Capítulo 16: Pontos de vista

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De mãos cruzadas em torno do pescoço de Phaidros e malícia no sorriso, Gargi o encarou:

– Eu fui tua puta e fiz como querias, mas não me pagaste e não trouxeste dinheiro, seu caloteiro! Mas se fores também a minha puta e fizeres como eu pedir, considero a dívida liquidada.

– Eu topo. Mas não queres dizer "teu puto"?

– Não! Fita meus olhos. – Encostou as testas.

Os olhos que ele mirava de repente ficaram mais redondos, a pele a seu redor, clara e sardenta. Suas mãos não estavam mais onde as pusera. Sentiu um arrepio.

Afastou-se um palmo. Não havia dúvidas: via seu próprio rosto ruivo, como num espelho. E isso queria dizer...? Olhou para baixo e era isso mesmo. Agora tinha um belo par de tetas bem morenas e cabelo claro e comprido escorria sobre elas, enquanto abraçava ombros musculosos. Era como se o chão da realidade tivesse desaparecido e caísse num poço sem fundo.

– Sim. – Ouviu uma voz grossa. – Agora tu és uma fêmea muito da gostosa, modéstia à parte, e estás no colo de um macho barbudo, peludo e membrudo. Ganhaste uma situação completamente nova para lidar. Não te aflijas, adoro ser mulher e não quero manter o feitiço para sempre. É só para eu receber o que me deves e tu aprenderes a focar a companhia, o lugar e o momento.

– Que queres de mim? – Gaguejou Phaidros, com uma voz feminina.

– Nada de extraordinário. – Tranquilizou Gargi. – Não te peço as habilidades de uma  profissional de verdade, basta uma foda boa e sem pressa. A noite é uma criança.

Phaidros ainda hesitava. Embora fizesse calor e seu rosto ardesse em chamas, abraçava-se como se tivesse muito frio e tremia como ela fizera na beirada da pedra

– Se não esqueceres o passado, o futuro e os gostos e opiniões alheias, não conseguirás cumprir o acordo, nem te tornarás um virtuoso. – Avisou Gargi. – Começa por relaxar. Quanto menos pensares, melhor, mais facilmente aquilo de mim que está em ti poderá te conduzir. Fica de pé, dança enquanto canto uma musiquinha de bordel e trata de entrar no clima. Não te preocupes com dançar mal, não zombo de ti. Mas também não me critiques a voz... até porque é tua.

Obedeceu e pôs-se de pé, titubeante. Evitou olhar entre as pernas. Ainda precisava criar coragem para espiar ali. Uma voz de barítono não tão desafinada iniciou uma conhecida balada burlesca e a acompanhou de palmas. Phaidros já vira garotas do Glicínia Suspensa dançá-la. Era tão popular que o estribilho ser cantado por crianças pequenas:

Senlé, que puta porreta,

Senzar de cara e buceta,

A bunda como de preta,

De branca tem duas tetas!

Quando arriscou sair da paralisia e se permitiu mexer os quadris, surpreendeu-se. Era inspirado pelos hábitos, instintos e aptidões físicas deixadas naquela carne a dançar com sensualidade feminina. Entendeu como aquela parte de Gargi o conduziria. Tentou imitar os gestos e olhares insinuantes das moças ao acompanhar a narrativa das peripécias de Senlé e também lhe saíram com naturalidade. Começou a achar divertido. Ao terminar, recebeu um aplauso sincero e respondeu com a mesura sorridente das prostitutas atlantes.

– Senlé-bã nilugüen kikion! – Ofereceu-se.

– Bravo! – Aplaudiu Gargi. – Não esperava ver-te adaptar-se com tanta rapidez. Agora quero te ver tocar uma siririca bem gostosa até o fim. Senta nesta pedra e abre as pernas para mim.

O Pomar do PassaredoWhere stories live. Discover now