Feridas Profundas (HIATO)

By nanzcampos

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ESTE LIVRO PODE CONTER GATILHOS RELACIONADOS A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. Há algo de podre no reino da Dinamarca... More

Prólogo
Capítulo 1 - Isadora
Capítulo 2 - Fantasmas
Capítulo 3 - Quem Diria
Capítulo 5 - Histórias Para Contar
Capítulo 6 - Furacão
Capítulo 7 - Anjo
Capítulo 8 - Adultos!
Capítulo 9 - Feridas Expostas
Capítulo 10 - Sorrisos
Capítulo 11 - Em Guerra
Capítulo 12 - Lunáticos
Capítulo 13 - Isqueiro
Capítulo 14 - Explosão
Capítulo 15 - Amar É Machucar
Capítulo 16 - Implosão
Capítulo 17 - Mágica Inocência
Capítulo 18 - Manhãs Gloriosas
Capítulo 19 - Pacto Com O Diabo
Capítulo 20 - Rota de Fuga
Capítulo 21 - Verdade Verdadeira
Capítulo 22 - Promessas
Capítulo 23 - Doença
Capítulo 24 - Nuvem Negra
Capítulo 25 - No Fim Das Contas
Capítulo 26 - Ilusionado
Capítulo 27 - Inconveniente
Capítulo 28 - Problematica-mente
Capítulo 29 - Telhado de Vidro
Capítulo 30 - Furacão
Capítulo 31 - Estratégia de Batalha
Capítulo 32 - Um Mero Mortal
Capítulo 33 - Mentalmente Frágeis
Capítulo 34 - Geleira

Capítulo 4 - Belo Desastre

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By nanzcampos


Foram mais de seis horas de operação em que Murilo manteve-se em pé, concentrado, a mão firme, fazendo o que lhe era possível para salvar a vida do paciente. Acidentes como aquele, em que a moto ia de encontro direto a um veículo maior e mais forte, eram sempre complicados de reverter a situação. Especialmente com traumatismo craniano.

Infelizmente, era uma coisa que acontecia muito na cidade de Ponte Belo. Como ela havia sido construída em volta do trevo, ligando duas rotas diferentes no meio de uma estrada, o tipo de atendimento mais comum que chegava ao Hospital eram acidentes. Somava-se a geografia de uma cidade entre estradas, montanhas e péssima sinalização, o fato de que os motoristas, de um modo geral, dirigiam muito mal.

O crescimento da universidade também não facilitara as coisas. Mais jovens, mais bares, mais pessoas bêbadas atrás de um volante, mais descuidos, mais acidentes, mais trabalho pros médicos e paramédicos, mais mortes.

Murilo nunca entendeu porque haviam tantos transgressores no volante. Principalmente numa cidade que não tinha nem cem mil habitantes. Não era para as pessoas serem tão ruins assim. Tudo bem, ele tinha de admitir, as ruas estreitas, o calçamento do interior, a péssima engenharia de trânsito, tudo isso contribuía. Mas não era só isso. Era quase como se os habitantes sentissem prazer em avançar sinais, brincarem de rachas nas ruas da estrada que cortavam a cidade, esquecerem-se dos cintos de segurança.

Não era por um acaso que era necessário manter um traumatologista na equipe. Junto com a especialidade de Murilo (cirurgião-neurologista) essa era a parte do hospital mais requisitada. O rapaz recém operado, se sobrevivesse, iria precisar de um bom acompanhamento ortopédico por muitos meses.

Se sobrevivesse. Murilo não tinha certeza. A sua cirurgia havia sido um sucesso e ele conseguiu extrair o coágulo com louvor, mas cirurgias cerebrais nunca eram tão simples assim. Ele sabia que a recuperação do paciente era uma coisa que já não estava na sua mão. Tudo o que ele poderia ter feito ele fez. E estava exausto.

Ele soltou um suspiro enquanto tirava as luvas e a enfermeira retirava dele as roupas de cirurgia. Quando acabou, por fim, e higienizou as mãos novamente, e pode ganhar o corredor do hospital, ele ficou até feliz por respirar o ar mais leve e frio fora da sala fechada que passara por horas em pé.

— Foi uma boa operação – disse Evandro ao seu lado., outro médico cirurgião, que o assistiu na operação.

Evandro também era o melhor amigo de Murilo na cidade. Os dois chegaram quase juntos ao hospital e acabaram por se aproximarem por causa disso. Murilo não era muito de fazer amigos, mas o jeito irônico de Evandro, sem ser tão pretensioso ou ocioso como Daniel, acabara rompendo as barreiras que ele construíra para se manter longe das pessoas.

— É, foi. – ele soltou outro suspiro – Mas estou exausto.

— É bom saber que você cansa, cara.

Murilo revirou os olhos, atravessando o longo corredor. Ele não sabia se havia sido o fato de que tinha virado em um plantão na noite anterior, a chegada de Isadora – mais forte, mais mulher e ainda assim a Isadora que ele conhecera – ao hospital ou as horas na cirurgia. Era possível que as três coisas juntas.

— A família dele foi localizada? – perguntou

— Universitário. Chamamos a psicóloga pra ligar para a família enquanto Dan te encontrava. É possível que ela já tenha feito o contato.

Murilo virou o corredor e deu de cara com a psicóloga perto da porta que separava a parte mais interna do hospital com a recepção. Os dois trocaram um longo olhar. A morena, dos cabelos lisos até o ombro, arqueou a sobrancelha para ele.

— A família é de Goiás. Espero que não tenha que ligar para dar más notícias. Odeio fazer isso por telefone. – ela disse.

Murilo passou a mão pelos cabelos. Ele nunca havia sido a favor de ter um psicólogo dentro do hospital. Ele não gostava de psicólogos. Mas depois de dois anos lidando com mortes causadas por acidentes ele percebera que não nascera para essa tarefa de comunicar o falecimento das pessoas para ninguém, quando era algo assim repentino. Se fosse uma doença longa, não o afetava. Mas quando eram jovens, estavam saudáveis, a cabeça de Murilo dava um nó.

A única solução para isso foi contratar um psicólogo para a função.

Karine era boa de serviço. Era tão forte quanto acolhedora e as pessoas que precisavam do apoio dela costumavam gostar da sua companhia. Mas isso não significava que Murilo começara a gostar dela. Muito pelo contrário.

— Eu também espero, Karine.

— Precisamos aguardar, pelo seu tom de voz.

Ele assentiu.

— De doze a vinte e quatro horas.

— Certo – ela bateu nas próprias calças jeans branca – Ótimo. Vou visitar um paciente na oncologia. E você devia ir para casa, doutor, está com uma cara péssima.

Ela passou pelos dois enquanto Evandro dava uma risadinha.

— Ela não é o máximo?

— É bom que você não diga isso perto da Maíra – Murilo fez uma careta.

— Maíra é minha ex-mulher. Ela não tem que dizer nada sobre o que eu digo das outras mulheres, meu caro. Quem pediu a separação foi ela, não é mesmo? Eu não dou a mínima.

— Se você está dizendo – ele encolheu os ombros – Vou para casa. Se ocorrer alguma emergência é só ligar, ok?

— A gente com certeza se vira sem você, doutor – Evandro deu um sorrisinho irônico. – Você não é tão insubstituível assim.

Murilo arqueou a sobrancelha para ele, então apenas deu de ombros porque estava cansado demais para lidar com a situação. Seus ombros estavam tensos e sua cabeça tinha um leve latejar. Ele precisava de um bom banho, um paracetamol e umas horas de sono.

— Se a doutora Isadora ficar muito perdida, dê uma ajuda para ela. Não acho muito sensato que ela fique tempo demais perto de Daniel.

— Ele é um perigo mesmo. Especialmente se ela for loira e bonita.

Murilo fez uma careta e virou o corredor, deixando o médico e o amigo para trás e sem resposta. Ele passou em frente a emergência do hospital e quase parou ao ver Daniel ali dentro, trabalhando. Ou pelo menos era nisso que ele queria acreditar apesar do médico estar rindo junto de uma criança que tinha o joelho ensanguentado e que estava sobre a maca.

Saiu, então, pela porta lateral que dava direto para o estacionamento. Seu carro, quase sempre, estava próximo a porta de saída e ele precisou só de algumas passadas largas até chegar ao carro cinza estacionado. Ele desativou o alarme e entrou.

Foi só sentar para sentir toda a exaustão tomar conta dele, como se esperasse que seu corpo avisasse que o trabalho havia acabado e podia relaxar.

Murilo não podia relaxar porque ainda precisava dirigir por uns dez minutos até chegar em sua casa. Ele piscou um pouco mais demorado, sentindo o sono ganhar seu corpo. Então colocou a chave na ignição e ligou o carro.

Bocejou.

— Só alguns minutos, Murilo – disse para si mesmo, dando ré no carro para sair do estacionamento do hospital – Só alguns minutos e você vai poder dormir.

***

Isis tinha um sorriso entre suas duas covinhas na bochecha enquanto pulava pelo caminho, a mochila roxa pulando em suas costas, na saída da escola. O fone de ouvido estava numa altura que lembrou Laura sua própria filha, mas ela não disse nada. A garota ao seu lado cantarolava uma música que a mulher tinha certeza que era dos anos 80.

— Você está cantando Abba? – Laura quis se certificar.

— Chiquitita – a menina assentiu, falando alto provavelmente por causa do som alto.

— Onde você conheceu Abba?

— Minha mãe.

Laura arqueou a sobrancelha, um pouco confusa. Não se lembrava de alguma vez na vida que sua prima havia escutado Abba. Mas haviam se passado muitos anos em que elas ficaram afastadas, por conta de tudo o que aconteceu, e Isadora já não era mais a mesma adolescente que dormia na sua casa depois de irem as festas juntas.

— Eu gosto das músicas dos anos oitenta. Ninguém precisa ensinar a gente a gostar não, sabe, a gente pode pesquisar por aí.

Laura sorriu.

— Enquanto isso minha filha só escuta pop.

Isis sacudiu os ombros, fazendo uma careta. Ela se lembrava bem disso. A memória daquele dia ainda estava intacta na sua cabeça. Ela tentou atravessar a rua entre os carros, mas Laura segurou sua mão com força a puxando para trás assim que o semáforo abriu.

— Você trabalha com quê mesmo? – ela perguntou, abaixando o volume da música e encarando Laura.

— Sou professora. De biologia. Na universidade.

— Essa é uma família bem envolvida com a saúde, você não acha?

Laura sorriu.

— Acho sim.

— Eu vou ser cantora quando crescer – a menina disse, pegando o celular e fingindo que era microfone – Vou vender um monte de cd e ficar milionária sem precisar estudar.

— Sua mãe deve amar essa história.

— Acho que ela gosta mais dessa do que da minha segunda ideia.

— E qual é?

— Jogadora de futebol – Isis disse, sacudindo a blusa do time no seu corpo – Sabia que sou muito boa atacante?

Laura não duvidava disso, com toda a agressividade que a menina de apenas oito anos guardava em si era bem possível que ninguém da idade dela a parasse durante um jogo.

— Eu só jogo com os meninos. Quer dizer, jogava, na outra escola. Não acho que nessa escola que Isadora me colocou eu possa fazer isso.

— É a melhor escola da região.

— Deu pra perceber – a menina fez uma careta.

— Foi só seu primeiro dia, Isis. É um pouco difícil você gostar assim, de cara. Ainda mais porque é uma cidade nova também.

Isis sacudiu os ombros de novo. Oito anos e já havia aprendido que ninguém dava a mínima para sua opinião: era criança demais. Mas é claro que ela não queria ter se mudado para tão longe. Sua vida já tinha perdido quase todo o chão e ninguém parecia interessado em saber como ela estava se sentindo com toda aquela confusão a sua volta. Ela gostava da antiga cidade. Gostava de poder ficar com sua avó o dia todo, as vezes a noite, quando sua mãe estava em plantões. E gostava, principalmente, de ter seu tio sempre por perto.

Ela não queria ter se mudado, não queria ter recomeçado e não queria ficar longe das pessoas que mais gostava na vida.

Mas os adultos não estavam interessados nisso.

Os adultos sempre achavam que criança não sabia de nada.

O que era uma coisa bem idiota porque, claramente, ela sabia muito mais do que Isadora. Ou pelo menos muito mais do que Isadora queria saber.

Isadora era o adulto mais inteligente que Isis conhecia. Mas também conseguia ser o mais burro ao mesmo tempo.

Adultos eram estranhos.

A menina queria ser criança para sempre.

— Isis! – Laura gritou – Não atravesse assim as ruas!

A menina se virou para trás, a mochila batendo em suas costas, pronta para dizer para Laura deixar de ser tão boba! Ela atravessava assim em grandes cidades e nunca, nunquinha mesmo, havia acontecido nada. Não seria numa cidade daquele tamanho que algo aconteceria.

Mas Laura a puxou antes disso e um carro passou por suas costas.

— Deus do céu, Isis, não te ensinaram que deve olhar pra um lado e pro outro, conferir se o sinal tá fechado e só então atravessar?

— Ah! Isso gasta muito tempo! – ela disse, sorrindo.

— E o que é que uma criança da sua idade pode ter para fazer com tanta urgência que não pode esperar dois segundos para atravessar uma rua!? – Laura disse, exasperada.

Isis soprou a franja pro alto, revirando os olhos. Laura era como todos os outros adultos: não sabia sobre nada na vida. E não seria ela que iria explicar. Então apenas deu as costas e saiu correndo, na faixa de pedestre.

— ISIS! – Laura gritou

Foi a penúltima coisa que ela ouviu.

A última ela não sabia se realmente ouvira ou se apenas sentira. Foi um baque forte contra seu corpo, que se sacolejou no ar por alguns segundos, quase como se a garota tivesse voando, até receber outro baque no chão.

Não fosse o segundo baque, Isis até que gostaria da sensação do voo.

Depois disso, a pequena não ouviu mais nada. Nem viu.

AI. MEU. DEUS. Capitão tá correndo fugindo loucamente dessa confusão!

Eu adoro essa cena por motivos de TRETAS ESTÃO VINDO! Mas me parte o coração ter atropelado uma criança que adoro tanto quanto Isis Cecília! Gente, ela é muito genial ne? Eu sei que todo mundo acha ela PETULANTE DEMAIS PRA UMA CRIANÇA, mas af, ela também é muito fofa e infantil numas horas hahahaha só queria avisar que TEM MOTIVO! nada que tá escrito até agora foi escrito POR ACASO! inclusive nesse capítulo ~ pisca~

(DAN BRINCANDO COM CRIANÇAS <3 esse homem maravilhoso!!!!)

Agora vamos todos fugir pras colinas porque a LEOA VAI FICAR LOKA QUANDO VIR QUE A SUA FILHA FOI ATROPELADA se a gente ama? não sei vocês, mas eu amo!

Felicis pra quem comentar, votar, e felicis tripla pra quem indicar a história prozamiguinho! Sério! Se você é do tipo que gosta de um enredo cheio de reviravolta e plots aqui é o seu lugar!

Beijos cafeinados!

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