armadura balística. Cassandra recuou um passo, mas continuou em pé. Mesmo sem o auxílio de suas habilidades era importante que mantivesse o contato visual. Isso porque aparentemente, algumas pessoas sentiam dificuldade em olhar para seus olhos quando ela os confrontava de tal forma. Naqueles já afetados pela Paranoia, era comum haver paralisia corporal, fuga desesperada ou mesmo tentativas de ataques ensandecidos, mas o que ela também havia notado era que até mesmo os mais sãos chegavam a notar alguma coisa errada naquele brilho ocular vermelho.

O processo era basicamente o mesmo que ela fazia para não ser identificada na rua: uma sugestão mental que plantava um sentimento sutil e com isso diversos efeitos podiam ser explorados. Neste caso, eles se sentiriam incomodados com alguma coisa, poderiam tentar desviar da visão ou ter dificuldades em mirar precisamente na fonte daquele sentimento de estranheza, ou seja, na cabeça na adversária. Não era um procedimento seguro ou garantido, mas qualquer esquema sempre era válido para salvar sua vida.

O guarda recuou um passo e quase tropeçou enquanto se arrastava pela parede. Ele agora via a impotência de sua arma. Apertou novamente o gatilho, mas o barulho não soou como o esperado. Tentou mais uma vez, no entanto, o ruído irritante persistia. Foi só na terceira tentativa que ele entendeu que sua munição havia acabado.

Ele olhou para a própria arma e novamente para a mulher. Seus olhos se arregalaram enquanto os da oponente se comprimiam. Cassandra quase podia ouvir seus pensamentos: "Ah, não..." e ela mentalmente respondia: "Ah, sim!"

O sorriso da invasora despontou novamente, apertando ainda mais as maçãs do rosto. Sacou sua escopeta de cano serrado, ajustou seu alcance e mirou.

O homem segurava sua perna ensanguentada e transpirava profundamente, encarando-a com os olhos trêmulos e esperando o pior. Porém, pelas costas da mulher, uma movimentação silenciosa chamou sua atenção. Por um instante ele tirou seus olhos da mercenária e, quando voltou, viu ela abaixar a arma lentamente, com a face em visível confusão. Seu rosto, antes sorridente, agora mostrava uma desconfiança quase palpável. Era como se ela soubesse exatamente o que estava para acontecer às suas costas.

Na mente de Cassandra, os crescentes ruídos atrás da porta se transformavam em ecos de avisos e sussurros que a princípio ela não conseguia entender. O olhar do inimigo, no entanto, lhe ajudou a compreender de fato o que se tratava.

O homem acuado não entendeu como ela pôde agir tão rápido: assim que um grupo de seguranças abriu a porta e invadiu o corredor, a mulher, sem nem mesmo olhar para trás, saltou por cima do corpo destroçado e caiu tropeçando em sua direção. Na verdade, parecia que talvez nem ela soubesse exatamente o que estava fazendo.

O movimento havia sido horroroso, mal feito e completamente atrapalhado, mas salvou-lhe a vida quando as portas se abriram e os primeiros disparos zuniram naquela direção. Diante do tiroteio, ambos Cassandra e o guarda sobrevivente se abaixaram. Aquele foi o momento pra ela agarrá-lo pelo colarinho e se posicionar às suas costas.

Levantou-se o mais rápido que pôde e puxou o homem mais para sua frente, colando o cano da escopeta na altura do pescoço do indivíduo. Três seguranças cruzaram a porta, chegando pelo mesmo caminho que ela viera. Um deles era um ser robótico grande, robusto e intimidador. Um neotecron de defesa que caminhava pelo meio dos outros dois, sendo o único desarmado ali.

― Parada! Renda-se ou vamos abrir fogo! ― Eles gritaram e apontaram suas armas.

Cassandra tinha sua testa completamente tensionada e os dentes já trincavam diante daquela tensão. Ela então comprimiu os lábios e fez "não" com a cabeça repetidas vezes, como se respondesse àquelas ameaças. Forçou então sua arma no refém e começou a puxá-lo lentamente para trás.

Os guardas, por sua vez, começaram a avançar ao passo em que ela recuava. O neotecron logo tomou a dianteira e os seguranças ficaram atrás. Com seu braço mecânico ele projetou um escudo de energia à frente, bloqueando praticamente o corredor inteiro.

― Agora fudeu de vez, malandro... ― A invasora sussurrou entredentes.

O ser metálico parecia disposto a assegurar qualquer dano para que seus companheiros pudessem atirar. Cassandra também o analisou: aquele provavelmente era um modelo de "tanque". Sua escopeta até poderia danificá-lo, mas os outros atacantes seriam um problema, sem contar que precisaria atacá-lo pelas costas para evitar o escudo protetor. Não parecia um plano tão impossível, pensou ela, afinal, estava com uma oportunidade ali em suas mãos.

― Não há saída, renda-se de uma vez! ― Um deles gritou novamente.

O refém tremia e tropeçava a cada passo que era puxado. Cassandra sentia o Assombro tomar a mente dele lentamente. Ainda era cedo, mas ele em breve estaria apto a ser usado.

De passo em passo, eles finalmente encostaram na porta que separava as alas, a mesma que Cassandra deveria ter cruzado minutos atrás. Transpassaram-na cautelosamente e chegaram no primeiro cruzamento do corredor, a situação, porém, ainda não mostrava expectativas de melhora. Tanto a mercenária quanto sua "ferramenta" se esvaíam em sangue e ela não podia esperar mais para usá-la. Vultress precisava pensar em um modo de avançar com o plano.

No entanto, antes que ela pudesse ver os limites do cruzamento, o robô desativou o escudo sem aviso e arremeteu bruscamente para frente, abrindo a porta com violência e golpeando a oponente e seu refém sem misericórdia.

Cassandra mal teve tempo para tentar se afastar e acabou sendo totalmente pega pelo impacto da batida. Tanto a mulher quanto o segurança ferido voaram, sendo jogados metros atrás, espatifando a vidraça e caindo dentro de uma das salas do corredor.

Pedaços de vidro estraçalhados voaram por toda parte, obrigando até mesmo os guardas a se abaixarem afim de se protegerem. O neotecron não se moveu e os cacos que caíram só rasparam em sua lataria.

Dentro do cômodo, Vultress ofegou e tossiu ainda estatelada no chão. Tentou se levantar a primeira vez, mas uma dor aguda apontou de seu torso, provavelmente havia quebrado uma costela ou duas. Mesmo de longe os seguranças ouviram os ruídos de seus resmungos.

Ela então rolou dolorosamente para virar o corpo e avistou seu antigo refém caído no chão. Assim como ela, o guarda estava coberto de feridas e cacos de vidro, sem mencionar o buraco na perna que continuava manchando o chão alvo. Ele parecia inconsciente, mas Cassandra não teve tempo de verificar, dali ela se arrastou para o final da sala e derrubou a mesa de metal para se apoiar logo atrás.

Os guardas agora se aproximavam, gritando novamente para que ela se rendesse. Vultress levantou a arma e atirou sem olhar. A resposta os obrigou a encontrar cobertura e o ser metalizado voltou a manifestar seu escudo de energia.

― Ah, Cass... Mas que bosta tu andou fazendo aqui, mulher? ― Questionou-se, no mesmo instante em que rasgava uma parte da própria camisa para fazer um torniquete improvisado na perna. Não haveria outro momento para analisar a situação novamente, ela precisava ser rápida.

O ambiente ainda estava relativamente escuro e o azul das luzes de emergência atrapalhava um pouco na identificação dos objetos no local. Ela passou a mão no rosto, de cima pra baixo, e deixou escorrer o sangue e o suor que manchavam-lhe a face. Apertou os olhos para enxergar melhor e fez uma careta com o nervosismo, estava com a pele brilhando de tanto transpirar e os fios negros insistiam irritantemente em grudar em sua pele.

Todas as máquinas ali pareciam inúteis e não havia ninguém apto a ser controlado como na vez anterior. No chão, milhares de cacos de vidro descansavam refletindo sua imagem, era quase como se ela tivesse uma plateia pra assistir suas cenas de fracasso. Com isso na cabeça, a mercenária então olhou para aqueles reflexos como quem esperava um julgamento e somente encolheu os ombros.

― O que? Pelo menos eu não estou descalça.

Agora ainda mais próximos, os guardas gritaram novamente e dispararam em sua direção. A mulher se encolheu, mas os disparos somente deformaram a superfície da cobertura. Cassandra voltou a erguer sua arma acima da cabeça e atirou mais uma vez para trás, sem olhar. Cada movimento fazia-a se contorcer e gemer com as dores. Até que, poucos metros à frente, uma porta de metal vermelha atraiu totalmente sua atenção. César havia dito que algumas salas tinham acesso à divisão dos servidores, poderia aquela ser sua passagem para fora dali?

Feita de um material reforçado, a porta aparentava estar seguramente trancada. No batente, mais um painel digital holográfico iluminava a parede com letras azuis brilhantes. Poderia ser uma saída... ou não, pensou ela. Mas não havia como hackear o painel como fizera antes, não com aqueles inimigos tão próximos.

A mulher então apertou os lábios e firmou seus pés no chão, engolindo toda a dor que sentia. Observou de soslaio por detrás da tábua de metal e viu os dois homens se aproximando lentamente pelas laterais enquanto o neotecron erguia sua enorme perna para entrar pelo buraco da janela estilhaçada.

O brutamontes metálico baixou seu pé e acabou pisoteando o guarda que ainda permanecia desacordado no chão. Ele, por sua vez, acordou de imediato, se contorcendo e gritando por ajuda, mas nenhum de seus companheiros pareceu se preocupar. Ele engasgou com sangue, tentou falar algo em meio às golfadas, mas acabou logo se silenciando.

― Ô porra...? ― Cassandra franziu ainda mais o cenho. Seu cenário só piorava e agora também estava com um recurso a menos. Ela ergueu os olhos novamente para aquela porta e viu sua única oportunidade ali.

Checou se a mochila maltrapilha ainda estava nas suas costas, por sorte ela continuava bem presa mesmo depois de tudo. Se havia algo essencial na atual missão, eram os benditos equipamentos lá dentro. Ela nem gostaria de pensar o que César faria caso ela perdesse alguns de seus brinquedinhos. Confirmando que estava com tudo ali, a invasora sacou um cartucho de seu cinto e encaixou na arma, recarregando-a com velocidade. Olhou para a porta uma última vez e tomou ar profundamente. Não havia possibilidade de demora, os guardas provavelmente já haviam pedido reforços pelo comunicador, fora as câmeras, que ainda deviam lhe dar bastante dor de cabeça em breve.

Antes de levantar, Vultress posicionou sua arma uma última vez para trás e atirou para obriga-los a se defenderem. O brutamontes artificial, que ainda atravessava o vitral quebradiço, não conseguiu erguer seu escudo a tempo, obrigando os companheiros a buscarem outras coberturas. Ele, no entanto, não sofreu muito àquela distância.

Nisso, Cassandra se ergueu num impulso rápido e cambaleou para trás, já se aproximando da porta, mas sem parar de atirar nos inimigos. A cada recuo da arma, suas costelas doíam e isso era perceptível em sua expressão.

Quando chegou em frente à entrada, ela imediatamente acionou a alavanca da escopeta e desligou a precisão da arma. Suas mãos se moviam com tanta agilidade e competência que era notável a perícia e experiência com o armamento. Girou então a cintura e desviou da reta dos seguranças para mirar exatamente na tranca daquela porta.

Os estampidos poderosos no metal tão próximo reverberaram pela sala e pelos corredores por vários metros. Um estrago fez-se no material reforçado da porta, mas não pareceu ser suficiente para destrancá-la. Mais uma sequência de disparos, mais ecos sonoros. O outro lado então apareceu pelo buraco.

Ela pegou mais um cartucho e se apressou em recarregar, mas aqueles segundos incautos não seriam deixados de lado. Os seguranças, se aproveitando do momento oportuno, saíram de suas coberturas e começaram a atirar na direção da mulher. O neotecron , agora completamente dentro da sala, também se moveu para capturá-la.

Vultress deu algumas ombradas na porta uma vez, o objeto rangeu, mas as ferragens do buraco o impediram de abrir completamente. Os disparos agora pareciam vir de todo canto e alguns ricocheteavam próximo a ela, mas não havia como voltar atrás. Tomou um impulso maior e se preparou para um golpe mais forte.

O ser metálico agora passava pelas máquinas e estava a um passo de alcançá-la. Felizmente ele vinha lento, o que deu tempo pra mercenária iniciar seu impulso em direção a porta. Porém, no meio da corrida, um disparo finalmente a acertou, resvalando em sua cabeça. Ela mancou ainda mais e quase tropeçou, mas permaneceu no embalo. Seu corpo não parou e ela acabou jogando-se com tudo em direção a abertura.

Em resposta ao esforço, a porta se abriu por completo, fazendo a mulher cair pesadamente para dentro do novo ambiente.

― Meu Deus... po-por que...? ― Cassandra arfou, se contorceu e grunhiu lamentosamente. Tirando forças sabe lá de onde, ela puxou a escopeta salva pela bandoleira e apontou trêmula para a porta.

Para sua sorte, o grande e blindado neotecron, não passaria pela entrada tão facilmente. Ainda deitada, ela atirou algumas vezes, obrigando-o a recuar. Os guardas também tiveram que se proteger atrás do ser robótico enquanto a invasora se arrastava do outro lado. Ela olhou em volta, o local parecia gigantesco, tinha um teto alto cheio de fiações ordenadas e estava quase em completa escuridão, exceto pelas luzes minúsculas que piscavam dos equipamentos e das lâmpadas de emergência próximas às portas. "Finalmente!", celebrou em sua cabeça.

Com ainda mais esforço do que antes, Vultress se levantou, estava completamente dolorida e trêmula, mas ainda conseguia andar. Atirou mais algumas vezes naquela direção enquanto recuava e finalmente sumiu da vista dos inimigos, embrenhando-se dentro dos corredores repletos de servidores em funcionamento.




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