Contrato de Destino

By KassColim

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[LIVRO 1] Este é o primeiro livro da Série Vórtex. [Romance/Fantasia] Um contrato foi selado pelos... More

S I N O P S E
Palavras da Autora
G L O S S Á R I O
P R Ó L O G O
C A P Í T U L O 1
C A P Í T U L O 2
C A P Í T U L O 3
C A P Í T U L O 4
C A P Í T U L O 5
C A P Í T U L O 6
C A P Í T U L O 7
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N O T A D A A U T O R A

C A P Í T U L O 26

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By KassColim

Os efeitos do caos

          Eu não tinha mais forças para pensar, não possuía mais lágrimas para chorar. Aquelas duas últimas semanas, desde o noivado, passara com um borrão confuso e angustiante. Desisti de imaginar como seria a minha vida após o casamento, e passei a viver de modo automático sem esperar muitas coisas dela.

          Era menos doloroso assim.

          Do que adiantaria me desesperar? Do que adiantaria fugir? O problema iria atrás de mim aonde quer que eu fosse. Ele estava dentro da minha cabeça, consumindo os meus sonhos, as minhas emoções, a minha vida e tudo o que um dia fui. Eu me sentia morrer aos poucos, e ser enterrada sob um grande nada do que podia ser feito para resolvê-lo.

          ― Rosas ou orquídeas, Liz? ― Minha atenção se desviou do jardim à frente para Ava. Ainda que estivéssemos à sombra, o dia ensolarado não deixava de realçar seus lindos cabelos loiros que balançavam conforme a brisa suave que soprava.

          Minha mãe estava feliz de certa forma, apesar das circunstâncias assustadoras. Acredito que assim como eu, deixou de pensar no futuro para se adaptar ao presente, já que a minha decisão estava tomada e ela nada podia fazer a respeito. Coube a Ava aceitar e fazer o melhor que podia para o casamento da sua única filha. Eu a entendia, de verdade, eu a entendia, no entanto, o esforço dela não diminuía a minha tristeza.

          Eu insisti na ideia de que uma cerimônia simples era mais que o suficiente, mas como Madeleine havia me alertado, Eleonora estava determinada a realizar aquele casamento com tudo que tinha direito. Aos poucos também acabou convencendo a minha mãe, que depois do que aconteceu no noivado, ficara totalmente relutante a ele. No mais, bastou um encontro com a cerimonialista contratada por Eleonora para despertar a empolgação em Ava.

          ― Tanto faz ― respondi.

          Eleonora e ela trocaram alguns olhares cúmplices, claramente frustradas com a minha resposta. Dado a hostilidade inicial da minha mãe, era até estranho o quanto elas estavam se dando bem, completamente empenhadas com a organização. Os últimos quinze dias havia sido mais que suficientes para que planejassem todo o casamento. Até os convites já estavam prontos e começariam a ser entregues na semana seguinte.

          ― Filha, por favor, escolha uma das duas.

          Eu estava farta de tudo aquilo, mas não tinha forças para contestar.

          ― Rosas ― murmurei e elas se entreolharam outra vez.

          Não entendia por que minha mãe insistia em me levar àqueles encontros com a cerimonialista. Quando ela, Eleonora ou até mesmo a organizadora perguntava a minha opinião sobre algo, eu respondia "tanto faz", e quando insistiam, escolhia primeira opção que me vinha à mente. Algumas vezes elas pareciam perceber o que eu fazia, então, após conversarem, acabavam decidindo pela outra opção, e eu apenas concordava.

          ― O que você acha, Eleonora? ― Ava indagou.

          ― Me parece a escolha perfeita. Creio que ficarão ainda mais elegantes se forem brancas.

          Me perguntaram se eu concordava com o branco, e eu me limitei a um "sim" desinteressado. As duas se viraram para a cerimonialista e começaram uma conversa intensa sobre tons dourados, fios de ouro, lustres de cristal, rosas brancas e velas. Tudo muito confuso, e nada reconfortante.

          Eu me perguntava como que Corinne aguentava aquelas duas. Talvez a paciência fosse o segredo para se dar bem nesse negócio, e segundo Eleonora, Corinne Villar era uma das melhores organizadoras de casamento do mercado. De fato, compreendi o porquê. Além da paciência, ela parecia saber exatamente o que elas queriam. Todas as suas propostas não só agradavam, mas fascinavam Ava e Eleonora.

          Novamente, eu havia sido esquecida no meio daquele falatório, e me senti aliviada por isso. Desta vez, meus olhos não se voltaram para o jardim, mas sim para a minha mão direita. A sensação ainda era estranha. Eu não tinha conseguido me acostumar com o peso daquela aliança. Não era só o peso físico, mas também do significado e das consequências que ela representava.

          No início fiquei resistente em usá-la, já que era a prova real do pesadelo que eu estava vivendo. No entanto, em um dos encontros com Eleonora, ela me perguntou pela joia, e eu me senti extremamente desconcertada sem saber o que dizer. E se ela contasse para Avigayil que eu ainda estava resistente ao casamento? Tinha dado a minha palavra de que iria tentar, bom, eu estava tentando.

          A conversa entre elas fluía, enquanto meus pensamentos vagavam sem rumo, até que Judite apareceu para informar que uma tal de Madame Ophélie havia chegado. Imediatamente reparei no entusiasmo de Eleonora, que não demorou para se colocar de pé.

          Nos despedimos de Corinne, antes dela ser acompanhada até a saída pela governanta, e então seguimos até a sala da casa de Eleonora. Uma senhora humana de porte fofo e de cabelos grisalhos, que vestia uma elegante combinação de saia e blusa de cor pêssego, estava sentada no sofá. Ela se levantou com um sorriso carinhoso, e abraçou a anfitriã como se fossem amigas há muitos anos.

          ― É um desfastio revê-la, querida. Sinto-me demasiada grata por sua disposição para esta agradável visita. Como vai? ― indagou Eleonora.

          ― Mon cher, jamais perderia a oportunidade de vê-la novamente. Já fazem o que, vinte anos? As rugas aumentaram, mas garanto que a minha energia continua a mesma ― respondeu ela rindo. Seu sotaque carregado parecendo algo próximo ao francês. ― E você, como tem passado esses últimos anos?

          ― Deveras bem, todavia, nada semelhante ao memorável momento que estou vivenciando. ― Educadamente, Eleonora apoiou o seu braço nos ombros da senhora, que era bem mais baixa que ela. Pelo seu porte e suas marcas de expressão, eu diria que ela tinha por volta de uns setenta anos. ― Deixe-me apresentar a minha futura nora, Liz Aileen Irwin, e sua mãe, Ava Aileen.

          Ophélie deixou escapar um "oh" visivelmente surpresa, enquanto suas mãos se uniam em frente ao peito.

          ― Muito prazer ― a cumprimentei estendendo a minha mão, a qual ela ignorou para me dar um abraço apertado.

          ― Magnifique! ― Apoiando os dedos nas laterais do meu rosto, seus olhos azuis, levemente estreitados pela idade, passaram a contornar cada traço meu. ― Ela é tão linda, Eleonora. Je suis ravi. ― Não entendi suas últimas palavras, e até pensei em perguntar, mas ela deu um passo para trás, e passou a analisar o meu corpo com cuidado, me deixando um tanto desconcertada. ― Qualquer vestido ficará maravilhoso neste corpo.

          ― Vestido? ― sibilei confusa lançando um olhar questionador para Eleonora, ao mesmo tempo em que Ophélie abraçava a minha mãe.

        ― Madame Ophélie é a responsável pela Maison de Mariée no Brasil. Somos amigas há muitos anos, por tal motivo, pedi para que ela mesma viesse para tirar as suas medidas.

          Era impressão minha ou aquela situação estava ficando cada vez mais desesperadora? Eu não entendia muito de casamentos, mas na minha cabeça, o vestido seria um dos últimos detalhes a serem escolhidos. Do jeito que as coisas estavam seguindo, eu poderia me casar na semana seguinte, que já estaria tudo pronto.

          Para piorar, descobri que eu teria que escolher o modelo, e que ele seria feito em Paris especialmente para mim. Qual o problema em alugar um vestido qualquer? E qual era o problema com as lojas do Brasil? Me veio à cabeça a pergunta sobre quem estaria pagando por tudo aquilo. Será que eram os meus pais ou a própria Eleonora?

          ― Isso é mesmo necessário? ― perguntei incomodada com o exagero.

          ― Oui mon cher. Seria um pecado alguém tão linda quanto você não se casar usando um vestido da Maison de Mariée. ― O que eu ia dizer? Tudo já estava decidido por elas, só coube a mim aceitar.

          Com a calma de uma tartaruga, Madame Ophélie tirou todas as minhas medidas, do pescoço às pontas dos pés, de um lado a outro. Até os meus pulsos foram medidos. Só faltou cronometrar o tempo entre minhas respirações, pois até uma foto minha a senhora tirou. Depois, ela me mostrou algumas revistas exclusivas da Maison para que eu tivesse uma ideia do que queria, e se caso não houvesse nada, me seriam enviados por e-mail alguns desenhos exclusivos.

          Tudo era lindo, confesso, mas eu não me via usando nada sequer semelhante àqueles vestidos. Até parecia que a minha vida tinha virado uma realidade paralela. Eu não me via vestida de noiva, não me via casando, e muito menos tendo de aguentar aquele vampiro arrogante.

          Céus, eu iria enlouquecer.

          Era melhor não pensar, eu não iria pensar, não iria adiantar o meu sofrimento.

          Pronta para mais um dia de trabalho, parei o carro no estacionamento da Wedo. A primeira coisa que fiz antes de sair dele, foi retirar a minha aliança e colocar dentro da caixa dela que eu já deixava estrategicamente na bolsa. Um mês havia se passado desde o noivado e eu, como uma covarde, não tinha revelado que iria me casar para ninguém do meu trabalho. Nem mesmo para a Mel, por quem eu tinha o mais verdadeiro carinho.

          Simplesmente não dava. Eu não conseguia dizer o que estava acontecendo comigo. Ora as palavras me faltavam, ora a ideia parecia absurda demais. Provavelmente toda essa dificuldade se dera por causa da ponta de esperança que eu ainda tinha, de que poderia escapar desse casamento. O que era uma idiotice, eu sei, mas certa vez, ouvi dizer que a esperança era a última a ser destruída.

          Já do lado de fora, tranquei o carro e comecei a andar em direção à entrada. De repente, ouvi o ronco potente de uma moto passar por mim, o que me fez dar um sobressalto. A moto gigante deu uma volta rápida, e então, para o meu desespero, parou ao meu lado.

          Se minhas pernas não estivessem tão trêmulas, eu teria corrido, mas era tarde demais. Estava paralisada vendo o meu horror estampado na viseira reluzente do capacete do condutor. Lentamente, o objeto fora retirado, e só então consegui voltar a respirar.

          ― Bom dia, loirinha. ― Alex sorria de orelha a orelha, acredito que ele nem tinha se dado conta do quanto havia me assustado.

          ― Oi... bom dia. ― Meu rosto ainda estava parcialmente imobilizado, mas vendo aquele sorriso dele, foi impossível não retribuir.

          ― Me espera, só vou estacionar ― pediu ele, e eu anuí com um aceno breve.

          Ele seguiu até uma das vagas e parou a moto lá. De longe, o vi descer dela habilmente, e logo depois prender o capacete na mesma. Alex retirou a jaqueta que usava, a colocando dentro de uma das bolsas de couro que ficavam suspensas nas laterais, só então ele se aproximou, ajeitando a gola e os punhos dobrados de sua camisa social azul-escura.

          Ainda sorrindo, seus dedos correram por entre seus cabelos escuros, arrumando e ao mesmo tempo desalinhando os fios. Ele realmente era bonito. Tão charmoso. O seu jeito atencioso e educado, só o tornava ainda mais especial, e bem diferente de um certo vampiro maldito que existia por aí.

          ― Obrigado por esperar ― agradeceu após me dar um beijo rápido na bochecha. Passamos a andar juntos em direção à entrada. ― Como você está?

          ― Estou bem, e você?

          ― Bem... ― Ele tocou no meu braço e diminuiu os passos até parar. ― É impressão minha ou você tem me evitado desde o aniversário do Roriz? Se foi por causa do que falei, ou até mesmo pelo beijo que tentei...

          ― Não estou te evitando ― o interrompi, ―, é impressão sua. Além do mais, não houve motivos pra isso.

          ― Tem certeza? ― perguntou sorrindo sem graça, os olhos com um certo brilho de constrangimento.

          Desviei minha atenção para a rua à frente. Sim, eu o estava evitando. Tudo o que eu menos precisava naquele momento, era deixá-lo mais interessado em mim. Era triste saber que tinha ali ao meu lado, uma possibilidade de um relacionamento perfeito, mas que nunca poderia vivê-lo.

          Não me permitiria arrastar o Alex para o mesmo buraco em que estava entrando. Era fundo demais, escuro demais e cheios de incertezas. Não havia perspectivas, não havia sonhos ou felicidade. Se eu iria ser infeliz, não era justo fazê-lo infeliz também, esperando algo de mim que poderia ser destruído a qualquer momento.

          Desde o primeiro segundo em que conheci o Anton, me senti entrar em uma sombra sem fim que, cada vez mais, me atraía para o seu âmago mais obscuro, e me prendia nela como se eu fosse um inseto em uma teia de aranha. Eu sabia que mesmo tentando, nós dois não daríamos certo, e de qualquer forma, relacionamentos fora do casamento me condenariam da maneira mais injusta.

          O que eu havia feito de errado que merecia um castigo tão cruel?

          ― Tenho. Só ando muito atarefada nessas últimas semanas ― declarei o que não deixava de ser verdade.

          ― Está bem. Se precisar de ajuda com algo, é só falar, ok? ― Concordei e agradeci sua atenção. ― Acho que esse não é o melhor momento, mas você me parece cansada e talvez só precise se distrair um pouco. Podemos sair para jantar, ou ir ao cinema, você escolhe. Garanto que sou um ótimo ouvinte, e também posso ser um excelente contador de histórias, ou o que você precisar.

          Soltei um riso fraco fazendo o sorriso dele aumentar.

          ― Agradeço, de verdade. Podemos marcar algo depois, mas é que agora está meio complicado pra mim.

          ― No seu tempo. Estarei aguardando ― finalizou levantando as mãos para dar ênfase às suas palavras.

          Alex e eu entramos juntos na Wedo, sob o olhar curioso da Mel. Depois de cumprimentá-la, passei direto, apenas lançando uma piscadinha para ela, o que a deixou de boca aberta e, provavelmente, pensando um monte de besteiras. Assim que cheguei à minha mesa, o telefone começou a tocar com o ramal da recepção. Ela havia sido mais rápida do que imaginei.

          Atendi.

          ― Cozinha social, às dez horas. ― Dito isso, ela desligou me deixando com uma gargalhada presa na garganta.

          A Mel não existia.

          A curiosidade dela não a permitiria suportar até o almoço, e a hora do café seria o próximo horário que ambas poderíamos nos encontrar e conversar mesmo que por poucos minutos. No entanto, aquele dia não era o seu dia de sorte.

          Logo pela manhã tive de acompanhar o Sr. Landon em uma reunião externa, a qual levou todo o período, e ainda fomos convidados pelo cliente dele para acompanhá-lo no almoço. Quando voltamos para a Wedo, mal tive tempo de respirar, já que precisava deixar todos os slides prontos para a reunião das dezesseis horas.

          Por volta das quinze e meia, quando tudo já estava pronto, combinei de encontrar com a Mel na área do café. Ao chegar lá, ela estava sentada à mesa redonda que existia ali, folheando uma revista qualquer.

          ― Me conta tudo! ― ordenou assim que colocou os olhos em mim.

          ― Contar o que? Ficou doida? ― Tentei ficar séria, mas logo comecei a rir.

          ― Ha-Ha, engraçadinha. Vamos, me diz que coincidência foi essa, você chegando junto com o gatão.

          ― Gatão? ― Ri ainda mais alto, por sorte éramos as únicas por ali. Após me controlar da crise de riso, enchi uma xícara com café, e me sentei à sua frente. ― Nos encontramos no estacionamento, e só. Pode desfazer todas essas ideias malucas que eu sei bem que você criou aí nessa sua cabecinha.

          ― Sem graça ― protestou estalando a língua. ― Você também não tá facilitando pra ele, heim? ― Ela se curvou para frente ficando mais próxima, e então sussurrou: ― Outro dia, ele veio me perguntar por que você o estava evitando.

          Franzi a testa. Se o Alex chegou a perguntar isso pra Mel, era porque tal fato realmente o estava incomodando.

          ― E o que você disse?

          ― Sou sua amiga né, Li. Eu disse que era coisa da cabeça dele, mesmo não sabendo se isso era verdade ou não. ― Respirei aliviada bebendo um gole do meu café. ― Mas agora me fala, estava evitando ele mesmo?

          Não iria entrar em detalhes com ela. Para esclarecer, eu teria de explicar os motivos pelo qual o estava evitando, e isso estava fora de questão por enquanto.

          ― Esquece isso, nós já conversamos e eu esclareci pra ele o quanto ando atarefada.

          ― Se você diz... ― concordou elevando os ombros. Ela não parecia ter acreditado muito na minha afirmação, mas também não falou nada. Sorvendo um gole pelo canudo do seu achocolatado de caixinha, virou a página da revista aberta à sua frente. ― Senhor, me socorre... que homem é esse?

          Vi seus olhos se arregalarem, e os seus lábios se entreabrirem.

          ― "O imperador das Torres Negras". Isso só pode ser montagem, não acredito nessa perfeição toda. ― Soltei um risinho. Mel falava isso de praticamente todos os homens bonitos que ela via nas revistas. Levei minha xícara até a boca esperando pelos seus próximos delírios febris. ― Anton Skarsgard...

          Engasguei. Na verdade, quase me afoguei com o café antes da xícara cair da minha mão e espalhar o líquido por toda a mesa e pela minha camisa branca. Eu estava dormente, cega, muda e quase surda. Demorei a perceber que Mel já estava em pé ao meu lado gritando.

          ― Levanta! Tem de afastar a sua camisa antes que você se queime! ― gritou tentando puxar minha camisa grudada.

          Só então senti o líquido escorrendo pelo meu peito. Para a minha sorte ele não estava mais tão quente, mas ainda assim, me levantei rápido e saí correndo para o banheiro.

          ― Droga, droga, droga! ― praticamente berrei pegando toalhas de papel. ― Eu não acredito nisso, Mel! Tenho uma reunião agora!

          ― Calma, tira essa camisa, vamos dar um jeito.

          ― Por favor, pega a minha bolsa? Tenho lenços umedecidos lá.

          Mal terminei de falar e ela já saía correndo do banheiro. Tentei absorver o máximo do café com toalhas de papel, no entanto, o estrago já estava feito. Como o odiei naquele momento! E me odiei também por permitir que ele me afetasse mesmo de longe.

          Quando Mel voltou, eu já estava com a camisa toda aberta tentando me livrar da textura grudenta que ficou na minha pele. Peguei minha bolsa e a despejei em cima da bancada de mármore com tudo. Algumas coisas caíram no chão e outras na pia, mas não importava. No auge do desespero só peguei alguns lenços e comecei a limpar meus seios e barriga.

          ― Vamos trocar de camisa ― falou Mel retirando a peça. Olhei para ela sem entender. ― Pelo menos para a reunião, depois destrocamos.

          ― Será que vai servir? Você é mais baixa. ― Ela me entregou sua camisa, e puxou a minha dos meus ombros.

          ― Tem de servir, dá um jeito aí.

          Vesti sua camisa e, tirando o fato que ficou mostrando uma pequena parte da minha barriga, estava perfeita. Era só não ficar em pé. Comecei a juntar minhas coisas e as colocar de volta dentro da bolsa. Mel me ajudava pegando as que haviam caído no chão.

          ― Uau! ― exclamou ela, e logo me virei para olhá-la.

          Essa não! Quase gritei.

          Mel estava com a caixa da aliança aberta nas mãos.

          ― O que é isso, Li? Mais alguém andou te pedindo em casamento, além do Adam? ― Seu tom era divertido, e o seu sorriso reluzia tal como seus olhos fixos na joia.

          Soltei um riso nervoso.

          ― Sua doida... ― Ela me olhou e riu. ― Estou apertada. ― Corri para dentro de uma das cabines a fechando rapidamente. Fora a melhor desculpa que me veio à mente quando o desespero atingiu seu máximo.

          O que eu ia fazer? Contar?

          "Então, Mel, estou noiva, acredita? Essas merdas acontecem, não é mesmo? Ora, quem é meu noivo? Bem, sabe aquele cara que você acabou de ver na revista? Sim, o tal Anton Skarsgard... é ele! Não... não se deixe enganar, ele não é tão perfeito assim. É um vampiro maldito, e só estou me casando obrigada porque preciso salvar a minha espécie. A propósito, descobri que sou a rainha das fadas... É, isso mesmo que você ouviu... Não, não estou ficando louca."

          Não! Eu não estava preparada para contar.

          ― Não vai me contar quem te deu essa aliança chiquérrima? ― perguntou ela do outro lado. Um som conhecido começou ressoar, e para a minha salvação era o meu celular. ― Seu celular tá tocando, Li!

          ― Atende pra mim, por favor? Já estou terminando aqui.

          Era a oportunidade que eu precisava para distraí-la.

          ― Alô? ― Ela se calou por alguns segundos. ― Não, não é ela. A Liz não pode atender no momento, mas posso dar o recado ou pedir para ela retornar. É urgente? ― Silêncio. ― Tudo bem, eu dou o recado. ― Outra pausa fora feita. ― Imagina. Boa tarde.

          Esperei ela começar a dar o recado, mas tudo ficou quieto demais. Dei a descarga para disfarçar, e então saí da cabine indo para a pia. Olhei para Mel pelo espelho, e ela continuava sem falar nada. Aquilo estava esquisito. Quem teria me ligado?

          Ela se aproximou e colocou o celular na pia ao lado da minha bolsa.

          ― Ophélie ligou avisando que o seu vestido de noiva chegou hoje, e que a primeira prova dele está marcada para amanhã às oito e meia. ― Ela se virou para sair, mas segurei o seu braço.

          ― Mel... deixa eu explicar.

          ― Já está tudo explicado ― afirmou se soltando. ― Está claro que eu era a única que acreditava que a nossa amizade fosse verdadeira.

          ― A nossa amizade é verdadeira! Tudo isso tem uma explicação... ― Ela simplesmente saiu do banheiro, sem ouvir e sem falar mais nada, me deixando sozinha com as minhas lágrimas que começavam a transbordar.

          Definitivamente eu havia conseguido estragar tudo! Arruinei uma das poucas amizades verdadeiras que tive na vida. O que mais faltava para piorar a minha situação? Eu estava afundando cada vez mais, me sentia sufocar pela culpa, pela raiva, pelo desespero. Ainda me agarrava às bordas daquele buraco, mas ele me tragava com necessidade, e eu já não possuía mais forças para segurar.

          Com muito custo, consegui parar de chorar e corri para a reunião que já tinha começado. O Sr. Landon não parecia nada satisfeito com o meu atraso, mas após me observar por alguns minutos, seu olhar se suavizou. Concluí que ele talvez tivesse percebido que eu não estava bem, porque querendo ou não, os meus olhos ainda estavam vermelhos quando saí do banheiro.

          Pouco antes das dezoito horas, naquele mesmo dia, fui até o escritório do Sr. Landon deixar alguns relatórios que ele me incumbira de fazer. Foi então que ele me perguntou o que estava acontecendo comigo. Pensei em abrir o jogo e contar sobre o casamento, eu estava cansada daquilo tudo! Chega de mentiras, chega de tentar negar o inegável. Mas eu não podia contar, não seria justo com a Mel, ele ser o primeiro a receber esta notícia por minha livre e espontânea vontade.

          Me limitei a dizer que estava com alguns problemas pessoais, e me desculpei por ter permitido que interferissem no meu trabalho. Confesso que não esperava tamanha compreensão e todas as palavras reconfortantes que ele me dirigira mesmo sem saber o que estava acontecendo. Foi a única coisa boa que havia ocorrido naquele dia, me certificar do quanto o meu chefe era generoso, e da tamanha consideração que ele tinha não só pelo meu trabalho, mas também por mim como pessoa.

          Saí de seu escritório mais leve, e disposta a fazer a Mel me ouvir de qualquer jeito. Na minha mesa, peguei minha bolsa e fui direto para a recepção, mas para a minha tristeza, ela havia dispensado a minha carona e já tinha ido embora. Não me deixei abalar. Quando chegasse em casa, eu tentaria ligar para ela, e caso não me atendesse, eu daria um jeito de ir até a sua casa.

          Aquele pesadelo de dia não parecia ter fim, e para completá-lo, acabei caindo em um congestionamento quilométrico. Do jeito que estava, eu só chegaria em casa depois de umas quatro horas, por isso resolvi pegar um atalho. Entrei em uma ruazinha menos movimentada que cruzava a avenida.

          Meu celular começou a tocar no banco do passageiro, e ao verificar, vi que se tratava de um número desconhecido. Pensei em não atender, mas e se fosse algo importante?

          ― Pronto ― atendi.

          ― Fada. ― Como se tivessem ligado um botão de congelamento instantâneo, paralisei.

          Não era possível.

          O ar abandonou os meus pulmões rapidamente, e o meu coração já começava a protestar sucumbindo à exasperação. Tentei manter a calma, tentei pensar no que dizer.

          ― Oi ― falei em um ruído esganiçado.

          ― Posso ouvir que pela sua falta de respiração você sabe bem quem está falando, mas para que não haja equívocos, é o Anton.

           Idiota convencido. Infelizmente, eu sabia. Além dele ser o único a me chamar de "fada", só a sua maldita voz era capaz de fazer todas as fibras do meu corpo entrarem em colapso. Fiquei mais enfurecida ao confirmar que seu efeito era o mesmo, ainda que pelo telefone. E o que ele queria comigo? Depois do noivado nunca mais o tinha visto.

          ― O que você quer, Anton?

          ― Esteja pronta amanhã, às oito horas da manhã. O meu motorista irá buscá-la.

          ― Como assim, pra quê?

          ― Apenas esteja pronta. ― Se ele não fosse sempre tão direto, eu juraria que pelo seu tom, ele já estava impaciente.

          ― Eu quero saber pra quê. Não vou saindo com qualquer um não, além do mais, já tenho um compromisso amanhã às oito e meia.

          ― Desmarque. Amanhã iremos olhar algumas casas.

          Casas? Uma dor, uma dor aguda começou a cortar o meu peito. Iríamos morar juntos? Sim, nós iríamos morar juntos, assim como Avigayil falara. Céus! O que eu iria fazer? Meu celular quase escorregara da minha mão, antes de eu segurá-lo com força enquanto tentava voltar a respirar.

          ― Amanhã farei a primeira prova do meu vestido justamente neste horário. Ele não está sendo feito aqui no Brasil, por isso não posso desmarcar. Será que podemos olhar essas casas pela tar...

          ― Não, não podemos ― me interrompeu. ― Desmarque.

          ― Qual a parte do "não posso desmarcar" você não entendeu?

          ― Isso é um problema seu, fada, que, sinceramente, não me interessa. Pare de agir como uma criança e dê um jeito. Desmarque e esteja pronta às oito horas em ponto.

          ― Eu não vou desmarcar! ― gritei. Um a zero para ele. Eu já tinha perdido o controle e não ia voltar atrás, estava fora do domínio da minha sanidade. ― A única criança aqui é você, que não tem a capacidade de entender que não posso desmarcar a prova do maldito vestido que não está sendo feito aqui!

          Ele não falou nada, não havia nem sinal de ruído do outro lado. Foi então que ao verificar o visor do celular, vi que não havia mais ligação. O infeliz tinha desligado, e sabe-se lá por quanto tempo eu estava gritando sozinha feito uma louca.

          Meu sangue estava fervendo. Possessa de raiva não chegava nem perto de uma definição ideal para o meu estado naquele momento. Joguei o celular no banco ao lado e acelerei o carro impulsionada pela fúria. Lapsos de cegueira me tomavam, e quando dei por mim, já estava no meio de um cruzamento.

          Um barulho alto ressoou. Senti o carro tremer e virar.  



Oui mon cher – do francês, sim minha querida.

Magnifique – do francês, magnífico.

Je suis ravi – do francês, estou muito feliz.


Corinne Villar




Madame Ophélie





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