Ao anoitecer, botamos a segunda e a penúltima parte do plano em ação.
O objetivo era simples: fogo, mas causá-lo seria a parte mais difícil. Precisávamos fazer parecer um acidente ou, caso contrário, algum de nós perderia a vida. Foi pensando nisso que designei a tarefa crucial para Charles, ele era o único que tinha uma resposta boa o suficiente: a sua perna.
Durante o jantar, então, todos nos reunimos na nossa mesa. Seria a nossa última refeição ali.
— Pare! Está me deixando nervoso! — Carter pousou a mão em minha perna, me fazendo parar de balançá-la.
— Eu só estou com medo de que as coisas não ocorram como o planejado e alguém se machuque — sussurrei para ele, olhando diretamente em seus olhos — Não estou com bom pressentimento.
— Nenhum recruta vai se machucar. Eu prometo. — desviei meus olhos para a minha perna que agora ele apertava um pouco, tentando me passar segurança, mas só estava me deixando ainda mais nervosa.
Logo ele a soltou, voltando a bebericar o suco mais natural que tomamos em anos.
— Um brinde — Amon propôs, levantando o seu copo no centro da mesa — À tudo o que estar por vir.
— À tudo o que estar por vir — nós dissemos em uníssono, chocando nossos copos uns contras os outros com sorrisos cúmplices e nervosos.
Charles, do outro lado da mesa ao lado de Margot, me encarou. Respirando fundo, assenti discretamente, o permitindo seguir a diante. Mas, antes que ele pudesse se mover, Margot puxou seu rosto de lado em um ato impulsivo e o beijou.
— Wow — Victoria sorriu, bebendo o seu suco.
— Arrumem um quarto — Karl atiçou.
— Para dar boa sorte — li os lábios de Margot sussurrar para Charles.
Sorri de lado, entendendo totalmente a sua coragem por meio do medo de perdê-lo.
Então Charles finalmente se levantou, se apoiando em uma muleta para conseguir andar até o guarda mais próximo. Ele conversou algo com o aldeão, que logo o levou com uma tocha para trás de uma tenda para o garoto de óculos aliviar a bexiga, ou ao menos era isso o que pensava.
— Se preparem — eu sussurrei, largando o meu corpo e sentindo meus músculos ficarem rígidos pela tensão.
Como o combinado, Charles conseguiu uma forma do aldeão deixar a tocha cair. Poderia ter sido um acidente normal como qualquer outro em que o fogo se apagaria, se não fosse pelas palhas secas e pelo álcool espalhado por toda a aldeia. Então, o incêndio começou.
— IRUN! IRUN! IRUN! — escutei o aldeão gritar, fazendo todos os outros ficarem agitados.
"FOGO! FOGO! FOGO!"
Uma trombeta foi tocada, como o sinal deles de que havia uma ameaça. O mesmo sinal serviu para que Aiken, do lado de fora, soubesse que havíamos cumprido com a nossa parte do plano. Agora ele faria a dele junto com a irmã.
— Agora! — eu disse para os outros que se levantaram e correram na direção contrária das pessoas que tentavam apagar o incêndio que se alastrava por toda a aldeia.
O grupo se separou em três: Margot correu para ajudar Charles com a Victoria, para conseguirem ir ao ponto de encontro. Amon e Karl ficaram responsáveis por pegarem as nossas mochilas carregadas de suprimentos na nossa tenda. E eu e o Cárter fomos até a grande tenda, onde estavam as nossas armas.
A grande tenda estava vazia, como o esperado, o que facilitou a nossa procura. Carter vasculhava uma área enquanto eu vasculhava outra.
— Achei as armas! — o comuniquei, puxando uma cesta quadrada debaixo da cama de Wakanda.
— Achei as munições! — Carter me avisou, puxando outra cesta quadrada de cima do guarda-roupa dela.
Então ouvimos os gritos desesperados do lado de fora. A última parte do plano.
— O nosso tempo acabou — eu disse para ele, assustada, e o mesmo puxou as munições para carregar as armas.
— Só temos o suficiente para duas — ele relatou, atordoado, mas tentando manter a calma.
— Já sei! — eu tive uma ideia e o deixei para procurar o que queria.
Abri o baú ao lado do trono de madeira de Wakanda. Dentro dele havia diversas espadas e outras armas brancas. Peguei um facão, duas adagas e um machado.
— Isso vai servir — Carter sorriu aliviado ao me ver parada em sua frente, devidamente equipada.
— Vamos embora daqui — eu pedi, apertando com mais força o machado em minhas mãos.
Então saímos com cuidado da grande tenda. Se o inferno existia, eu tinha certeza de que estávamos nele.
As chamas já haviam tomado proporções bem maiores do que os aldeões poderiam conter e, para piorar a situação, uma parte do muro havia sido derrubada pelos gêmeos que conhecíamos muito bem. Era a nossa saída dali, mas também servia como uma entrada para os mortos atraídos pelo incêndio.
— Cuidado! — Carter avisou tempo o suficiente para que eu pudesse me esquivar do morto que vinha em minha direção, ele acabou morto de verdade no chão com um tiro na testa.
— Obrigada — agradeci pelo disparo.
— Vamos! — ele apontou com a cabeça para a direção que deveríamos ir e eu o segui.
(...)
No caminho até o lado de fora tivemos alguns obstáculos, mas nada que não pudéssemos dar conta. Quando um aldeão tentou nos impedir de sair, um morto o atacou, livrando o nosso caminho.
— Eles chegaram! — ouvi Amon comunicar, então logo atrás dele vi Karl, Aiken e Ayla.
— É bom ver vocês — disse genuína aos gêmeos que acenaram — mas onde estão os outros? — perguntei preocupada, sentindo meu coração perder uma batida.
Se algo acontecesse a algum daqueles três, eu não me perdoaria nunca.
— Bem atrás de você — Ayla apontou com o seu revólver para as pessoas que estavam vindo ao nosso encontro.
— O que aconteceu? Você se feriu? — perguntei a Margot quando vi seu vestido sujo de sangue.
Eu e o Carter estávamos cobertos de gosma preta, o sangue dos mortos.
— Um aldeão, que tinha acabado de ser transformado, cruzou o nosso caminho — ela justificou, parecendo cansada, e largou a cintura de Charles, que se escorou no Amon.
— Sem querer me gabar, mas eu acabei com ele — Victoria deu de ombros, seu rosto sujo de fuligem.
— Que bom que estão todos bem, mas agora temos que dar o fora daqui antes que outra manada de mortos decida aparecer — Aiken apressou todo mundo.
Todos nós estávamos com um pouco de dificuldade para respirarmos, por conta de toda fumaça que inalamos e da correria para chegar até o ponto marcado.
— Eu preciso só de um segundo — Charles pediu, se agachando ao chão para recuperar o fôlego. Ele também estava com uma careta de dor, provavelmente pela perna enfaixada.
Avistei algo atrás dele, dentro dos arbustos, se mover rapidamente em sua direção.
— Se agacha! — mandei antes de lançar o meu machado na direção da coisa, que caiu morta bem ao seu lado.
Fui até o morto e precisei segurar o seu corpo com o meu pé esquerdo para conseguir puxar de volta o machado. Limpei sua lâmina na minha calça.
— E num é que você fica gostosa quando faz a pose de durona, encharcada de sangue, Baker — Karl comentou, desnecessário como sempre.
Ele ainda sorriu malicioso quando lhe lancei um olhar amedrontador.
— Tudo bem. Eu estou bem. Vamos sair logo daqui. — Charles pediu, encarando o morto com a cabeça aberta ao seu lado.
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Agora estamos caminhando para a terceira e última parte do livro...