Capítulo 15: Na beira do abismo

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Atravessaram o Apecum ao longo do comprimento, passando por uma série de tavernas, hospedarias de curta permanência, casas de espetáculos e bordéis baratos. No caminho, ele pensou como era insólito ele, um vinhateiro de Olísis, caminhar numa avenida da megalópole de mãos dadas com uma feiticeira quase nua, uma mulher sensacional e com idade para ser sua avó. Mais esquisito ainda era ele encarar tudo isso como quase normal. Tanto quanto os atlantes que passavam por eles sem nada estranhar. No máximo, um ou outro mais ousado ou mais bêbado virava o pescoço para admirar o balançar do notável traseiro de Gargi, sem se atrever a comentar em voz alta.

Aproximaram-se da imensa muralha, que ainda não tinha visto de perto. Ele sentiu-se como quando chegara à Capital pela primeira vez: um roceiro embasbacado. Era mais alta que o morro da acrópole de Olísis e larga o suficiente para elefantes cruzarem caminho sobre seu topo. Para um guerreiro atlante, os baluartes acaios deveriam parecer tão insignificantes quanto castelinhos de barro feitos por crianças.

Um túnel bastante longo, guardado por legionários imponentes, a atravessava ao fim da avenida. Do outro lado, um bosque de palmeiras, uma praia larga e branca e águas calmas, fechadas a pequena distância por uma barreira de corais. Milhares de atlantes de todas as idades passeavam, conversavam ou se exercitavam completamente nus entre as árvores, na areia ou no mar. Barracas ofereciam bebidas, massagens e outros serviços, como se fossem termas e ginásios a céu aberto. Termas e ginásios atlantes, bem entendido, pois nos acaios, homens e mulheres não se misturavam. Olísis ficava perto do mar e ele o via todos os dias ao trabalhar em suas vinhas, mas naquela pequena cidade agrícola ninguém ia à praia, a não ser pescadores e barqueiros.

Como em banhos públicos, havia uma rouparia para guardar pertences, um barracão comprido entre as palmeiras. Deixava-se um xam pelo direito a usar bica d'água, ducha, latrina e um escaninho. Gargi e Phaidros mataram a sede e saíram vestidos apenas com um número escrito na mão com tinta de jenipapo, a senha para recuperarem suas coisas.

Ela o levou direto para o mar. As ondas quebravam nos recifes e deixavam a água uma piscina. Gargi desafiou-o a nadar até a pedra mais próxima e ganhou, pois, apesar dos músculos, ele não tinha a mesma intimidade dos atlantes com as águas. Passaram a brincar, mergulhando para passar entre as pernas ou jogando um ao outro n'água. Por um momento, Phaidros esqueceu-se dos medos, dúvidas e problemas, era de novo uma criança pequena, igualzinha aquelas que brincavam a algumas braças dali, mais no raso, apenas seus gritos de euforia eram menos agudos. Por pura alegria, abraçou Gargi e a ergueu nos seus braços. A visão das tetas cheias, de aréolas e mamilos grandes e escuros, o lembrou então do lado bom de ser adulto. Apertou-a nos braços, sentiu seu tesão crescer junto ao ventre dela e a beijou na boca. Ela o abraçou e correspondeu ao beijo, com um sussurro:

– Eu também quero, mas deixa escurecer e as crianças irem embora. Falta pouco.

Ele conferia a posição do sol, baixo no horizonte, quando uma agitação do outro lado lhe chamou a atenção. Virou-se e Atlântida o deixou mais uma vez boquiaberto. A poucas braçadas, sereias verdes, azuis, cinzentas, douradas, pretas, brancas, castanhas, vermelhas, subiam nos recifes como focas. Outras pessoas paravam seus jogos para admirá-las sem surpresa, como se fosse tão belo e natural quanto um pavão ao abrir a cauda.

E então começaram a cantar, sem letra, regente ou partitura, mas com uma harmonia impossível e um sentimento avassalador, de calar a algazarra das crianças, os gritos das gaivotas e até o rumor das ondas. Na primeira fila do espetáculo, Phaidros ouviu pela pele, pelo coração, pelo sexo, pelo fígado, pela espinha, pela medula, mesmerizado, até a canção acabar e irromper o aplauso dos atlantes. As sereias acenaram em resposta e voltaram a mergulhar, rumo ao mar alto. Ele deu-se conta de ter o rosto banhado em lágrimas quando Gargi o acariciou.

O Pomar do PassaredoWhere stories live. Discover now