Os Renegados

By Murillo_Costa

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A Arena dos Renegados inicia mais dois anos de testes brutais, onde o limite é a própria morte. Quatrocentos... More

Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
AGRADECIMENTOS

Capítulo 8

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By Murillo_Costa


Leon joga o corpo por cima dos ombros e o grupo vai embora. Mesmo vendo-os sair, não ouso me mover.

Não me moveria em hipótese alguma, mas percebo que a matilha de Leon foi na mesma direção de Rubens. Apoio-me na lança e me levanto. Quando estou de pé ao lado do riachinho, um vulto aparece ao meu lado; em menos de um segundo, a ponta da minha lança está a menos de dois centímetros de seu pescoço.

– Pedro! Sou eu! – diz Rubens, com os olhos escancarados.

Demoro um segundo para assimilá-lo. Abaixo a lança e respiro fundo.

– Está tudo bem? Você está branco!

– Sim, tudo bem, eu... caí no sono e acordei dando de cara com você, não te reconheci de início... sabe quando você dorme e parece que passou muito tempo?

– Sei.

– Foi isso o que aconteceu – passo os dedos trêmulos entre o cabelo.

Os olhos de Rubens fogem de nossa conversa ao ver a água vermelha.

– Quanto sangue! Isso saiu das camisas?

– Foi, estavam bem sujas.

– Já secaram?! – diz ele ao vê-las comigo. – Me passa a minha? Essa jaqueta está fervendo!

Estendo a camisa a ele, ainda discretamente recuperando o fôlego. Ele reclama que ainda está úmida, mas acaba aceitando como forma de aliviar o calor. Também visto a minha.

Amarramos as jaquetas nas cinturas e tomamos o rumo de volta. Rubens me conta sobre as ervas e plantas que encontrou em algum lugar, o que justificou sua demora e mudança de caminho. Só relaciono isso com a sorte dele não chegar bem no momento do assassinato.

Finalmente estamos na campina, seguros ao ar livre.

– – –

Nosso último dia amanhece como se suas horas fossem se arrastar pela eternidade. Estamos um pouco desidratados, famintos. Charles começou a dar febre durante a noite e seu ferimento está escorrendo pus. Para completar, há um assassino por aí.

Como estamos bem longe do portão e queremos sair logo daqui, deixamos o campo e começamos a jornada. Vamos andando na beira da floresta, aproveitando a sombra das árvores. Paramos constantemente para Charles descansar. Damos como concluída nossa tarefa de colher amostras, já temos o que precisamos e não vai ser difícil ficar sem comer até atravessarmos o portão.

Paramos para descansar debaixo de uma árvore alta. Charles está com a pele amarelada, olhos fundos e avermelhados, a perna inchada e a febre aumentou. O sol, bem mais quente do que nos outros dias, nos tortura no início da tarde. Elisa desmancha o rabo de cavalo, amarrando o cabelo em um coque.

– Ainda estamos longe do portão? – pergunta Charles.

– Um pouco, mas vamos conseguir – respondo. – Ainda temos metade do dia para chegar lá.

– Se vocês quiserem podem sair correndo, não me importo, um dia eu chego lá.

Antes que eu possa responder, cornetas soam chamando nossa atenção. O diretor Félix anuncia:

– Atenção, Renegados. Honramos sua bravura, de um modo geral se saíram bem, apesar de algumas poucas baixas. Hoje é o último dia do teste, às seis horas da tarde nós abriremos o portão, mas vocês terão somente dez minutos para atravessá-lo. Então, aos que estão longe, é melhor começar a correr, e os que estão feridos, é melhor ignorar isso. Com os cumprimentos da Arena, provem o seu valor!

A transmissão se encerra.

– O diretor acaba de tirar as palavras da minha boca: não teremos todo o tempo do mundo para atravessar – digo.

– Eu estava falando sobre isso também – continua Charles. – Vocês não vão conseguir se precisarem de me arrastar.

– Ainda temos quatro horas para chegar no portão, de jeito nenhum vamos te largar aqui – respondo novamente.

Voltamos a andar.

Charles hora se apoia na lança e hora se apoia em mim ou em Rubens. Elisa leva a mochila dele. Num ritmo lento, mas constante, conseguimos andar por uns cinquenta minutos debaixo de um sol ardente, o que nos exige uma pausa. Charles senta em cima de uma raiz e estende a perna. Antes mesmo de eu tocar no ferimento, posso sentir o calor irradiando dele; quando abro a camisa, desenrolando-a da carne rasgada, o sangue mina por debaixo de uma camada de pus. Controlo-me o máximo possível para não fazer cara de repúdio.

– Vamos andar por menos tempo agora, fazendo paradas mais rápidas – digo.

– Vamos ter de esperar isso parar de sangrar um pouco para voltar a andar, não vamos?

Faço que sim com a cabeça.

– Então, me deixem, não vamos conseguir. Podem ir sem sentir culpa alguma.

– Ei, caçador! Você não vai se entregar! – digo. – Vamos sair daqui juntos.

Jogo a camisa ensanguentada no mato, já que ela não servirá para nada além de se tornar um peso desnecessário. Retiro a minha e cubro a sua carne moída com ela. Mais uma vez, estou dentro da minha jaqueta para me proteger do sol, ao mesmo tempo sendo cozido pelo calor.

Passos se aproximam de nós – começo a suar frio imaginando Leon Serato e sua faca. Dois garotos de Serpas surgem do meio das árvores à nossa direita e param quando veem o estado de Charles, mas dão as costas, seguindo para o portão. Não os condenamos por isso, eles não tem obrigação de nos ajudar e devem estar tão acabados quanto nós.

Voltamos a andar, num ritmo mais rápido, fazendo paradas mais constantes e mais curtas. Olho meu relógio, falta exatamente uma hora para o portão ser aberto e ainda não vemos nenhuma parte da cerca. Eu me lembro desse trecho quando passamos por ele no primeiro dia, e levando em conta a situação de Charles, não chegaremos a tempo nunca.

– Ainda temos uma hora. Charles, você consegue andar sem parar a partir de agora?

– Conseguirei, Pedro.

– Certo, então não vamos mais parar.

Ao longe podemos ver grupos de Renegados indo para a mesma direção. Após vinte minutos avistamos a cobertura das torres na Praça Neutra e uma parte da cerca.

Faltando vinte minutos para os portões serem abertos, avistamos finalmente a guarita e um sentimento intenso de ansiedade recai sobre mim, trazendo-me um desejo quase incontrolável de sair correndo o máximo que eu puder para chegar lá – mas é claro que não farei isso, Charles está bem do meu lado, pendurado no meu ombro, visivelmente aguentando para não cair. Sei que ele está aguentando muito mais por nós do que por ele mesmo.

Dez minutos... sete... cinco. Faltando exatamente três minutos para as seis da tarde chegamos em frente ao portão, com guardas armados do outro lado. Um sentimento intenso de vitória toma conta de nós – o sentimos quando nos entreolhamos.

– Charles, você conseguiu!

– Não, Pedro, vocês conseguiram. Obrigado!

Meus olhos percorrem os grupos de Renegados que nos cercam. Magros, trêmulos, abatidos, machucados, sujos – estamos todos acabados e destruídos. Há alguns com curativos mais feios do que o de Charles. Um Renegado, pelo modo como sua mão está envolvida em uma camisa, perdeu alguns dedos.

Há um minuto para a abertura do portão, um quadricóptero pousa descarregando os instrutores e o diretor. Restando alguns segundos, Félix, com um megafone na boca, nos diz:

– Dez minutos para atravessarem. Só vai passar quem andar por conta própria.

Os guardas erguem suas armas, mirando-as em nós.

"Era o que faltava", me diz Charles.

– Você vai conseguir, já chegou até aqui!

Quando minha boca se fecha, o sinaleiro pisca e o portão se abre. O tempo começa a correr em um cronômetro regressivo acima da guarita.

Elisa entrega a mochila para Charles. "Você consegue!", diz ela.

– Está pronto? Vou te soltar.

– Estou pronto.

Charles se equilibra, sustentando totalmente o próprio peso.

O portão está totalmente aberto e os Renegados já estão atravessando.

Charles desmaia bem ao meu lado.

Nós três abaixamos ao lado dele, Elisa se certifica que ele está vivo checando seus sinais vitais. A partir daí, tudo parece acontecer em câmera lenta: Elisa chamando por Charles, os Renegados nos deixando para trás, eu mandando Rubens e Elisa atravessarem, os dois relutando, mas, por fim, cedendo. Rubens pousa a mão em meu ombro e segue com Elisa. Os dois atravessam – agora tenho menos com o que me preocupar.

Mantendo a calma e respirando fundo, me recosto em cima de minhas pernas e seguro a cabeça de Charles, chamando seu nome. O cronômetro na guarita indica que faltam somente cinco minutos. O peito de Charles se estufa, enchendo-se bruscamente, e ele abre os olhos. Por um instante vejo Elisa chorando do outro lado do portão, mas volto inteiramente minha atenção para Charles e nosso tempo que se esvai.

– Charles, presta atenção, temos menos de cinco minutos para atravessar o portão – olho fixo nos olhos dele.

Ele parece variado.

– Portão? Que portão? Onde eu estou?... Quem sou eu?

O quê?! – seguro a cabeça dele ainda com mais força, chegando a sacudi-la.

Desculpa, não resisti, brincadeira, me desculpa! Por favor, me desculpe! Vou me levantar. Por favor, me desculpe!

Me refreio para não desmaiá-lo outra vez. O cronômetro marca três minutos restantes quando Charles e eu estamos de pé, começando a andar em direção ao portão. Mantenho-me a menos de um metro dele, acompanhando seu ritmo. Há dois minutos, estamos a dois metros do portão; Charles arrasta sua perna rasgada, dá até para ver um suor frio descendo por sua testa. No último minuto, as luzes vermelha e amarela do sinaleiro de alerta começam a piscar e o portão a se fechar.

– Não pare, nós vamos conseguir!

– Vai na frente!

– Eu não vou sair do seu lado e você não ouse cair agora!

Um passo atrás do outro. Dez segundos, meio metro. Vejo os músculos de Charles tremendo. Cinco segundos. Passos intermináveis!

O cronômetro zera e o portão bate atrás de nós.

Fecho os olhos e respiro, arfando. Estico o braço para o lado e toco em Charles – ele está aqui.

Conseguimos!

Ouço o som de aplausos, o que me faz abrir os olhos e levantar a cabeça, olhando em volta: os Renegados, ou, pelo menos, uma boa quantidade, ficaram parados assistindo nossa travessia, torcendo silenciosamente por nós – até mesmo alguns Venites.

Saber que nem todos estão querendo nossa morte é uma boa recompensa, mas ao olhar na cara de Félix e dos instrutores Venites, percebo reprovação a tudo isso. Afinal, nós os superamos mais uma vez, mas agora de um modo muito mais exposto e consciente. Nícolas, o instrutor da minha casa e também instrutor de Charles, está com um sorriso imenso no rosto.

Os aplausos param. A sirene toca nos colocando em formação de filas; Charles fica entre mim e Rubens, para o caso dele cair. Nos viramos de costas para o portão e começamos a andar. Porém, não muitos metros longe da grade, ouvimos o último suspiro de nossa prova: os estalos de tiros executando quem não chegou a tempo. Um último arrepio me percorre.

– Obrigado! – me diz Charles numa voz instável de choro.

Respondo balançando a cabeça, com os olhos quentes e visão turva.

Finalmente chegamos à Praça Neutra e somos dispensados das filas. Quando nós três entramos no elevador, Charles desaba no chão. O carregamos até o sofá de nosso apartamento e minutos depois um instrutor de nossa casa anuncia pela TV que o hospital está liberado para quem precisar.

– Por que eles não disseram isso enquanto ainda estávamos lá embaixo?

– Por que eles querem me matar mesmo – me responde Charles.

Fazemos todo o caminho de volta com Charles pendurado em nossos ombros. No hospital, o entregamos para dois enfermeiros que o deitam em uma maca, em seguida escaneiam o olho dele, dizendo que ele passará a noite lá.

Quando voltamos para nosso apartamento, finalmente consigo sentar depois de um dia de caminhada debaixo do sol. Jogado em cima do sofá enquanto Rubens toma banho, com a pele ardendo devido às queimaduras, as imagens dos últimos cinco dias se espalham em minha mente. A escuridão da floresta, a garota morta, o lobo mastigando a perna de Charles, Leon assassinando um de nós.

Por um momento tenho que me lembrar que Charles está no hospital e não morto, que Rubens e eu estamos seguros em nosso apartamento.

Ainda posso sentir a perfuração da minha lança na carne do lobo. Que sensação terrível!

A porta do banheiro se abre, me fazendo pular de susto no sofá.

Por fim tenho a felicidade e dignidade de poder tomar um banho de água quente. Fico pelo menos meia hora debaixo do chuveiro, imóvel, deixando a água levar a sujeira, o sangue e as más lembranças. Saindo do banheiro, me deparo com um carrinho de comida. Estão nos agradando devido nosso cansaço? Com tanta comida, seria esperado comer com vontade depois de cinco dias privados, mas quando eu vejo tudo isso, meu estômago se fecha e vou para a sacada.

No escuro da noite, observo o mastro com a tocha pegando fogo – acho que ela é o símbolo apropriado para esperança, uma luz em meio à escuridão.

– – –

Meu sono é atormentado por pesadelos e descargas de adrenalina. Assim que vejo os primeiros raios de sol entrando pela janela do quarto, me sento na beirada da cama e logo depois as cornetas tocam.

Todos os Renegados mortos ontem... sabiam onde eles estavam, sabiam que não conseguiriam e se prepararam para executá-los. Uma frase sempre foi dita: "A Convergência nos arrebata à salvação". Cada casa contribui para a Convergência transformando primogênitos em Renegados – essa é a base da nossa liderança. Mesmo que os mais aptos precisem ser selecionados para que nosso povo continue existindo, há algo de errado nesse sistema, que começa na dianteira dos Venites.

Me sento no sofá da sala e pego um pouco de purê de batata no carrinho, que estranhamente não foi recolhido ontem. Pouco depois, Rubens se junta a mim no purê. Às sete em ponto, a TV se liga mostrando a programação para hoje: 7:30 esperar pelo instrutor na porta do apartamento, 7:40 estar no pátio da estação para as Honras.

No horário marcado estamos em frente à porta e uns dois minutos depois, Helga surge.

– Então só vocês dois nessa andar?

– Tem mais um, que está no hospital. A Resistência da montanha levou os outros – responde Rubens.

Helga nos coloca no elevador e nem manda que façamos fila ou fiquemos em silêncio, somente quando nos juntamos aos outros na Praça Neutra. Seguimos para o pátio da estação em nossa caminhada silenciosa.

Às oito em ponto, o símbolo da Arena aparece no telão e o hino fúnebre é tocado enquanto os rostos dos Renegados mortos aparecem. Um por um, até inteirar nove e por último aparece o rosto do menino de Rossine que Leon assassinou.

Os soldados estão de olho nos Serpas, mas acredito que nada acontecerá dessa vez.

As imagens acabam. Em meio à suave neblina matinal, os carros com as setas piscando vem em nossa direção, começando o desfile dos caixões, cada um coberto com a bandeira de sua casa patriarcal – em sua maioria, Rossine. O hino para.

Os quatro carros estacionam em seus lugares e dessa vez ficamos lá enquanto os caixões são embarcados nos vagões. Assim que o último é colocado, o trem parte. A bandeira volta a ficar no alto do mastro e somos dispensados.

Quando me viro para me desviar dos outros, meus olhos se cruzam com os olhos assassínios de Leon.

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