*NÃO REVISADO
— Estou hospedado no Hotel da cidade. Vim dar uma volta. — Danilo se explica e logo seu olhar aguçado descobre meu filho no parquinho e seu sorriso ganha um novo tom em seu rosto magro e delineado. — Posso? — pede educadamente, apontando para o espaço ao meu lado no banco, enquanto come seu churros. Apenas assinto, me afastando um pouco quando ele se senta.
— Mundo pequeno não é? — indago com ironia e o olhar dele se torna confuso em segundos enquanto tiro alguns fios de cabelo do meu rosto.
— Você não está pensando que... — faz uma careta e o acuso sem dó.
— Admite que está me seguindo Danilo. Não faz o mínimo sentido você estar sentado no banco de uma praça comum, numa cidadezinha pequena, comendo churros. — seu sorriso é um claro deboche e ele se levanta com irritação.
— Você é louca sabia? Desde quando cidadezinha pequena é reduto de gente pobre? Por que acha que não posso comer churros, aliás que eu amo para o seu registro? E por que diabos acha que tudo gira em torno de você ou do seu filho? — fico sem palavras e suspiro profundamente antes de voltar a falar.
— Desculpe! É que tive uma manhã complicada. — bufo, engolindo minha raiva pelo atrito desnecessário com Dornelles mais cedo e indico novamente o espaço vazio no banco pra que ele se sente. Após alguns segundos de hesitação, Danilo se posta outra vez ao meu lado e ficamos em silêncio enquanto Rubinho continua brincando. Nossos olhares se cruzam de vez em quando durante o tempo em que estamos ali e volto a ficar incomodada com isso.
— Vai aparecer amanhã? — Danilo quebra o silêncio entre nós e assinto com a cabeça sem dizer mais nada.
Levanto e prendo meu cabelo num coque mal feito, enquanto chamo Rubinho pra ir embora. Já está esfriando e de modo algum o quero resfriado. Meu garotinho sai do parquinho com a cara emburrada, mas seu rostinho angelical se contorce numa careta engraçada ao encarar Danilo pela segunda vez desde que ele esteve em nossa casa ontem.
— Quem é ele mamãe? — Rubinho indaga ao apontar para o tio e conto a verdade pro meu pequeno enquanto ajeito suas roupas.
— Esse é o seu tio Danilo meu amor. Diz oi pra ele. — meu filho mantém um semblante surpreso, mas é bastante efusivo quando Danilo se agacha para falar com ele.
— Oi tio Danilo! — sorrio pelo jeito meigo dele e o enorme rapaz em minha frente parece realmente emocionado com o contato com o sobrinho.
— Oi Rubinho. Como você está rapazinho? — Danilo sorri de modo cativante e Rubinho é o mais espontâneo que uma criança da idade dele consegue ser.
— Estou bem. Melhor só se a mamãe me deixasse comer sorvete. — meu pequeno traidor me dedura numa careta inconformada e o tio demonstra estar encantado. Posso estar sendo ciumenta, mas não gosto disso.
— Muito bem. Agora vamos embora mocinho. Dê tchau pro seu tio e vamos que já está esfriando. — digo pegando em sua mão miúda e Danilo se mostra um pouco sem jeito.
— Posso pagar o sorvete pra ele Luma? Só hoje? — Rubinho dá um largo sorriso com a sugestão do tio, mas o corto prontamente.
— Talvez outro dia. Boa noite Danilo! — me despeço, carregando meu rebento enquanto Rubinho acena com entusiasmo para o homem que permanece a nos fitar. As coisas só parecem se complicar mais.
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Rubinho corre na direção da televisão assim que chegamos em casa e matreiramente se aconchega no colo do meu pai que está no sofá. Desfaço sua mochila na cozinha e o cheiro do feijão da dona Íris faz meu estômago roncar.
— Nossa! Estou morta de fome, mãe! — sorrio ao beijar sua testa e volto minha atenção para meu pequeno na sala. — Rubinho não se acomoda não que você vai já tomar banho ouviu? — ele resmunga qualquer coisa que não entendo e meu pai se apresenta como defensor do neto.
— Deixa só terminar o Seu Tutuca, filha. Daqui a pouco eu mesmo o levo. — sorrio num suspiro e pego uma maça na fruteira enquanto minha mãe termina a janta.
— Algum problema, filha? — indaga preocupada e sento na cadeira com cansaço. Não preciso abrir a boca pra dizer o quanto estou confusa e ela puxa outra cadeira e senta ao meu lado. — O que foi, Luma?
— Encontrei com o irmão do Donatello ainda há pouco na pracinha. Mais cedo briguei com Dornelles por que ele cismou que temos que morar juntos e pra completar, não consigo encontrar uma droga de estágio pra me formar. Minha vida está uma bagunça mãe. — estou exausta de toda essa pressão e exalo tentando encontrar alguma saída.
— Não confio nesse Danilo, aliás, não confio em ninguém daquela família. — dona Íris argumenta ao voltar para as panelas e continuo a ouvir suas impressões. — Quanto ao estágio tenho certeza que logo irá resolver, dê tempo ao tempo. E talvez seja uma boa hora de dar uma olhada em seu quarto. Seu namorado deixou algo lá pra você. — meu coração se alegra e dou um pulo da cadeira, seguindo escada acima com a ansiedade me consumindo por dentro.
Abro a porta e a surpresa estampa meu rosto com a quantidade de flores que meu quarto abriga. De vários tamanhos, tons, perfumes. Simplesmente lindo. Caminho até minha cama e um bilhete junto de um dispositivo mp4 espera por mim. "TOQUE"
Aperto o botão e um vídeo de Dornelles, aparece enquanto me sinto mal por termos nos desentendido pela manhã.
"Desculpe se estou apressando nosso relacionamento, Luma. Só quero ter você ao meu lado. Criar uma família com você e o Rubinho. Espero que goste das flores, não sabia qual era sua preferida. Amo você. Até mais tarde amor."
Sigo para o banho na esperança que tudo fique mais claro pela manhã. Preciso de boa dose de paciência e discernimento para me portar na tal reunião e limpar minha mente; já é um grande começo. Só preciso manter a calma.
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A aula termina e saio da faculdade em passos apressados até o ponto de ônibus. Olho meu relógio somente para confirmar o quanto estou atrasada e bufo irritada pelo professor Miranda ter excedido o horário da sua matéria. Não sei se é só cisma, mas tenho a nítida impressão de estar sendo vigiada por alguém e ao observar ao meu redor, não vejo nada de anormal. Sigo até o ponto de ônibus e espero minha condução numa tremenda ansiedade.
Visualizo as pessoas que dividem o espaço no ponto comigo e percebo que uma moça me olha fixamente como se me conhecesse e sua postura me deixa alerta. Algumas pessoas pegam suas conduções e logo descubro que sobramos as duas ali sozinhas. Sinto que ela se aproxima devagar e me preparo psicologicamente para tomar uma atitude mais drástica a qualquer momento.
— Você é a nova namorada do Dornelles não é? O professor? — sua voz não é uma ameaça e a encaro intrigada com seu interesse na minha vida pessoal. No entanto, ela sabe exatamente quem meu namorado é e isso desperta minha curiosidade nesse momento.
— Sou. Por quê? — digo desconfiada com um olho nela e outro na estrada.
— Ele já te chamou para morar com ele? Já disse que te ama? — a garota diz com uma urgência em seu tom e faço um esforço para processar rapidamente o que ela fala. Como poderia saber disso tudo se nem me conhece?
— Do que você está falando? O que você tem a ver com isso garota? — digo confusa e ela me segura firmemente pelos braços, num olhar que me gela a espinha.
— Não aceita nenhuma proposta dele. Se fizer isso, irá se arrepender entendeu? — engulo a seco e indecisão toma conta dos meus pensamentos quando avisto minha condução chegando. Mesmo querendo saber mais sobre o que a moça esquisita fala, se perder esse ônibus não vou conseguir chegar a reunião nenhuma mais hoje.
— Eu preciso ir. — desvencilho meu corpo das suas mãos e dou sinal para o motorista enquanto a garota continua a me olhar. — Quem é você? — indago antes de entrar no veículo e seu semblante é de uma imensa tristeza.
— Alguém que já esteve no inferno e não quer ver mais ninguém lá. Cuide-se, Luma. — suas palavras me abalam e meu corpo todo dói de tão tenso que está. Minha mente ferve com tudo o que foi dito e tento me situar quando o motorista chama minha atenção num assobio.
— Vai ou não subir, moça? — assinto no automático e subo os degraus lentamente, ainda sem saber o que pensar. De onde ela surgiu? Que tipo de relacionamento ela teve com Dornelles? De certo ela o conhecia muito bem. Tento não consumir minha cabeça com essas suposições e apenas torço para correr tudo bem na empresa Aguiar. Mesmo assim, a dúvida sobre o histórico de vida do meu namorado não sai dos meus pensamentos.
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Chego à empresa e não demoro a se anunciada pela secretária. Dou uma rápida olhada no meu look e fecho meus olhos por um segundo, procurando manter minha respiração controlada enquanto aguardo ser chamada. Um perfume toma conta do ambiente e ao abrir meus olhos, encontro as charmosas covinhas de Danilo num lindo sorriso.
— Sonhando acordada? — indaga curioso enquanto tento disfarçar minha expressão abobada num suspiro.
— Desculpe o atraso, tive um imprevisto pelo caminho, na verdade dois. — faço uma careta esquisita e Danilo me conduz na direção de uma enorme porta, fazendo meu coração disparar.
— Tudo bem, não se preocupe. — diz tentando me deixar calma. — São apenas acionistas Luma. Vamos repassar alguns documentos sobre a empresa situada aqui em Primavera e depois será repassado a você os documentos das outras fora do Brasil ok? Só pra poder ficar ciente de como tudo funciona. Pronta? — pergunta antes de abrir a porta e mesmo com toda a insegurança, seus olhos me passam uma confiança que nem eu mesma tenho. Assinto ao puxar o ar com força e Danilo abre a porta, revelando uma enorme mesa, com mais oito homens dentro da sala. É hora de resolver meu futuro e do meu filho.