Após inventar uma desculpa qualquer para o treinador Smith, por ter faltado mais um treino, Liam correu para o vestiário e trocou-se, encontrando Alex e Brian sentados nas banquetas.
"Olha quem resolveu dar o ar de sua graça", Brian ralhou, tragando um cigarro que pendia entre seus dedos.
"Olha quem resolveu dar um de engraçadinho", Liam respondeu um tanto áspero. Estava irritado naquele dia.
Especialmente porque a semana tinha ganhado um ar diferente. Após levar Zayn ao seu lugar, ele o tinha levado ao seu restaurante favorito, ao seu boliche favorito (e único de Jersey, mas como Zayn jamais tinha ido em um, Liam aproveitou a oportunidade) e sentia-se murchado por estar onde não queria.
"Wow! Temos alguém esquentado hoje", Brian disse, sátiro.
"Desculpe, eu só... acho que estou ficando doente e sempre fico meio amargo quando estou assim", Liam explicou, querendo se livrar da conversa deles.
"Mas é sério, você não têm mais andado conosco, some nos intervalos, falta os treinos. Não é Alex?", Liam não precisou olhar para saber que Carter estava consternado em seu canto.
"Ele deve ter suas razões", Carter falou baixo.
Liam soltou mais algumas palavras e saiu do local, deixando os dois a sós novamente.
"O Liam anda esquisito. Será que ele está nos evitando?", Brian perguntou ao amigo, dando uma última tragada no cigarro gasto e jogando-o no chão para pisá-lo.
"Sim. Tem algo aí", Alex respondeu, pensativo.
"O que você acha que é?", Brian não pôde obter uma resposta, pois o treinador fora chamá-los para iniciar o treino.
Mas Alex imaginava o motivo da mudança repentina de Liam. E Alex faria algo a respeito.
***
O treino correu tranquilamente, Liam sempre cobrado um pouco mais do que os outros, para variar. Enquanto os jogadores suavam as camisas no campo, as líderes de torcida ensaiavam as danças para o próximo jogo do campeonato.
Cloe olhava Liam de longe enquanto aquecia-se na bancada. Ele era o que lhe faltava, pensava para si. E ela o queria mais do que tudo.
No começo, quando Cloe soube das suspeitas de que ele poderia vir a ser gay, não ligou muito. Nunca viu Liam com rapazes, mas tampouco o viu com moças e isso a deixava mais esperançosa e determinada a possuí-lo.
Ela era a chefe das líderes e ele era o líder do time de futebol. Tinha algo mais certo do que eles dois ficarem juntos?
Foi com isso no pensamento que ela largou as meninas treinando e arrumou a saia xadrez do uniforme, andando em direção ao atleta, que descansava de uma sequência de corrida.
"Oi Li", ela sussurrou, sentando ao lado dele no banco.
"Oi Cloe, você está bem?", perguntou, com um sorriso.
"Sim. Obrigada. Você nem preciso perguntar", parou um pouco e riu forçadamente. "Estava pensando... você não gostaria de ir à festa na casa da Alice? Tipo, vai ser amanhã e todos vão."
Liam parou um pouco, registrando as informações e, como se tomasse um choque de realidade, sorriu.
"Claro, seria ótimo", não deu tempo de Cloe comemorar. "Mas posso levar alguém?"
Ela o olhou espantada e fingiu que não era nada demais aquilo. Meneou a cabeça e sorriu falsamente para ele.
"Claro", levantou-se, a saia ondulando nas coxas sendo alisada por suas mãos ágeis, na intenção de arrumá-la. "Nos vemos lá então."
"Sim, obrigado por convidar", Liam levantou-se e correu até o campo para voltar os treinos e ela ficou no mesmo lugar, chocada com o acontecido.
Então havia uma pessoa. Havia uma concorrente. Ela ficou transtornada.
"Oi Cloe!", Alex, que sempre tivera uma queda pela garota a cumprimentou, recebendo dela um olhar cortante antes de vê-la sair andando furiosa para longe dele.
***
Zayn não pôde dar aulas para Liam naquele dia, pois tinha uma visita no dentista. E Liam, enquanto ia para sua casa, ficou pensando em como convidaria o menino para ir à festa consigo, depois decidindo internamente que seria uma má idéia; afinal, sua amizade com Zayn estava indo tão bem longe da vista de todos, por que arriscar perdê-la numa tentativa de sair em público com ele?
Entrou em casa calado, a pisos finos sobre o carpete chinês, quando ouviu seu nome ser chamado do escritório do pai. Caminhou até lá um pouco receoso e ficou surpreso ao ver os pais juntos em casa tão cedo.
"Filho, queremos conversar com você", Geoff falou, sem olhar para Liam, de fato.
"Boa noite para vocês também", o jogador disse ironicamente, recebendo um olhar reprovador da mãe. "E do que se trata?"
"Da faculdade que você vai estudar", o pai respondeu, segurando alguns papéis, que Liam reconheceu como envelopes de universidades. E estavam em seu nome. E estavam abertos.
"Pai, por que você violou minhas correspondências?", Liam perguntou, alterado.
"Diga-me você por que escolheu arte em todas essas universidades, Liam", o pai finalmente encarou o filho, enquanto jogava os papéis na mesa como se fossem nada. "Que merda você tem na cabeça? O que pensa que vai fazer numa faculdade de arte? Vai aprender a pintar e bordar e viver de vender artesanato?"
"É minha decisão. Eu escolho o que quiser!", Liam gritou, ignorando as tentativas de sua mãe de acalmá-lo.
"Eu vou pagar. É minha decisão também", respondeu o pai, cortando qualquer moral que Liam havia adquirido na pouca conversa. "E você não vai cursar artes."
Ele meneou a cabeça e bateu palmas para os pais, que se assustaram com a reação inusitada.
"Parabéns por fazerem da minha vida um inferno", e saiu para o seu quarto correndo, escondendo as lágrimas que teimavam em cair.
Ele queria morrer naquele momento. Estava completamente revoltado com a atitude dos pais. O que eles pensavam? O que sentiam? Eles nem prestaram atenção em como o filho cresceu e agora querem opinar no que é melhor para o futuro dele?
"Que se foda se o dinheiro é seu!", Liam gritou do quarto, esmurrando a porta. "Que se...foda", sussurrou derrotado. O que faria? Viveria das migalhas que sempre lhe ofertavam, em algum momento de autoridade pré-estabelecida por laços sanguíneos? Morreria como um medíocre que faz o que os outros querem?
Quis pegar o estilete e cortar-se. Quis aforgar-se na banheira de hidromassagem. Quis sentir dor, mas sabia que nada o faria sentir mais dor do que o da completa ignorância de seus pais com ele.
Jogou seu corpo na cama, como um peso morto e soluçou o primeiro de vários outros soluços, que antecederam as lágrimas quentes que fizeram seus olhos doerem. Estava completamente vazio e sozinho.
***
Zayn arrumou o cabelo no espelho de forma irregular. Resolveu fazer isso antes de se vestir e fez bem, pois ficou completamente equivocado. Colocou gel demais, o cabelo ficou espetado para todos os lados e ele parecia o Jimmy Bolha.
Entrou no chuveiro novamente e resolveu ir normal para a escola, mesmo que normal significasse ser apenas o Zayn de sempre.
Vestiu-se, dando de ombros e desceu para ter seu café, quando se assustou ao ver Liam na sala de estar, conversando com sua mãe.
"Oh, veja quem terminou de se arrumar", Trisha piscou para o filho, com um sorriso. "Liam está te esperando há quase meia hora.
Zayn sorriu amarelo e chamou a mãe até a cozinha com uma tímida movimentação da cabeça. Quando ela o fez, ele sussurrou:
"Mãe, por que não me avisou que ele estava aqui?", falou entre dentes. "Eu nem botei perfume!"
"Mas amor, você sempre está cheiroso", a mãe disse, apertando-lhe as bochechas. "Ande, coma algo com calma. Hoje você tem carona."
E saiu, falando alto e indo continuar sua conversa com o amado do filho.
Zayn comeu em silêncio e, da mesma forma subiu ao quarto e pegou as suas coisas para ir com Liam. No caminho para a escola, não comentou sobre nada, e só meneou a cabeça para alguma pergunta do outro.
Quando Liam estacionou na escola, ele segurou Zayn pelo pulso antes que ele saísse do carro.
"O que houve?", perguntou.
"Do que você está falando?", da sua cara de bosta, Zayn pensou.
"Você está estranho", Liam comentou. Parou um pouco e inclinou-se, no banco para encarar Zayn. "Você achou ruim eu ter ido te buscar?"
"Claro que não! Eu adoro voc... sua carona!", Zayn disse. "É só que... eu pensei que... minha mãe é um pouco afoita sabe? Então eu não quero que você pense algo... algo ruim entende? Ela só é..."
"Zayn", Liam o interrompeu. "Sua mãe é incrível. Eu a acho demais, totalmente. Ela é tipo...", riu um pouco sem graça, "...uma mãe."
Zayn o olhou curioso, como se quisesse ter certeza de que Liam pensava isso da mãe.
"Sua mãe deve ser uma mulher bem fina", ele comentou, sorrindo. "Só queria que você compreendesse que a minha é humilde."
"Trisha é a mulher mais fina que eu já vi. Nunca a compararia com a minha mãe", Liam disse, irritado. "Nunca mais compare as duas, entendeu?"
Zayn assustou-se. Era a primeira vez que Liam era rude com ele e isso havia magoado seu coração apaixonado. Suspirou e assentiu, bastante sem graça e ia sair do carro, quando Liam o segurou novamente.
"Me desculpe", ele pediu, olhando o menor. "Eu não...eu não queria te chatear. É só que... você parece ter uma família incrível, Zayn sua mãe ama você. Eu daria tudo para ter isso. Eu não tenho nada. Eu sou um nada."
O menor ergueu as sobrancelhas, consternado e virou-se totalmente para Liam, indignado.
"Liam, como pode falar isso? Você é tipo...incrível, você é tudo! Você é o cara mais lindo que eu já vi, o atleta mais incrível...", Liam entreabriu a boca, um pouco surpreso, mas Zayn continuou, "... o aluno mais dedicado de história depois do Dave. Você é simpático, é doce... e...você salvou a minha vida! Você é um herói, e...", não pôde terminar de falar, porque Liam o calou com um beijo.
Os lábios colados um no outro não se moviam. E nem era necessário. Liam soltou o pulso de Zayn e segurou o rosto do pequeno, apenas mantendo os rostos no mesmo nível.
E Zayn pensou que ia morrer. O coração batia com tanta força que ele pensava que o bumbo podia ser ouvido a 2 km de distância. Pensava que Liam podia ouvir, mas não ligava.
Liam sentiu o metal do aparelho de Zayn na sua boca e bochecha, mas não ligou. Não era um beijo com segundas intenções. Não era um beijo provocativo. Era um beijo. Só um beijo.
Quando ele soltou os lábios do menor, Zayn manteve os olhos fechados por algum momento, a boca levemente aberta e uma expressão de deleite como nunca sentira antes. Mas quando percebeu o que havia acontecido, não soube por que, pegou suas coisas e abriu a porta do carro de Liam, correndo dali o mais rápido que pôde.
"Zayn!", Liam gritou, mas o menor não parou e entrou na escola, sumindo de suas vistas.
O que havia feito de errado? Zayn era hétero e sentiu-se ofendido? Mas o que significava a foto no seu armário? Liam perguntava a si mesmo todas essas coisas e sentia-se mal. O que faria? Deu um passo muito longo e assustou Zayn?
De qualquer forma, decidiu que essa história não terminaria ali.
Enquanto isso, Zayn estava trancado no banheiro, ofegante como alguém que estava tendo um infarto. Trancou-se em uma das cabines e sentou-se no assento, puxando sua bombinha do bolso para sugar o ar, soltando-a nervoso, as suas duas mãozinhas acariciando suas têmporas por debaixo dos óculos.
Liam o havia beijado. O quão magnífico isso era para Zayn! O quão isso havia mexido com seu emocional... Sentia-se fantástico e ao mesmo tempo fraco. Ele sonhara com isso por toda a vida, mas não imaginava que pudesse acontecer, e agora não sabia como lidar com a situação.
Uma hoste de pensamentos o invadia naquele cubículo gélido e ele se recusava a pará-los, a sair dali e fingir que estava tudo bem. Não estava.
Tentou se recompor o máximo que pôde, arrumando o paletó levemente amassado e saindo do banheiro, mas sabia que estava pálido e transpirava muito. Perdeu sua chance de correr dali quando foi colocado para dentro da classe.