Capítulo 4: Finalmentes

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Fez-se outro intervalo. Dessa vez, houve menos conversa e mais expectativa e a sala de banhos foi mais buscada que as mesas de iguarias. Pica-pau foi pressentiu o que viria, sem perguntar.

– Usai a fantasia a vós mesmos e a nossos acessórios como quiserdes. Tereis duas vezes, uma às ordens do pássaro, outra da fruta, com tanto tempo quanto o de toda uma sequência de jogos. Não sereis interrompidos se a música acabar antes de vós, mas não abuseis!

Deu-se o sorteio e sentiu cair sobre si a bênção dos deuses. Tirou quem mais desejava.

– Até que enfim! – Abraçou Tâmara. O coração dela batia tão forte quanto o seu.

– Pica-pau-xin... – Sussurrou-lhe ao ouvido. – Teu desejo é uma ordem, vens a mim como quiseres, mas posso propor-te uma ideia...?

– Claro!

– Tu chefias um bando de selvagens e invades minha vila com teus guerreiros para vingar a captura de tua mulher, vendida como escrava a mercadores. Somos surpreendidos e vencidos, vais passar meu pai e meu irmão a fio de espada e eu me jogo a teus pés...

Fez como dizia, beijou-lhe os pés e implorou com voz embargada:

– Poupa-lhes a vida em troca de mim! A culpa foi minha, tive a febre escarlate e eles ajudaram os traficantes de brancos de Atlântida por precisar de dinheiro para me pagar um curandeiro. Ofereço-me em paga de tua esposa, faz de mim tua escrava! Concede-nos esta mercê!

Surpreso, Pica-pau viu-se ator de uma tragédia acaia. Prometeu às musas sacrificar-lhes um coelho se elas o inspirassem e esforçou-se para entrar no personagem.

– Há! Não me faças rir, não sabes como vivemos. Como suportarias as longas caminhadas, longe dos confortos de tua gente? Como viverias em cabanas de peles?

– Hei de aprender, sou jovem e disposta a tudo. – Torcia as mãos, de cabeça baixa. – Tudo mesmo. As mulheres de meu povo conhecem todos os segredos do prazer. Se os deixar viver, serei sempre grata e darei o melhor de mim para te servir e satisfazer, eu juro!

– Talvez o meu maior prazer seja jogar-te aos lobos ou queimar-te numa estaca para vingar minha perda! – Ameaçou com seriedade e ergueu-lhe o queixo com a ponta do pé.

– Liberta-os e sou toda tua. Dispõe de minha vida ou dá fim a ela tal e qual te aprouver. – Tremia, mas ergueu um olhar decidido. Uma atriz profissional não se sairia melhor

– Trato aceito. Meus bravos! Deixai ir esses dois prisioneiros, seu resgate está pago! – Agarrou-a pelos quadris, brandiu uma espada imaginária e a levou sobre o ombro como se a raptasse, lançou-a sobre uma esteira no canto do salão e pôs-lhe o pé sobre o pescoço.

– Eis minha tenda! Cabe a ti convencer-me a deixar-te viver mais um dia, escrava! Assim serão todas as noites enquanto não preferires a morte!

– Deixa-me mostrar minha gratidão, meu amo! Usa-me e abusa-me como quiseres!

Hesitou. O que seria apropriado ordenar sem parecer tolo?

– Dizes conhecer todos os segredos do prazer. Prova!

Ela ergueu-se para buscar algo numa arca ao lado. Trouxe uma coleira e uma chibatinha. Brinquedos de couro macio, mas lhe fizeram correr um frio na espinha. Estivera perigosamente perto de enfrentar as coisas reais. Ela ajoelhou-se para entregá-las.

– No ritual da compra de um escravo ou escrava, o dono põe-lhe a coleira e aplica-lhe as primeiras chibatadas antes mesmo de merecer castigo. Tua esposa passou por isso. Mata a sede de vingança até te sentires satisfeito e relaxado, eu te rogo, pois as maiores delícias não têm sabor quando a garganta está seca de raiva.

O Pomar do PassaredoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora