Fez-se outro intervalo. Dessa vez, houve menos conversa e mais expectativa e a sala de banhos foi mais buscada que as mesas de iguarias. Pica-pau foi pressentiu o que viria, sem perguntar.
– Usai a fantasia a vós mesmos e a nossos acessórios como quiserdes. Tereis duas vezes, uma às ordens do pássaro, outra da fruta, com tanto tempo quanto o de toda uma sequência de jogos. Não sereis interrompidos se a música acabar antes de vós, mas não abuseis!
Deu-se o sorteio e sentiu cair sobre si a bênção dos deuses. Tirou quem mais desejava.
– Até que enfim! – Abraçou Tâmara. O coração dela batia tão forte quanto o seu.
– Pica-pau-xin... – Sussurrou-lhe ao ouvido. – Teu desejo é uma ordem, vens a mim como quiseres, mas posso propor-te uma ideia...?
– Claro!
– Tu chefias um bando de selvagens e invades minha vila com teus guerreiros para vingar a captura de tua mulher, vendida como escrava a mercadores. Somos surpreendidos e vencidos, vais passar meu pai e meu irmão a fio de espada e eu me jogo a teus pés...
Fez como dizia, beijou-lhe os pés e implorou com voz embargada:
– Poupa-lhes a vida em troca de mim! A culpa foi minha, tive a febre escarlate e eles ajudaram os traficantes de brancos de Atlântida por precisar de dinheiro para me pagar um curandeiro. Ofereço-me em paga de tua esposa, faz de mim tua escrava! Concede-nos esta mercê!
Surpreso, Pica-pau viu-se ator de uma tragédia acaia. Prometeu às musas sacrificar-lhes um coelho se elas o inspirassem e esforçou-se para entrar no personagem.
– Há! Não me faças rir, não sabes como vivemos. Como suportarias as longas caminhadas, longe dos confortos de tua gente? Como viverias em cabanas de peles?
– Hei de aprender, sou jovem e disposta a tudo. – Torcia as mãos, de cabeça baixa. – Tudo mesmo. As mulheres de meu povo conhecem todos os segredos do prazer. Se os deixar viver, serei sempre grata e darei o melhor de mim para te servir e satisfazer, eu juro!
– Talvez o meu maior prazer seja jogar-te aos lobos ou queimar-te numa estaca para vingar minha perda! – Ameaçou com seriedade e ergueu-lhe o queixo com a ponta do pé.
– Liberta-os e sou toda tua. Dispõe de minha vida ou dá fim a ela tal e qual te aprouver. – Tremia, mas ergueu um olhar decidido. Uma atriz profissional não se sairia melhor
– Trato aceito. Meus bravos! Deixai ir esses dois prisioneiros, seu resgate está pago! – Agarrou-a pelos quadris, brandiu uma espada imaginária e a levou sobre o ombro como se a raptasse, lançou-a sobre uma esteira no canto do salão e pôs-lhe o pé sobre o pescoço.
– Eis minha tenda! Cabe a ti convencer-me a deixar-te viver mais um dia, escrava! Assim serão todas as noites enquanto não preferires a morte!
– Deixa-me mostrar minha gratidão, meu amo! Usa-me e abusa-me como quiseres!
Hesitou. O que seria apropriado ordenar sem parecer tolo?
– Dizes conhecer todos os segredos do prazer. Prova!
Ela ergueu-se para buscar algo numa arca ao lado. Trouxe uma coleira e uma chibatinha. Brinquedos de couro macio, mas lhe fizeram correr um frio na espinha. Estivera perigosamente perto de enfrentar as coisas reais. Ela ajoelhou-se para entregá-las.
– No ritual da compra de um escravo ou escrava, o dono põe-lhe a coleira e aplica-lhe as primeiras chibatadas antes mesmo de merecer castigo. Tua esposa passou por isso. Mata a sede de vingança até te sentires satisfeito e relaxado, eu te rogo, pois as maiores delícias não têm sabor quando a garganta está seca de raiva.
Ele controlou o tremor das mãos para ajustar-lhe a fivela ao pescoço e ela jogou o cabelo para a frente e curvou-se até encostar a testa ao chão mais que submissa, ansiosa. Uma parte da mente de Pica-pau notou ter sido posta a serviço da fantasia dela quando deveria ser o contrário. A outra não se importou e vingou a humilhação da mulher imaginária.
– Está feito, ergue-te! – Ordenou, com o receio de ter exagerado. Mas para ela, mal começara. Com um requebro, ela levantou-se, vermelha de ardor atrás e encharcada de prazer na frente e pôs-se na ponta dos pés para alcançar os laços de seda multicor pendentes do teto.
– Tua bela e valorosa esposa foi amarrada pelo capitão no cordame do navio e violentada antes de partirem rio abaixo. Acaba de desafogar em mim tua ânsia de desforra!
Embora ele tivesse visto tal artifício no bordel e soubesse como se prestava a todo tipo de acrobacias, nunca tentara usá-lo. Ela mostrou como prendê-la naquilo de braços e pernas abertas. Ele se fez de bruto e ela abandonou-se a gritos inesquecíveis.
– Basta! – Ofegou, suado. – Se queres ver o raiar do dia, mostra o que sabes fazer!
Ela não conseguia, porém, conter seus estremecimentos. Desamarrou-a, abraçou-a até lhe passarem os frêmitos e ela buscou uma cuia de sangria e uma jarrinha de óleo de coco perfumado de sândalo. Ajoelhou-se para lhe oferecer a bebida e propôs:
– Deves estar cansado, refresca-te e deixa-me massagear-te, tua escrava te implora.
Deitou-se e deixou-a relaxar seus músculos com mãos macias e jeitosas e depois mostrar-lhe o atlanmihn, o "beijo atlante". Tratava-se de usar como uma boca a buceta bem treinada, como ele bem sabia, mas fingiu-se surpreendido e maravilhado. Por sorte, ele se dera ao trabalho de se iniciar nos rudimentos da contrapartida masculina, o atlampiú ou "carícia atlante", sem a qual não havia com conter-se o suficiente para aproveitar o tempo pelo qual pagava. Poderia ser o Glicínia Suspensa, exceto pela maneira como remunerara o longo e intenso prazer.
Mais um intervalo e Pica-pau, lânguido e eufórico, deu-se outra ducha rápida. Sentiu-se de novo com energia bastante para mais outra, mas quase lamentava. Depois daquilo, qualquer experiência seria, na melhor hipótese, um epílogo.
Veio o sorteio e foi tirado por Malagueta. Ela correu para abraçá-lo, ofegante.
– Por fim te acho! Estamos perdidos, ó luz dos meus olhos! Todos os nossos caíram ou se renderam. Consegui esgueirar-me entre as fileiras deles para alcançar-te, mas por um triz! Cercaram o bosque com seus cães de guerra. Ao amanhecer virarão cada pedra à tua procura. Não deixarão de devassar esta cabana.
Estremeceu. Esse drama soava mais convincente e terrível.
– Não buscam a ti, flor dos meus sonhos, deixa-me e foge, ainda podes! – Pareceu-lhe apropriado, embora não soubesse prosseguir se ela obedecesse.
– Nunca! Prefiro morrer a teu lado a viver sem ti! – Beijou-o com paixão.
– Que faremos então, meu amor? – Balbuciou com emoção genuína.
– Nós lhe roubaremos a vingança! – Ela cerrou o punho, em desafio aos algozes imaginários. – Encontrarão nossos restos, mas não terão o prazer de nos tirar a vida ou a liberdade. Servi à Toran do ofídio de fogo, conheço-lhe os mistérios. Se lhe fizermos o duplo sacrifício, ela nos receberá em seu paraíso. Adora à deusa na figura da sua sacerdotisa, beija-a dos pés à cabeça, agradece-lhe as dádivas e suplica-lhe uma morte gloriosa. Confia em mim e não tenhas medo. – Sentou-se na escadinha como se fosse um trono.
Contaminado pela seriedade da parceira, entrou trêmulo, gaguejante e mais excitado no papel de vítima do que estivera no de algoz. Cumprida as instruções, ela o fez comer e beber de sua mão boa enquanto entoava com voz meiga um sentido cântico de amor, afinado com a música de fundo. Sem interromper a canção, dançou ao seu redor, pôs-lhe flores no cabelo e aspergiu-o com água. Subiu a escadinha para alcançar as serpentinas de seda, compensou com dentes e destreza a falta de força no braço direito mirrado e o suspendeu mais enredado e indefeso do que Tâmara estivera.
– O único sacrifício agradável a Toran é aquele no qual se morre de prazer. – Anunciou ela. –Oferece-te ao gozo ao qual nenhum humano sobrevive, ela nos levará. – Beijou-o na boca como quem dá adeus, pôs-lhe uma venda e passou à minuciosa exploração do seu corpo.
Com manobras inesperadas, ora o fazia mudar de posição no ar, dobrar-se e esticar-se como uma marionete, ora passeava-lhe, por cima, por baixo e ao redor com corpo, mãos, língua, pés e dentes em pontos inesperados, com um ritmo peculiar e um potente efeito cumulativo. Lambuzou-o com seiva de babosa. Virou-o de cabeça para baixo e o fez sugá-la enquanto ela lhe engolia o pau e o penetrava com um dedo lubrificado.
No conjunto, os toques, sensações e mudanças de posição às cegas o excitavam à loucura,lhe derretiam defesas insuspeitadas e dissolviam os limites da condição humana. Contorceu-se como um moscardo preso numa teia tanto quanto lhe permitiam as amarras sedosas, vibrou como harpa nas mãos de uma exímia instrumentista e a ereção latejou como para explodir. Tinha a impressão de estar para esporrar até o teto quando ela o montou.
Não quis se segurar, mas ela fez algo muito estranho com o atlanmihn, beliscou-lhe os mamilos e não o deixou ir-se de uma vez como tentava implorar entre estertores incoerentes. Foi invadido por uma série de gozos pequenos em sobes e desces, depois arrastado por cumes e vales não tão pequenos, em seguida orgasmos convulsivos de dar medo, feras a agarrá-lo e sacudi-lo pelos dentes. Então o prenúncio de algo enorme, monstruoso e inominável o aterrorizou. Ela sussurrou-lhe pela primeira vez desde o beijo, em voz rouca:
– Tem coragem, vê a glória de frente! – Tirou-lhe a venda e com a habilidade de uma carrasca capaz de decepar uma cabeça de um só golpe, penetrou-o de novo com o dedo, enviou com a vagina mais uma onda para além do prazer e da dor e se entregou ao que viesse. Olhos esbugalhados, ele viu uma deusa nos obscenos espasmos da parceira e soltou um uivo tão imenso quanto o maremoto de gozo pelo qual foi arrastado e aniquilado.
Despertou coberto com uma manta e com os pés erguidos sobre um banquinho, enquanto Tuim lhe passava uma toalha úmida na testa e a sala de banhos girava ao seu redor.
– Vede, eles já despertam. Foi só um desmaio, como eu disse.
– Que susto nos destes! – Exclamou Lontli. – Cheguei a pensar que podia ser mais grave. Em quinze anos como mestre de dlaugor, nunca ouvi um grito assim!
– Perdoa-me... – Balbuciou Malagueta em resposta, com um olhar de esguelha para Pica-pau. Estava também coberta e deitada, atendida por Sorlau e Juá. – Não era para ir tão longe, mas me empolguei...
– Não faças mais isso, Malagueta-bã. – Ralhou Sorlau. – Isso é aviso de Toran, com seu culto não se brinca! Queremos-te viva, não abuses da sorte!
– Um dia tu me ensinas? – Perguntou Juá, fascinada, a Malagueta.
– Tlaltli-ar! – Zangou-se Sorlau, depois tapou a própria boca e lhe sussurrou algo ao pé do ouvido. Juá respondeu com um muxoxo.