No dia seguinte, Lauren não está na escola. Ela ainda tem mais três dias de "folga" por causa de um feriado que nem comemora. Queria poder fugir com ela, mas a ideia de perder uma aula importante ou de atrasar algum dever de casa me deixa apavorada. Mas entendo que as prioridades de Lauren sejam outras - sua arte. Então, fico chocada quando, ao entrar na sala para a primeira aula de terça-feira, a vejo esparramada na carteira... cinco minutos antes de o sinal tocar.
Uma descarga de adrenalina acaba com qualquer resquício de sonolência da manhã que possa existir em meu corpo.
- O que está fazendo aqui? - pergunto.
Aperto o caderno contra o peito, radiante de tanta felicidade.
- O-oi. - Ela endireita o corpo na cadeira. - É uma longa história.
Arqueio as sobrancelhas.
- Talvez a diretora tenha suspeitado da quantidade de dias que faltei. Talvez ela tenha ligado para os meus pais. Talvez meus pais tenham confirmado que não comemoramos o Sucot.
Fico desolada.
- E talvez você tenha recebido uma maldita detenção.
Lauren dá de ombros, confirmando minha suspeita.
- Que merda. Sinto muito.
Ela pousa as mãos na carteira.
- Para falar a verdade - diz, com a voz mais baixa, inclinando o corpo para a frente - , não foi tão ruim assim.
Franzo o cenho.
- Não?
Ela me encara. Por um bom tempo.
- Ah.
Desvio o olhar, sentindo prazer e vergonha ao mesmo tempo.
- Hum. Quanto tempo de detenção você pegou?
Lauren volta a se esparramar na cadeira.
- Três semanas só, mas...
Ao escutar isso, volto a erguer a cabeça.
- Incluindo os sábados.
Ela dá de ombros de novo.
- Mas não tem problema, vou aproveitar para desenhar. Essa é a última advertência. Não demorou muito - acrescenta.
Meu coração para de bater. Praticamente.
- Última advertência? Isso quer dizer que na próxima você é expulsa?
- Não tem nada de mais. De verdade.
Eu devo ter deixado transparecer meu pânico, porque logo ela se ajeita na carteira.
- Vamos chamar de "última" advertência mesmo. Não é a minha primeira.
Fico calada. Não sei como ela consegue ficar tão calma.
- No ano passado, levei a "última advertência" no inverno uma vez, e depois na primavera. Então, já peguei duas. Essa é a terceira - explica.
- Bom...toma cuidado - peço, o que soa muito patético. - As folhas das árvores nem começaram a cair, e você não ia querer perder isso. Mesmo que seja muito mais bonito em Nova York...
- Pode deixar, vou tomar cuidado - declara ela, com a voz firme, depois sorri.
Brinco com uma mecha do cabelo. A duas carteiras de distância, Emily Middlestone inclina o corpo para a frente. Ela está usando óculos escuros de marca que com certeza são falsos.
- Ei, seria muita burrice ser expulsa no último ano do colégio - provoca ela.
Lauren olha para ela com indiferença.
- Sim, Emily. Seria muita burrice.
Professeur Cole entra apressada na sala e para de repente.
- Estou atrasada? - pergunta ela a Lauren.
Ela balança a cabeça uma única vez.
- Não.
- Que bom. Finalmente você aprendeu a chegar no horário - comenta ela, com um sorriso brincalhão.
Ela vai até sua mesa e eu vou para minha carteira. Que fica bem de frente para Lauren.
Trocamos olhares mais descaradamente durante a semana, mas ainda há muita timidez entre nós, certo desconforto em olhar ou conversar por muito tempo. Nossa relação ainda precisa se firmar. A expectativa - em relação a alguma coisa - paira no ar.
À noite, levo horas para pegar no sono. Coloco a caneca de chope em cima do frigobar, ao lado da cama, para poder observá-la do meu travesseiro. É a prova de que ela também está pensando em mim.
Lauren não aparece em meu quarto. A detenção vai até o horário do jantar, e ela ainda não come no refeitório. Depois do jantar, visitas a alunos são proibidas. Ela não quebra mais as regras e, ao que parece, não vai mais se arriscar vindo até aqui. Então continuo com minha rotina, faço as lições, estudo e tento não surtar e ficar analisando tudo o tempo todo. Shawn tem me olhado com uma cara não muito boa ultimamente.
Na quinta-feira, antes da nossa aula de ciências políticas, Lauren vem falar comigo.
- Então. Sábado. Às seis da tarde termina a minha detenção. Se quiser me encontrar depois, em qualquer horário... - diz ela, depois de tirar a caneta de entre os dentes.
Paris é uma cidade que funciona vinte e quatro horas por dia. Sinto um frio na barriga como se houvesse mil agulhas perfurando meu abdômen.
- É?
Ela aponta a caneta para mim.
- Sabe que, como foi você que me convidou, é você que escolhe o lugar, né?
Seca.
Garganta.
Garganta seca.
Parece que engoli um punhado de farinha.
Lauren volta a levar a caneta à boca, mas logo em seguida a retira.
- Pode escolher qualquer lugar - diz, com um sorriso. - Vai receber um "sim" como resposta de qualquer jeito... Se isso ajudar.
Minhas bochechas ficam vermelhas. De novo.
Passo o resto da semana surtando. Shawn me lembra que vai ser na Nuit Blanche.
Noite Branca. Uma noite que nunca escurece. Todo mês de outubro, no primeiro sábado, os museus e as galerias ficam abertos para visitação até o amanhecer. A tradição começou em São Petersburgo, na Rússia, veio para cá e continua se espalhando por todo o mundo.
Mas - e falo como alguém que conhece bem a decadência desse lugar - não há cidade melhor do que Paris para passar a noite fora.
Não sou a única a ficar com os olhos grudados no relógio. Precisamente às vingt et Une heures - no exato momento em que o relógio do meu celular muda de 20h59 para 21h -, ouço um barulho que reconheço no mesmo instante: duas batidas suaves.
Minhas terminações nervosas entram em choque. Ontem, combinei com Lauren o horário, mas não disse para onde iríamos. Até porque nem eu sei ainda.
Três anos de ansiedade invadem meu corpo. E se eu estiver enganada? E se não for isso o que eu sempre quis? Mas e se for?
Abro a porta.
Lauren está incrivelmente sexy. É a primeira noite fria do outono, e ela está com uma jaqueta preta maravilhosa. A gola está virada para cima naquela pegada de autoconfiança e casualidade que só os artistas têm. Eu já a vi com essa jaqueta estilo "estou indo para um encontro", mas é a primeira vez que ela a usa para sair comigo.
- Vocêestáincrível.
Mas as palavras saem da boca dela, não da minha.
Estou com um vestido rodado, o cabelo solto e com mechas encaracoladas nas pontas. Na boca, batom vermelho. Maman me disse uma vez para sempre colocar a cor mais forte onde quero que as pessoas olhem. Mordo o lábio inferior.
- Obrigada. Você também.
Lauren enfia as mãos nos bolsos. Ela ergue os ombros, claramente nervosa. Minha respiração está entrecortada, como se eu não conseguisse inspirar oxigênio suficiente.
- Então, que tal irmos ao Pompidou? Tem uma exposição lá de um fotógrafo estranho da Finlândia. O cara parece ser meio pirado, acho que pode ser interessante, mas, sei lá, talvez seja uma ideia ridícula, podemos fazer outra coisa, se você quiser...
- Não.
Sinto minhas bochechas queimarem.
- Não?
- Eu quis dizer sim, vamos. Parece legal.
- Ah.
Engulo o ovo que estava preso na garganta.
- Ah, ótimo.
Há um longo silêncio. Lauren dá um passo largo para o lado.
- Infelizmente, você vai ter que sair do seu quarto - brinca ela.
Solto uma risada, e parece que suguei gás hélio.
- Certo. Já faz um tempo que não passo por isso. Um encontro. Esqueci como funciona.
Fecho a porta, me remoendo por dentro de vergonha. Demos apenas dois passos no corredor quando minha porta - que parece a tampa daquelas caixinhas que quando você levanta a tampa salta um palhaço para fora - se abre de novo.
Lauren sabe exatamente o que fazer e consegue por fim fechá-la.
- Nossa, cara. Quem será que foi o idiota que quebrou a fechadura da sua porta?
Dou uma risada. Agora autêntica e natural. E então, Lauren diz a melhor coisa que poderia dizer:
- Tudo bem. Faz um tempo que não faço essas coisas também.
Meu sorriso triplica de tamanho.
Lauren sorri também.
- Me dá a sua mão.
- O... o quê?
- Sua mão - repete. - Me dá a sua mão.
Estico a mão direita, que está tremendo, e, como se todos os meus sonhos tivessem se tornado realidade, Lauren Jauregui entrelaça os dedos nos meus. Uma descarga de energia é disparada em minhas veias. E vai direto para o coração.
- Nossa. Esperei muito tempo para fazer isso - diz ela.
Não tanto quanto eu.