Kismet [concluída]

By laur_xxvii

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Tímida e romântica, Camila tem uma queda pela introspectiva Lauren desde o primeiro ano na SOAP, uma escola a... More

II - Real Friends
III - Oh My God
IV - Everlasting Love
V - Eres Tú
VI - Like Friends
VII - Into It
VIII - Sledgehammer
IX - Reflection
X - Inside Out
XI - Must Be Love
XII - Beautiful
XIII - Write on Me
XIV - Dope
XV - Freedom
XVI - Inside
XVII - Never Be The Same
XVIII - Consequences
XIX - Love Incredible
XX - No Way
XXI - More Than That
XXII - In The Dark
XXIII - Down
XXIV - All Night
XXV - I Have Questions
XXVI - Something's Gotta Give
XXVII - Miss Movin' On
XXVIII - Scar Tissue
XXIX - A Thousand Years
XXX - Expectations
XXXI - Back To Me
XXXII - 1000 Hands
XXXIII - Kismet - Fim

I - Kismet

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By laur_xxvii

É meia-noite, está abafado, e eu devo estar muito dopada por causa dos analgésicos, mas aquela garota - aquela garota bem ali - é ela.

A garota

A postura dela é tão familiar quanto um sonho recorrente. Ombros prostrados para a frente, cabeça inclinada para a direita e nariz a dois centímetros da ponta da caneta. Está concentrada. Meu coração dispara, e fico tão eufórica que chega a doer. Ela está bem perto, a apenas duas mesas de distância, olhando em minha direção. A cafeteria está fervendo. No ar, o aroma agridoce do café se espalha. Três anos de desejo irrompem do meu corpo e saem pela minha boca para formar uma palavra:

- Lauren!

Ela levanta a cabeça imediatamente. Por muito, muito tempo, apenas me encara. Depois... pisca.

- Camila?

- Você se lembra do meu nome...

Abro um sorriso, mas no segundo seguinte me arrependo.

Ai!

Lauren olha ao redor como se estivesse procurando alguém e depois, devagar, pousa a caneta na mesa.

- Hum, é. Fizemos várias aulas juntas.

- Cinco aulas uma ao lado do outra, doze aulas juntas no total.

Uma pausa.

- Certo - diz ela, apreensiva.

Outra pausa.

- Está tudo bem?

Um cara que parece uma versão jovem e cheia de piercings de Abraham Lincoln joga um cardápio plastificado em cima da minha mesa. Não chego nem a olhar as opções e já peço:

- Alguma coisa pastosa, por favor.

Abe coça a barba, intrigado.

- Mas nada de sopa de tomate, mousse de chocolate nem gelatina. Só comi isso hoje.

- Ah. - A expressão de Abe se atenua. - Você está doente.

- Não - respondo.

Ele fecha a cara novamente.

- Ah, deixa pra lá.

E pega o cardápio de volta.

- É alérgica a alguma coisa? Só come alimentos kosher? É vegetariana?

- Hein?

- Vou ver o que tem na cozinha.

E, com isso, ele vai embora. Volto a me concentrar em Lauren, que continua me encarando. Ela olha para seu caderno de desenho, ergue a cabeça, olha para mim, depois volta a olhar para o caderno. É como se estivesse em dúvida se ainda estamos conversando. Abaixo a cabeça também. Começo a ter aquela sensação de que, se eu continuar falando, é provável que amanhã eu me arrependa amargamente.

Mas... é como se eu não conseguisse me conter - e não consigo mesmo, não quando estou perto dela -, então volto a erguer a cabeça. Sinto o sangue pulsando em minhas veias enquanto meus olhos a devoram. O nariz pequeno e bonito com um delicado piercing. Braços modulados e seguros. A pele pálida está ligeiramente bronzeada por conta do verão, e uma pequena parte da tatuagem preta fica à mostra logo abaixo da manga da blusa.

Lauren Jauregui. Minha paixão por ela ultrapassa todos os limites. Ela ergue a cabeça de novo, e sinto minhas bochechas corarem. Fico aliviada quando ela pigarreia e fala:

- Não é estranho que a gente nunca tenha se encontrado antes?

Eu aproveito a deixa:

- Você vem sempre aqui?

- Hum... - Ela tamborila a caneta na mesa. - Não, eu quis dizer aqui, em Nova York. Eu sabia que você morava aqui pelo Upper West Side, mas nunca nos cruzamos.

Sinto um aperto no peito. É claro que eu sabia várias coisas sobre ela, mas nunca imaginaria que ela soubesse coisas sobre mim. Estudamos juntas no mesmo colégio interno em Paris, mas passamos as férias em Manhattan. Todo mundo sabe que Lauren mora aqui porque o pai dela é senador pelo estado de Nova York, mas não há nenhuma razão especial para alguém se lembrar de que eu moro aqui também.

- Não saio com muita frequência - admito. - Mas hoje estou morrendo de fome e não tem nada para comer em casa.

Então, sabe-se lá como, me jogo no banco vazio em frente a ela. Meu colar, que tem um pingente em forma de bússola, bate na mesa.

- Arranquei os sisos hoje de manhã e estou tomando um monte de remédios, mas continuo com dor, aí só posso comer coisas moles.

Lauren esboça o primeiro sorriso. Um sentimento de satisfação me invade. Tento sorrir o máximo que consigo, embora a dor dificulte bastante.

- Do que você está rindo? - pergunto.

- Analgésicos. Faz sentido agora.

- Ah, merda! - Bato o joelho na mesa. - Estou tão chapada assim?

Surpresa com a pergunta, ela ri. As pessoas sempre riem quando me ouvem dizer "merda", porque não esperam que uma palavra dessas saia da boca de uma garota tão pequena, delicada e com uma voz tão baixinha, tão meiga.

- Achei mesmo que tinha alguma coisa diferente, só isso.

- Os efeitos colaterais incluem a terrível combinação de exaustão e insônia. E é por isso que estou aqui agora.

Lauren ri de novo.

- Extraí os sisos no verão passado. Amanhã você já vai se sentir melhor.

- Ai, jura?

- Bom, não exatamente amanhã. Mas nos próximos dias.

Nossos sorrisos dão lugar a um silêncio reflexivo. Conversamos pouquíssimas vezes na escola e nunca fora dela. Sou tímida demais, e ela, reservada demais. Além disso, Lauren namorava o mesmo garoto desde... desde sempre, ao que parecia.

Namorava.

Os dois terminaram no mês passado, logo depois de ele ter se formado. Lauren e eu ainda temos o último ano pela frente. Ah, como eu queria que por algum motivo ela se interessasse por mim, mas... não há motivo algum. O ex dela era determinado e extrovertido. Exatamente o oposto de mim. Talvez tenha sido por isso que fiquei surpresa quando, de repente, me vi apontando para o caderno de desenho dela, tentando avidamente prolongar este momento, o milagre que é esta conversa.

- O que você está desenhando aí? - pergunto.

Ela estende os braços para cobrir o desenho, uma espécie de caricatura de Abe Lincoln jovem.

- Ah, eu só estava... rabiscando.

- É o cara que acabou de atender a gente.

Sorrio. Ai!

Lauren parece um pouco encabulada ao recolher os braços e desistir de esconder o desenho. Ela dá de ombros.

- E o casal ali no canto - diz ela.

Não estamos sozinhas, então?

Eu me viro e vejo um casal de meia-idade nos fundos do restaurante, lendo a Village Voice. Não há mais nenhum cliente, então não estou viajando tanto assim. Pelo menos acho que não. Viro-me para Lauren de novo, me sentindo mais corajosa agora.

- Posso ver?

Eu pedi. Não acredito que pedi isso. Sempre quis bisbilhotar os cadernos dela, sempre quis segurar um deles. Lauren é a artista mais talentosa da escola. Ela consegue fazer vários tipos de desenho, mas prefere os quadrinhos. Uma vez, escutei quando ela contou a alguém que estava trabalhando em uma história em quadrinhos sobre a própria vida. Uma autobiografia. Um diário. Quais segredos essa história revelaria?

Na escola, eu sempre me contentei em dar uma espiada por cima do ombro dela quando a via desenhando, em observar os desenhos que ficam pendurados no estúdio esperando a tinta secar e os esboços grudados na porta dos amigos dela. Lauren tem um estilo quase extravagante. Seus desenhos são melancólicos e belos, bem pessoais. Os traços são meticulosos, revelando a desenhista dedicada que ela é. As pessoas pensam o contrário, porque ela parece estar sempre sonhando acordada, mata aula e nunca faz o dever de casa, mas, quando vejo seus desenhos, sei que as pessoas estão enganadas.

Queria que ela olhasse para mim do mesmo jeito que olha para os próprios desenhos, porque então ela veria que há algo a mais em mim além da timidez, assim como vejo que há muito mais nela além de preguiça.

Sinto minhas bochechas queimando de novo - como se ela pudesse ouvir meus pensamentos -, mas então percebo... que ela está me observando. Será que fui longe demais? Seu rosto agora exibe uma expressão preocupada, e eu franzo o cenho.

Lauren assente em direção à mesa. O caderno dela continua ali, bem na minha frente. Dou risada. Ela ri também, embora um pouco confusa. O caderno continua aberto na página do desenho inacabado. Uma onda de emoção percorre meu corpo. Em uma página, Abe está olhando, entediado, para a divisória do caderno. Até mesmo os piercings do nariz, das sobrancelhas e das orelhas parecem enfastiados, aborrecidos. Na página ao lado, Lauren reproduziu com perfeição as sobrancelhas franzidas e a expressão concentrada do casal sentado nos fundos do restaurante. Bem de leve, toco a ponta de uma das folhas do caderno, uma área ainda sem tinta. Faço isso para provar a mim mesma que este momento é real.

- São incríveis. O caderno inteiro tem desenhos como estes, de pessoas? - pergunto, com uma entonação que deixa transparecer minha admiração por ela.

Lauren fecha o caderno e o puxa para perto. As folhas estão amassadas por causa do uso. Na capa, há um adesivo azul imitando a bandeira dos Estados Unidos. À mão, uma palavra foi escrita na transversal: BEM-VINDO. Não sei o que significa, mas, seja lá o que for, gostei.

- Obrigada. - Ela sorri de novo. - Tem um monte de coisas aqui, mas, sim, a maioria são desenhos de pessoas.

- E você tem permissão para fazer isso?

Ela franze o cenho.

- Fazer o quê?

- Tipo, você não precisa da permissão delas?

- Para desenhá-las? - pergunta ela.

Confirmo com a cabeça.

- Não... Não vou usar os desenhos para nada em especial. Este caderno aqui é vagabundo. Não dá nem para arrancar as folhas.

- Você faz isso sempre? Desenha pessoas desconhecidas?

- Claro.

Com o dedo indicador, ela puxa sua xícara de café. Observo uma mancha preta de tinta perto de sua unha.

- Para ser bom, seja no que for, é preciso treinar - diz ela.

- Quer treinar comigo? - pergunto.

As bochechas de Lauren ficam coradas no momento em que Abe chega com nossos pedidos e coloca dois pratos na mesa.

- Canja de galinha e cheesecake - anuncia Abe, olhando para mim. -É o que temos.

- Merci - agradeço.

- De nada - responde ele em espanhol, revira os olhos e se retira.

- Qual é a desse cara? - digo, devorando a torta. - Caracamuitobom! - murmuro de boca cheia. - Querumpedaço?

- Hum... não, obrigada. - Lauren parece espantada. - Você deve estar com muita fome, hein?

Devoro o resto com mais prazer ainda.

- E então, você mora por aqui? - pergunta ela, depois de certo tempo.

Engulo e respondo:

- A dois minutos daqui.

- Eu também moro perto. Dez minutos.

Devo ter feito cara de surpresa, porque ela acrescenta:

- Eu sei. Estranho, não é?

- É legal.

Engulo a canja de galinha. - Aimeudeus, que delícia... isso está muito bom.

Lauren fica me observando por um momento, em silêncio.

- Mas então... Está falando sério? Não tem problema mesmo eu desenhar você?

- Sim, é sério. Eu adoraria. - Eu adoro você! - O que eu tenho que fazer?

- Não esquenta. Relaxa e continua aí fazendo o que você estava fazendo.

- Há! Você vai me desenhar comendo que nem um cavalo. Não, melhor: um porco. É. Um porco. Estou parecendo um cavalo ou um porco?

Lauren balança a cabeça, achando graça. Ela abre o caderno em uma folha em branco e olha para mim. Nossos olhares se cruzam. Fico embasbacada. Verdes. Mas às vezes os olhos dela parecem azuis.

O rangido da caneta dela se mistura ao som agudo do folk antigo que emana dos alto-falantes, uma melodia cheia de desejo, perturbação, angústia e amor. Lá fora, uma tempestade começa. A chuva e o vento se unem à trilha sonora, e eu cantarolo junto. Minha cabeça acaba batendo no vidro da janela.

Eu desperto, perplexa. Minha tigela de sopa e meu prato estão vazios.

- Faz quanto tempo que estou aqui?

- Um pouquinho.

Lauren sorri.

- Esse remédio aí que você tomou... é coisa boa, hein? - brinca ela.

Solto um gemido.

- Eu não estava babando, estava?

- Não. Você parece feliz.

- Eu estou feliz - digo. Porque... estou.

Sinto a vista escurecer.

- Camila. Está na hora de irmos embora - sussurra ela.

Levanto a cabeça. Quando foi que eu a deixei cair na mesa?

- A Kismet vai fechar - continua ela.

- Que Kismet? O que é isso?

- Destino, em inglês.

- O quê?

- O nome desta cafeteria.

- Ah, entendi.

Lauren e eu saímos para a noite escura. E continua chovendo. As gotas de água são espessas e quentes. Cubro a cabeça com as mãos e Lauren enfia o caderno debaixo da blusa. Olho de relance para a barriga dela. Delícia.

- Gostosa.

Ela se assusta.

- O quê?

- Hã?

Lauren arqueia os cantinhos dos lábios, sorrindo. Quero beijá-los. Um beijo em cada cantinho.

- Tá legal, doidinha. - Ela balança a cabeça. - Para que lado?

- Para que lado o quê?

- Sua casa. Para que lado fica a sua casa?

- Você vai para a minha casa?

Fico extasiada.

- Vou levar você até lá. Está muito tarde e chovendo muito.

- Ah, legal. Você é legal.

As luzes amarelas dos faróis se refletem no asfalto molhado. Indico a direção para ela, e atravessamos a avenida Amsterdã. A chuva engrossa.

- É para lá - digo, e caminhamos um quarteirão inteiro curvados, passando debaixo de uma sequência de andaimes.

Os pingos de chuva batem no metal, fazendo um barulho que lembra uma máquina de pinball.

- Camila, espera!

Mas é tarde demais. Normalmente, os andaimes são perfeitos para nos protegermos da chuva, mas às vezes o encaixe das barras de alumínio acaba formando um funil que acumula água, e aí, em vez de se proteger, você fica ensopado. É o que acontece comigo. Estou ensopada. Da cabeça aos pés. Meu cabelo gruda no meu rosto, meu vestido cola no corpo e a água entra nas minhas sandálias, encharcando a sola dos pés.

- Ha-ha!

Não tenho certeza se isso foi uma risada ou não.

- Você está bem?

Lauren se curva ainda mais sob o andaime, desvia da cachoeira e para bem ao meu lado. Caio na gargalhada. Rio tanto que minha barriga começa a doer.

- Dói... a boca... para rir. Minha boca. A boca e o estômago. E a boca.

Ela ri também, mas está distraída. De repente seus olhos encontram os meus, e me dou conta de que Lauren estava olhando para outro lugar. Paro de gargalhar, mas continuo sorrindo.

Obrigada, funil safadinho.

Ela se afasta, o corpo todo torto e desconfortável.

- Estamos quase lá, né?

Aponto para uma fileira de prédios do outro lado da rua.

- É o segundo. Aquele com os vidros verdes e meio acobreados e com telhas.

- Já os desenhei uma vez. - Ela arregala os olhos, embasbacada. - São lindos.

O prédio dos meus pais fica em uma rua com casas inspiradas na arquitetura flamenga do final do século XIX. Nosso bairro é um dos únicos na cidade em que os moradores podem enfeitar os degraus da entrada com flores sem correr o risco de que os pedestres as destruam.

- Mamãe gosta deles também. Ela gosta de coisas bonitas. É francesa. Foi por isso que fui estudar naquele colégio.

Minha voz ecoa enquanto Lauren me conduz até a entrada cheia de flores cor-de-rosa que pendem do alto da porta. Estou em casa. Lauren retira a mão das minhas costas, e só então me dou conta de que ela estava me tocando o tempo todo.

- Merci - agradeço.

- De nada.

- Obrigada.

- De rien.

O ar está tomado pelo perfume das rosas úmidas. Entro no prédio meio que cambaleando, tateando as paredes, e Lauren fica na calçada, esperando, imóvel. Seu cabelo escuro está tão molhado quanto o meu agora. Um fio de água escorre pela ponta de seu nariz. Com um dos braços ela aperta o caderno contra o peito, protegendo-o debaixo da blusa.

- Obrigada - agradeço de novo.

Ela fala mais alto para que eu a ouça do outro lado da porta de vidro:

- Vê se descansa, doidinha. Tenha bons sonhos.

- Sonho... - repito.

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